Fernê apresenta o frescor dos primeiros dias em EP de estreia
Fernê – Foto Por: Alice Rocha
Refrescante como um gole de fernet com coca-cola, o som da Fernê é o resultado do encontro entre amigos que estudavam em colégios próximos. Na bagagem eles contam diversas referências e isso fez com que o som da banda que se iniciou como um folk project fosse ganhando guitarras dissonantes, timbres e arranjos muitas vezes experimentais.
Embora jovens, eles são bastante proativos e também participam de outros projetos. A formação conta com a vocalista Manuela Julian (Pelados), Chico Bernardes na guitarra e voz, que no ano passado lançou disco solo, Theo Ceccato (Laura Lavieri e Sophia Chablau) na bateria, Tom Caffe no baixo e Max Huszar (Dr. Carneiro) na guitarra – que acabou entrando na banda após a gravação do primeiro EP.
O debut, inclusive, foi gravado na K7 no Estúdio Canoa numa Tascam de 4 canais com o produtor e engenheiro Thales Castanheira (Goldenloki e Gumes), o que definitivamente dá todo um ar vintage das referências do grupo que passam por artistas como Grizzly Bear, Dirty Projectors, My Bloody Valentine e Sonic Youth, cada um em uma dosagem diferente.
“Ah a gente gosta de muita coisa. De Caetano Veloso a Björk. Nos inspiramos em sons gringos mais atuais como Grizzly Bear, Beach House, Fleet Foxes e os clássicos como Neil Young, Tortoise e Nick Drake. Sem esquecer de ícones como Clube da Esquina, Mutantes e vários outros.”, relata a Fernê
Fernê, o EP
São 4 faixas que mostram diferentes facetas, possibilidades criativas e habilidades individuais dos integrantes. Um som que se deixa levar pelas emoções feito uma jam orquestrada, entre o risco, a poesia, o lo-fi e o requinte.
É desse choque de universos e timbres que o som ganha corpo e mostra desde cedo personalidade. Em “Ideias Doem” lembra muitas vezes o lado torto do encontro entre o Pavement e o Sonic Youth, entre o chiado da distorção e a sensibilidade dos vocais mais aveludados. “Azul” tem a crueza de uma jam de estúdio, entre acordes mais progressivos e energias psicodélicas, é o choque entre o som setentista e a vanguarda da música brasileira.
A experimentação e a delicadeza se encontram em um dos destaques do registro, “Outros Tempos”, faixa que ganha a beleza do encontro de vocais, linhas de guitarra que derretem ao longo do andamento da música e que exploram diferentes timbres e memórias.
Versos como “a espera de um futuro chegar”, definem tanto 2020, não é mesmo? Destaque para os ótimos vocais de Manuela que parecem conduzir as guitarras. O primeiro single a ser revelado, “Consolação”, mostra o lado mais introspectivo do grupo paulistano e a canção parece jogar à favor do canto de Chico Bernardes que abre o peito para falar sobre transformações.
Ouça o EP enquanto lê a entrevista
Entrevista: Fernê
Conversamos com a Fernê para entender mais sobre os primeiros dias do grupo paulistano.
Vocês começaram a produzir som com referências do folk e foram incorporando outras influências. Como foi esse processo e o que foi inspirando essa transição?
Fernê: “O processo começou quando o Chico nos reuniu, por muito tempo éramos o “folk project”. Isso pois nossa música tinha como proposta o clima cru do folk, a voz e o violão, e os arranjos mais polidos e bonitos desse gênero.
Fomos aos poucos deixando de lado as referências mais clássicas e começando a compor juntos. Nesse processo a nossa personalidade tomou conta e as músicas mais leves foram dando espaço para emoções e barulhos mais “intensos”.”
Fernê também é um nome de um drink, inclusive ele pode virar o tradicional “Rabo de Galo”, pode levar coca-cola mas também pode ser bastante sofisticado e elegante acompanhado de um café. Contem mais sobre as origens do nome em relação a banda….e o que levaria no drink de cada um?
Fernê: “Sinceramente falando, o processo para encontrar o nome da banda foi difícil. Uma vez estávamos no ensaio e como somos amigos, sempre rola um papo gostoso antes e depois de entrar no estúdio.
O Tom e o Theo, o baixista e o guitarrista tinham voltado de uma viagem a Buenos Aires completamente viciados em fernet. O Theo sugeriu a ideia e todos concordamos que combinava perfeitamente com a nossa proposta. Tomar Fernê com coca depois do ensaio se tornou uma tradição.”
Como foi a experiência de produção do EP? Como veem o conceito central? Ele serviu para descobrir o que vocês querem enquanto banda?
Fernê: “A experiência de gravar o EP foi ótima. Tocamos há anos juntos né, aí nos juntamos com o Thales Castanheira para gravar o som na fita cassete, no Estúdio Canoa. Isso foi em maio de 2019 e a formação da banda não tinha nosso segundo guitarrista, o Max Huszar. Foram tardes com muita música, papo e baião de dois.
O conceito da banda gira em torno da emoção. O espaço, o folclore e a relação com o mundo e com os sentimentos são uma temática constante. Nossos shows são cheios de emoção, e junto com as artistas Julia Maurano (que administra as mídias e é a fotógrafa oficial da banda) e Helena Zilberstejn (que fez a capa do single e do EP) conseguimos chegar ao lugar que queríamos.”
Os timbres e os arranjos também são pontos fortes do som de vocês. Como funciona para dosar isso no momento da criação?
Fernê: “Os timbres foram mudando conforme a banda foi trocando referências. Enquanto o Chico trazia timbres cheios de reverb e limpos, o Theo trazia outros mais secos e distorcidos. Com bastante influência de Grizzly Bear, Dirty Projectors, My Bloody Valentine e Sonic Youth, os conceitos foram se misturando. Dá pra dizer que tem uma pitada do ‘Innerspeaker’ e do primeiro EP do Tame Impala.
Conforme fomos ensaiando, fomos encontrando variações de dinâmica e pequenas convenções pra cada música, de forma que o baixo e a bateria sejam o elo “seco”, e a guitarra do Chico o elo mais solto, “molhado”. Já a voz da Manu tem suas variações: ora condutora da canção, sussurrada e baixinha, ora estridente e forte, se encaixando como um instrumento musical.
Após a gravação do EP, entrou na banda Max Huszar, também na guitarra. Às vezes ele acompanha os dedilhados do Chico, de forma que ambos se complementem, e às vezes dobra linhas de baixo ou riffs enfáticos.”
Aliás todos vocês se conhecem do colégio e se envolvem em diversos projetos, como é para vocês virar a chavinha?
Fernê: “Exatamente pelo fato de nos conhecermos da escola acho que o processo da Fernê sempre foi muito natural, no sentido que nos juntamos despretensiosamente com intuito de fazer um som.
Assim a estética, a sonoridade e tudo o que envolve criação na banda sempre vem muito espontaneamente e coletivamente. Inclusive a escolha da sonoridade do ep e a opção pelo gravação em k7 foi uma ideia que apareceu e nos agradou muito, não foi meticulosamente pensada.
O fato de todos nós termos projetos paralelos só ajuda a impulsionar a banda e deixar as coisas o mais plural possível, assim o que muitas vezes faz a unidade do Fernê é esse descompasso natural de ideias e o resultado é o que os ouvidos podem ouvir e o que não podem também.”