lista de ausência conversa sobre a solidão em debut

Mudanças são por si só difíceis, para alguns até mesmo traumáticas. Fato é que sair da sua zona de conforto e de ter contato com aquele que sempre estiveram por perto é um desafio à parte. Gabriel Pozzan na casa dos 20 anos saiu de Porto Alegre (RS) com destino França para estudar. Até então ele já tinha trabalhado ao lado da sua banda a Raposas Brancas, o isolamento e a inquietação foram os embriões para o desenvolvimento do seu primeiro projeto solo, a lista de ausência.

A mudança de realidade, abstração e experimentos frutos do novo estilo de vida fizeram com que seu quarto se tornasse seu melhor amigo durante esta solitária experiência.

Influenciado pela geração de pop psicodélico, neo-psicodelia e rock alternativo de grupos como Boogarins, Tagore, Terno ReiGiovani Cidreira, Gorillaz, Tame Impala e Unknown Mortal Orchestra, o som das primeiras 8 faixas da lista de ausência projetam sentimentos conflitantes, inimigos bastante íntimos, um mar de dilemas e expectativas.


Gabriel Pozzan lança o primeiro disco do projeto lista de ausênciaFoto: Arquivo Pessoal

lista de ausência conversa de um só (2020)

A conversa de um só pode tanto significar intrinsecamente ao processo solitário, e o domínio de todo o que o permeia, como também ao monólogo apresentado no disco.

São facetas do registro em que Gabriel assina a produção, mixagem, masterização, composições, vozes, instrumentos (guitarras, sintetizadores, percussões, baixo elétrico) e até mesmo o adendo de todos os plug-ins. Desafio esse que fez com que o jovem músico debruçasse noites para aprender mais sobre técnicas de produção para colocar no mundo o debut do lista de ausência.

Da pesquisa por timbres, mixagem e diversos takes. Um exercício que embora faça com que o resultado final fique ao seu gosto, e faça amadurecer sua própria visão sobre sua arte, tem seus problemas. Mas nada que não sirva como ensinamento para os próximos lançamentos. O momento é de apresentar sua criação para o mundo e ver como será recebida. Fato é que conversamos com ele exatamente sobre isso e ele pode conta mais sobre as nuances de toda imersão.



A solidão e a lista de ausência

O disco se inicia com “conversa de um só” que chega bem cintilante e reverberando nas ondas dos synths e com uma carga melancólica que transparece das melodias aos vocais.

Quem gosta dos vocais de Dinho Almeida, dos Boogarins, ou do jeito acanhado do Elliot Smith vai se identificar com a verve do som. A faixa deixa claro que o disco é feito no quarto, e como a solidão e ansiedade, por sua vez, se confundem entre os versos descritivos e pouco otimistas da canção.

“Velho Hábito” tem uma linha mais animada e estridente como Tagore apresenta em seu mais recente disco, Pineal (2016), ela derrete com seu vocal sussurrado que acaba servindo também como instrumento. A letra vai direto ao ponto sobre um declínio de um relacionamento que parece já não caminhar muito bem.

A sensação de estagnação, falta de controle sobre a própria vida e a tensão reverberam no ar de derrota de “o dia só começa quando a gente acorda”. Melancolia que ganha uma linha de sintetizadores que me lembram o MGMT em sua fase mais recente justamente pela liberdade de sair – e por explorar os backin vocals saindo do trajeto linear que o disco caminhava até então.

A falta de forças para continuar move “Surperstição” que o próprio músico revela que narra sua odisséia vivida durante o período final de estágio. Um desabafo musicado sobre uma situação vivida por tante gente entre um e-mail e um copo de café.

A segunda parte da lista de ausência

A segunda parte começa com “ninguém te vê” com sintetizadores e guitarra em segundo plano como visto em influências do projeto, Tame Impala e Unknown Mortal Orchestra, o que contrasta é seu baixo que lembra até mesmo as melodias frias do Joy Division em alguns momentos do disco. Talvez até pelo sentimento de exaustão e solidão enclausurados na faixa.

Ainda carregando a âncora do desolamento, e cercado pelo fantasma da ansiedade, “ausente” sintetiza sua energia auto-destrutiva. Com direito a guitarras estridentes de background com timbres de post-rock, diálogos inaudíveis feito pensamentos obscuros, e nos traz, por sua vez, a sensação de perturbação.

O disco do lista de ausência volta a ser ironicamente dançante em esconde-esconde, faixa que embora tenha uma harmonia mais solar, e assobios no melhor estilo Peter John and Bjorn em “Young Folks”, dialoga sobre o sentimento dark da auto-sabotagem.

Com tons mais pastéis o álbum se encerra com “até logo, disse o amanhã” encerra o registro dialogando sobre o conformismo e os conflitos internos que isso provoca. Questionamentos estes tão dúbios e que muitas vezes nos prendem em um cenário de conforto em meio a tempestade. De certa forma fechar com a canção mostra que pode sim existir uma luz no fim do túnel.

Entrevista

Conversamos com o Gabriel para ele contar mais detalhes sobre a experiência de gravar sozinho o primeiro registro da lista de ausência. Ele abriu o coração para falar sobre seu sofrimento, processos e motivações.

Conte mais como este período afastado do país te inspirou a encarar esta jornada solo e quais foram os maiores desafios de produzir um disco do começo ao fim, visto que você assina todas as funções (da produção, instrumentação, voz, composição, Arte) do disco. Como foi a concepção, o processo e observar o resultado final?

Gabriel (lista de ausência): “Eu me mudei para a França em setembro de 2018, e nos primeiros meses acabei deixando completamente de lado as composições que eu vinha fazendo no Brasil. Depois da minha chegada aqui, eu destinava quase todo o meu tempo para as atividades da faculdade, além de estar lidando com dificuldades de adaptação. Foi só depois de um certo tempo que eu consegui me acostumar com a rotina e retomei as composições, sem muito entusiasmo no início, para ser sincero. Inclusive nenhuma das faixas que eu compus nessa época acabou entrando no álbum.

Depois de um estágio que eu fiz durante as férias de verão daqui, entre junho e setembro de 2019, eu consegui juntar o dinheiro que eu precisava para comprar as coisas necessárias para começar a gravar as faixas com uma qualidade maior. Isso me deixou muito motivado e me levou a descobrir um jeito de compor bem diferente do que eu acreditava ser o meu processo criativo até então. Ter os equipamentos a minha disposição o tempo inteiro acabou tornando a experimentação o ponto mais forte para mim na hora de compor e tudo passou a fluir de forma muito natural.

As gravações que estão no disco começaram por volta de outubro de 2019, logo depois de eu conseguir comprar os equipamentos. Após 5 meses eu me dei conta que já tinha algo em torno de 15/20 músicas escritas e gravadas em versões demo, e foi nesse momento que eu pensei: ‘se eu desenvolver essas gravações e tirar delas o que eu considerar que se encaixa melhor na mensagem que eu quero passar, vou ter um álbum inteiro’.

À partir daí eu passei a tratar as faixas que estavam gravadas como um trabalho que viria a ser lançado em conjunto. Eu falo isso pois eu não tinha pretensão alguma de gravar um álbum propriamente dito quando eu comecei a compor essas músicas, e essa a ideia de unir tudo em um disco foi surgir apenas depois de eu perceber que o trabalho já estava ali, muito bem encaminhado.

A Imersão no Processo

Foi um processo de evolução muito grande, não só como compositor mas também como produtor. Eu diria que essas duas coisas andaram de mãos dadas durante todo o processo, a cada sessão de gravação eu me sentia mais confiante para experimentar coisas novas e acabava evoluindo a parte de produção em paralelo por estar sempre trabalhando com o software de gravação.

Ver o resultado de todos esses meses de trabalho da forma como ele ficou me traz dois sentimentos bem fortes ao mesmo tempo: satisfação e incerteza.

Eu fico muito satisfeito com o resultado final, pois eu destinei muito tempo nesse projeto e consigo ver o resultado de todo esse trabalho como algo consistente e com uma proposta definida, mas ao mesmo tempo não sei como as pessoas vão receber o álbum, muito menos se terão interesse em ouvir as músicas ou se vão se identificar com a mensagem que eu quis passar.”



O registro é bastante íntimo e mostra como essas mudanças, e conflitos internos, transparecem ao longo do disco. O isolamento e a solidão acabam reverberando forte nas faixas. Conte mais sobre suas inspirações para as faixas dentro da narrativa.

conversa de um só

Essa foi a última música que eu escrevi para esse disco e acredito que traga uma sonoridade mais próxima do que eu já comecei a produzir para o meu próximo trabalho, talvez uma ponte para o que ainda pode vir. Ela fala sobre o quanto a solidão muitas vezes me levava a ter pensamentos autodepreciativos, apontando minhas próprias falhas nos momentos em que ficava sozinho e acabava “pensando demais”.

velho hábito

Primeira música a ser completamente finalizada e uma das primeiras a ser escritas. Eu decidi colocar ela logo após conversa de um só, que foi a última que eu escrevi, justamente para dar uma ideia do que se encontra nas faixas seguintes do disco. O que vem daqui pra frente foi escrito entre essas duas músicas. Em relação a letra, é a minha visão sobre um relacionamento que passava por altos e baixos em questão de pouco tempo. Acredito que o contraste entre a letra dos versos e do refrão deixe isso mais evidente.

o dia só começa quando a gente acorda

Essa música surgiu de uma conversa com meus amigos sobre ter um horário de dormir/acordar diferente do considerado convencional. A forma como as pessoas, no geral, tendem a julgar quem prefere levar a vida depois do meio-dia também faz parte dessa narrativa e o nome é uma forma de mostrar que no fim das contas é a gente que sabe sobre a nossa própria vida.

superstição

É uma das faixas em que o instrumental surgiu depois de eu ter uma letra escrita. Essa letra é uma das mais antigas e foi escrita durante um período onde eu não me encontrava muito satisfeito com o estágio.

Foi escrita quando eu estava voltando para casa depois de um dia bem frustrante, sendo uma exceção em relação as letras que no geral foram escritas no meu quarto. Era um sentimento diário de estar andando de costas, os dias pareciam iguais, o tempo passava mas eu não sentia as coisas evoluindo.

ninguém te vê

Foi escrita no período que eu vivi o maior isolamento do período de gravações. É a forma com eu estava enxergando toda aquela situação e o termo ‘ninguém te vê’ serve para simbolizar toda essa questão.

ausente

Essa música surgiu logo depois de velho hábito. É a representação de toda a ansiedade e pessimismo que eu senti durante uma época. É uma sensação constante de que tudo vai dar errado, mas ao mesmo tempo queremos que o momento de dar errado chegue logo para se livrar desse peso.

esconde-esconde

Fala sobre o sentimento de que toda essa questão do isolamento pode ser auto-sabotagem da minha parte. É uma tentativa de enxergar a minha situação de fora. A questão do esconde-esconde é uma metáfora com a brincadeira, sobre se esconder para ser achado, senão isso duraria para sempre e perderia a graça.

até logo, disse o amanhã

Nessa música eu tento falar um pouco sobre a sensação de conformismo. Essa letra também foi escrita durante o período de superstição, e eu acho que essas duas músicas refletem bem esse período específico. Eu sentia que era necessário buscar alguma mudança, mas ao mesmo tempo eu tinha me conformado com aquela condição de frustração.

No final da música tem um trecho em que falo algumas coisas sobre o processo de gravação. Essa parte é mais uma brincadeira com o fato de, naquela época, eu estar fazendo música para ninguém ouvir, pois não tinha definido que o trabalho seria um álbum. Era uma relação de conformismos, tanto com o trabalho quanto com estar fazendo músicas para ninguém.

O projeto lista de ausência nasceu em seu quarto, como foi a imersão em todo o processo? Procurou aprender mais sobre técnicas de gravação? E os instrumentos, acabou utilizando de softwares ou gravou um a um? Como observa as possibilidades e limitações de gravar sozinho?

Gabriel (lista de ausência): “Eu sempre fui muito envolvido com música, desde o início do meu ensino médio lá em 2013, mas era muito mais no sentido de ‘fazer um som’ com amigos do que tentando levar um projeto de verdade adiante.

Apesar de nunca ter acreditado em algum projeto como eu tenho acreditado na lista de ausência, eu pude absorver algumas coisas básicas sobre os processos de gravação durante esses anos envolvido nesse meio, mas, apesar disso, eu não tinha a mínima ideia de como lidar com a parte de masterização e mixagem. Então no início do processo eu comecei tentando aplicar os conhecimentos básicos que eu tinha adquirido depois de ter gravado algumas coisas um tempo antes, no Brasil ainda, com alguns amigos de um outro projeto.

Não demorou muito e eu percebi que isso não serviria para eu obter um som profissional. Por isso eu comecei a estudar muito sobre as questões de mixagem e masterização, que são os pontos que eu considero como principais na hora de lapidar uma gravação caseira, pois, mesmo que eu tenha gravado tudo com bons equipamentos, a qualidade final é diferente da obtida em um estúdio propriamente dito. Eu acredito que os retoques finais que as faixas recebem podem colocá-las em outro patamar quando são gravadas nessas condições.

A Gravação dos Instrumentos

Falando um pouco sobre a gravação dos instrumentos, foram todos gravados um a um. Quase todas as músicas seguiram o mesmo processo de gravação, com algumas linhas de guitarra, linhas de voz, uma linha de baixo, sintetizadores e alguns samples de sons do ambiente que eu gravava no dia a dia e acabei adicionando nas músicas com efeitos para alterar a sonoridade.

A única coisa que varia nesse sentido de uma música para outra é a percussão, que em algumas faixas é programada com samples separados para cada parte da bateria e em outras são samples de uma linha inteira de bateria. Outro fator que eu explorei muito nos softwares foram os plug-ins que vêm integrados, isso me dava uma liberdade muito grande para testar coisas novas e modificar o que eu já tinha feito até então.

Gravar Tudo Sozinho

E é aí que entra o principal ponto positivo de gravar sozinho: a liberdade para fazer experimentações, até por conta de o meu processo criativo hoje em dia se basear muito em experimentação.

Por exemplo, o fato de eu estar gravando tudo sozinho me permite de gravar várias linhas de um instrumento com efeitos diferentes, colocar alguns sons de ambiente com efeitos pra criar uma sonoridade diferente, testar samples, regravar arranjos de teste e etc. e no fim simplesmente validar ou não a ideia por conta própria. É uma liberdade bem grande.

Liberdade x Limitações

Essa liberdade permite, inclusive, de regravar músicas por inteiro se em algum momento eu sentir que é necessário, como ocorreu com algumas faixas do álbum. Se eu tentasse gravar as faixas em algum estúdio, provavelmente eu teria que chegar com as ideias prontas pois dificilmente iria encontrar algum produtor com paciência para fazer todas as experimentações que eu gosto de fazer, além de ser financeiramente inviável o aluguel de um estúdio para realizar esse processo.

Quanto às limitações, eu acredito que o principal seja a falta de opiniões durante o processo de gravação e produção das faixas. Além disso, eu sinto que depois de passar muito tempo trabalhando em alguma música, certas falhas sutis, na parte da mixagem principalmente, acabam passando despercebidas. Pra tentar compensar essa falta de troca de ideias nesse processo eu costumo deixar a música parada durante uns dias pra, depois que tiver “esquecido” como ela estava soando na minha cabeça, decidir se preciso regravar alguma linha de instrumento ou fazer alguns retoques na mixagem.

Dentro do campo das referências você cita bandas psicodélicas que tem se destacado nos últimos 10 anos mas parece também se somar a melancolia do bedroom pop e de artistas como Elliott Smith, quais sons acredita que acabaram influenciando indiretamente?

Gabriel (lista de ausência): “Eu acredito que a forma como eu sou influenciado como letrista se difere bastante da forma como eu sou influenciado como instrumentista.

As letras que eu componho tendem a ser mais ligadas a forma como eu estou vendo a vida no período da composição, eu não saberia identificar influências exatas nesse sentido.

Por outro lado, eu acredito que a parte instrumental carrega muitas influências de diferentes períodos da minha vida. Eu tive diferentes momentos escutando diferentes tipos de bandas em cada um deles, e eu sinto que eu carrego um pouco de cada período da minha vida na hora de compor os arranjos e as melodias de voz das músicas.

Já tive fases que vão desde Nirvana até Tim Maia, passando pela psicodelia e Elliott Smith como você mencionou. Eu acredito que cada coisa influencie, mesmo que pouco. Mas também é inevitável que o peso mais forte na questão instrumental esteja nas coisas que eu estava ouvindo na época das gravações, que eram Boogarins, Terno Rei, Tagore, Unknown Mortal Orchestra e Tame Impala.

Então eu diria que essas podem ser tidas como as maiores influências para a parte instrumental.  Eu acredito que isso também poderia explicar o contraste entre as letras e o instrumental das faixas, visto que as influências nas letras ocorrem de um jeito diferente comparado com as influências nos instrumentais.

Eu até acho bem complicado fazer esse tipo de análise sobre mim mesmo, por se tratar de um processo meio natural de absorção de tudo que fez parte musicalmente em algum momento da minha vida, mas é um exercício importante até para tentar se entender como artista. Tentando olhar para tudo de uma forma neutra eu acredito que as coisas funcionem assim pra mim.”

This post was published on 19 de junho de 2020 6:05 pm

Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

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