Bruno Schiavo homenageia a mãe em vídeo sentimental para “Playback”
Quem entrou em 2020 com muitos planos teve que repensar e isso impactou de forma direta muitos trabalhos artísticos, de turnês a produções, mas nem por isso bons discos deixaram de levar alegria e servir como entretenimento para que os dias ficassem um pouco mais leves. Esse foi o caso do músico Bruno Schiavo que logo em março lançou seu debut, A Vida Só Começou. Este que acabou figurando nossa lista de 50 Melhores Álbuns Nacionais de 2020.
Vale lembrar que “Tem Certeza?” da Ana Frango Elétrico é uma parceria dele com a artista carioca. Além das faixas autorais o registro conta com canções de André Camarero e Felipe Kouznetz e do poeta Tazio Zambi.
Com espírito garageiro o disco diverte com doses de bom humor e levada powerpop. Assobiável, chiclete, com letras do cotidiano, psicodélico e com referências que vão da vanguarda paulistana, passeando entre a MPB e o rock. Um disco leve para um ano tenso.
Bruno Schiavo “Playback”
Assim como o andamento do ano o plano inicial não era “Playback” ganhar um videoclipe mas por questões afetivas marcantes acabou ganhando um protagonismo assim que o músico reviu a fita durante o isolamento social. A escolha foi um vídeo de casamento para homenagear a matriarca.
“”Playback” é uma das músicas menos prováveis como single do disco, não só por ser em inglês, também pelo referencial histórico mais marcado. Talvez preferisse ter feito um clipe pra “Amores Incríveis”, até visualizo câmeras fugidias em cenas de orgia ambiental, tesão urbano, coisas assim (risos). Mas o que tinha à mão eram imagens de família, digitalizadas há um tempo e nunca vistas por ninguém.
Foi intenso me deparar com pessoas que se foram, com a própria teatralidade do casamento, e com diversos momentos de verdade capturados como detalhes no contexto. Apreciei o esmero na arte da filmagem de eventos, seus zooms, cortes, cartelas, flares, e todos os seus dispositivos muito frágeis de eternização.
Também perguntei aos protagonistas sobre usar as imagens, porque vivemos num mundo midiático que expõe a atualidade de beldades de época como matéria para sarcasmo, o que antes de qualquer coisa dá notícia de um perecimento do espírito. Imaginei se questões dessa ordem poderiam pegar. Mas ambos disseram que tudo bem. Acho até que existe uma desidentificação saudável com a ocasião, assim como é trivial ficar patente o desconforto em um vestido.”, conta Bruno Schiavo
A Escolha da Temática para a Canção
“O tema de “Playback” não se colocaria conscientemente, também não me vejo como aquela pessoa família. A composição foi a visita de uma presença que descobriria ser a materna, e o caso especial em que pedaços da letra vêm amalgamados na melodia. Depois de um tempo, sonhei que minha mãe cantava a música, preenchendo algumas lacunas com palavras suas, como um tipo de confirmação, o que permitiu estruturar em forma de diálogo.
O feeling remanescente do sonho era uma atmosfera de acolhida por sua existência e a memória das traduções e dublagens em brazilian english que ela fazia do que tocasse no rádio anos 80 e 90, uma verdadeira comédia subversiva, próxima de outras modalidades suas como o trocadilho e o batismo de apelidos em metamorfose e proliferação hilárias. Mas pra uma criança pequena, além do humorístico desse caso, está em jogo todo um amigamento com as coisas. Por englobar o estranho das formas aquém, além e através da linguagem numa mesma ambiência amniótica e arredondar as quinas intrometidas da técnica, o que é estrangeiro pode ser rapidamente familiarizado.
Também tem o fato de ser um lugar comunicativo muito sonoro, gestual, mimético, genético, que se funda na relação com o corpo materno e suas próteses lúdicas e adocicadas.“, conta Bruno Schiavo
Os Arranjos da Versão Final
“A versão original da música ia mais pro intimismo, arpeggio no violão, voz comedida; não sei exatamente se por um comando da produção de Eduardo Manso ou da própria levada de Thomas Harres, o som cresceu e recebeu várias camadas de guitarra, sintetizador, piano e sitar. Isso gerou um deslocamento da referência estética geral, que soou “industrial” pra mim, e então quis incluir artificialmente a personagem do primeiro amor, no que já era uma conversa sobre confusão sujeito/objeto.
Pra explicitar a brincadeira com Freud, pra remeter à trilha sonora e aos véus platônicos da adolescência, à relação amorosa responsável pelo meu ingresso na composição, e pela aliança com o mundo que é seu significado, igualmente.“, divaga o músico
O aparar de arestas do debut
“Sendo o primeiro disco, precisava acertar algumas contas umbilicais, como é esse exemplo de “Playback”, e como cada faixa tem um sentido originário a seu modo. Como disse em uma entrevista (para o Trabalho Sujo, em janeiro), mencionei que o percurso pelas faixas pode ser entendido como uma passagem por começos deslocados na composição – que tem, ela mesma, algo de partida do nada –, por uma certa variedade de sonoridades formativas, e principalmente pela necessidade de tomar para si e também repartir as chegadas, os inícios (ao contrário da abstração dos “princípios” e da coagulação da origem), porque esses são os lugares mais visados pela tecnosfera, “com seus botões de ferro e seus olhos de vidro”.
Por exemplo, a postulação axiomática e precipitada ao ponto do suspeito de um “novo normal” vem colonizar, saquear a energia que daria saídas outras pra catástrofe pandêmica.
O primeiro single, “Califórnia”, lançado em janeiro, fala desse presente robotizado e colocado já no futuro: pensar em pegar o destino pelas mãos assume a conotação do crime. Daí, o título do disco, retirado dessa faixa, que alude ao jargão corporativo que quer se entranhar no domínio de gerar, inaugurar, o que dirá de continuar; e que oculta seu cerne positivo, não-irônico, cada vez mais difícil de dizer.“, finaliza Bruno Schiavo
O Flashback de “Playback”
Nostálgico, sentimental e com imagens do arquivo da família, o vídeo emociona por fazer uma homenagem bonita e sincera. Uma declaração de amor em VHS para virar o ano com uma mensagem que acolha a todos. Fechando o ano levando esperança por dias melhores. O vídeo foi produzido por Simes Film & Video.