Há pouco mais de um ano e meio Black Alien lançava o elogiadíssimo Abaixo de Zero: Hello Hell (leia mais) que ficou em primeiro lugar na nossa lista de Melhores Álbuns Nacionais de 2019. Inclusive “Carta Pra Amy” é uma das faixas mais intensas e reveladoras do disco; e neste (11.11) ganha um videoclipe dirigido por Gabi Jacob com produção da Dois Mais Filmes.
O ator André Ramiro é o grande protagonista da trama e consegue traduzir, durante sua atuação, as nuances dos conflitos representados ao longo da letra.
” É uma música complexa, cheia de verdades e que ao que me parece, tocou bastante no coração das pessoas”, conta o rapper que comenta que os fãs pediam muito pela produção audiovisual.
“Minha ideia foi usar o mar como metáfora para essas diferentes fases da vida. A dificuldade em nadar, o quase afogamento, a volta à superfície e no fim, já mais consciente, o modo como você lida com essas ondas que nunca vão parar de vir, mas que você já consegue enfrentar de uma outra forma”, explica a diretora.
” O clipe (de Carta Pra Amy) traz metáforas profundas, imagens bonitas e consegue trazer a carga dramática que esta canção tem”, opina Black Alien
“Recuperação é uma caminhada pessoal, intransferível e bem solitária. Os mesmos que batem palminhas, não entendem, e nem tem consideração real por essa caminhada, incluindo pessoas próximas.
Fora cuidados com o espiritual, de acordo com a escolha de cada um, e assistência médica especializada, nós adictos só temos a nós. A saúde mental, que é irmã de pai e mãe da saúde espiritual, é tão importante pro mundo que é só isso que pode salvá-lo agora. Saúde mental no fim das contas é amor”, diz o rapper
“Possivelmente a parceria com Papatinho terá mais um capítulo e alguns feats estão a caminho”, adianta Black Alien. Lembrando que Papatinho foi o produtor do álbum.
Seu estilo também é muito versátil e consegue flutuar de maneira muito natural entre o rap old school, as love songs e as feitas para dar fervo na pista. Choque de realidade que ganha diferentes narrativas e batidas ao longo de suas nove canções.
Beats que por sua vez merecem todos os elogios por flutuar entre o trip hop, o hip hop, o soul, o dub, o jazz e o R&B. Gustavo por muitas vezes faz duras críticas a si mesmo, ao governo e a quem “fala muito” mas faz pouco. Referências a artistas de rock, soul, reggae e a filmes fazem parte de suas rimas ácidas e ásperas de quem saiu do inferno.
“Área 51” já abre o álbum com críticas ácidas a sua dependência com as drogas. Expurga logo os demônios para abrir caminhos. Narra sobre sair do fundo do poço e as desculpas que dependentes dão para não largar o vício. Nem por isso “virou santo”, como ele mesmo diz, mas parece agora trilhar caminhos mais sóbrios.
A frase que vai ecoar na sua cabeça é justamente “Problema com pó quem tem é o dono do bar”, enquanto o dub à la Ziggy Marley rola solto e as referências aos Paralamas do Sucesso (Vital), e paixão pela ficção científica (Área51), e literatura (Inferno de Dante), aparecem como recurso para explanar a situação.
Com um beat que coloca qualquer um para dançar, “Carta Para Amy” alia em seu instrumental o old school, do soul, e o revival do trip hop noventista. A sensibilidade para falar sobre ansiedade, descontrole e procura por ajuda ganha rimas finas que misturam a liquidez de Bauman, para falar sobre noites regadas a álcool e drogas, e cutucadas afiadas a quem limita sua criatividade a falar sobre a “plantinha”.
Referências vão de William Faulkner (“O Som e a Fúria”), Top Gun (“Danger Zone”), Juventude Sônica (Sonic Youth),Talking Heads, Black Flag, “Kurt é Rei” (Nirvana), Nina Simone, Bob Marley (“Running Away”). As metáforas para falar sobre novas linhas e planos de vida, longe das “carreiras”, também fazem parte da canção que narra sobre a insanidade de nossa rotina laboral…onde manter a sanidade é um desafio constante.
Não é só de porradas que se faz um ser humano e “Vai Baby” mostra outro lado de Black Alien. O amor, o ciúme, a intensidade e a vida a dois ganham rimas feitas para cantar junto. A balada claro ganhou um videoclipe recentemente.
Uma das mais confessionais é justamente “Que Nem o Meu Cachorro” que discorre justamente sobre as críticas, os desaforos e sua força de vontade em se reinventar tanto como ser humano, como artisticamente.
Força essa que fez com que ele superasse todos os seus problemas. A saída do inferno através da fé e da fibra e seus altos e baixos para valorizar o hoje, são retratados na faixa de maneira certeira.
Ele mesmo faz a autocrítica de não conseguir rimar justamente por estar “entorpecido” demais para isso, e desta forma revela um passado obscuro e longe de qualquer sobriedade, tanto física como mental e espiritual…para seguir seus sonhos.
O tapa na cara com luva de pelica arde em “Take Ten”. Com referências a Coltrane, Matrix, Jimi Hendrix, O Médico e o Monstro, o processo de autoflagelação ganha um novo capítulo dentro do disco.
Fala sobre a falta de rotina, foco, destruição e mudanças de comportamento para conseguir viver a vida de maneira mais digna. Tem cutucada para o governo “fake news”, falsos influencers e modinhas passageiras. Tudo isso com muito fogo na bala e ácidez cirúrgica.
Seu lado galanteador volta a transparecer em “Au Revoir” e descreve mais sobre sua intensidade nesses momentos com sua “Little Ramona”. Com direito a metáforas para falar sobre as paranóias, e problemas, da relação de um casal que enfrentou junto a batalha contra as drogas.
A sobriedade ganha um capítulo à parte em “Aniversário de Sobriedade”. Fala sem pudor sobre seus conflitos, bloqueios criativos e desprestígio. Puxa essa guerra para si mesmo, assume a culpa, narra sobre as experiências em clínica de rehab e abre seu coração de forma tão sincera que tenho certeza que irá inspirar muitos que vivem neste eterno fogo cruzado. Uma linha tênue entre permanecer um “zumbi” e ter forças para enfrentar os dilemas e dramas do cotidiano de um MC.
Tanto é que Zaratustra, Nietzsche, as “biqueiras” da Augusta, os vícios em sexo, caos, noitadas, e pensamentos e tendências suicidas, servem de cenário para ilustrar essa rota de colisão.
“Jamais Serão” é intensa como um raio, fala sobre o ápice de uma carreira, e seu espírito rebelde. Questionando “faladores”, trazendo toques da vanguarda, “dixavando” sua paixão blues, rock, soul, reggae, funk, punk, jazz, hardcore… e mostrando como sua admiração pelo ontem, e olho no futuro, caminham lado a lado.
Pega para si mesmo a missão de sair da zona de conforto para se reinventar e deixa o seu recado para a geração do rap atual. Mostrando mais vez o poder de seu legado dentro do rap nacional e sua atemporalidade.
Black Alien opta por fechar com “Capítulo Zero” onde volta para 1972 onde sua vida começou para mostrar como nossa trajetória somos nós que construímos e que nunca devemos esquecer de onde viemos. Se despedindo do álbum e deixando o vício, e as distrações, para trás.
This post was published on 11 de novembro de 2020 6:04 pm
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