O que faz um disco entrar nas listas de melhores do ano?

 O que faz um disco entrar nas listas de melhores do ano?

O que faz um disco entrar em uma lista de melhores do ano? Essa pergunta acaba indagando diversos artistas, bandas, selos, jornalistas, programadores culturais entre outros profissionais do ecossistema da música.

As dúvidas são recorrentes como por exemplo “que época do ano devo lançar meu disco?”, “para quem devo enviá-los para ser notado (a)”, “o que ele precisa ter?”, “com quem devo trabalhar?”, “no que devo investir?”.

As motivações são diversas, visto que as listas acabam a cada ano refletindo no alcance de um registro, plays no Spotify, aumento de shows na agenda, participações em festivais e até mesmo visibilidade nos principais editais de cultura do país.

Não é incomum a cada fim de ano choverem perguntas a respeito e as justificativas acabam sendo pertinentes mas muitas vezes imprecisas. É difícil responder algo um tanto quanto pessoal.

Lista das Listas

Em 2013 Pena Schmidt começou o trabalho da Lista das Listas (saiba mais)- que desde 2017 contribuímos em catalogar os resultados – e nossas conclusões de ano para ano são mutáveis. O comportamento humano tende a refletir e a coisa fica ainda mais confusa na era dos algoritmos.

O desafio das listas começa desde sua concepção. Elas geralmente se iniciam no fim de novembro e se estendem até o começo de março. Diversas e com critérios diferentes, alguns recapitulam os discos do ano inteiro, outros buscam mostrar a conexão emocional.


lista de melhores discos Rolling Stone APCA
Lista dos 25 Melhores discos do primeiro semestre da APCAMontagem Por: Rolling Stone Brasil

As Polêmicas

Fato é que geram discussões. Elas podem ser vistas de diversas formas, da “dica de amigo” a plataforma de marketing. Fato é que elas nunca agradam a todos.

Alguns pontos acabam ecoando e geram perguntas como: foram baseadas no que? quantos discos tiveram que ouvir para chegar naqueles 50/100 discos? quais foram os critérios?

A inquietude acaba por sua vez criando ora desconfiança ora gerando credibilidade.

Alguns procuram padrões, outros por sua vez comparam estas a outras listas lançadas anteriormente ou posteriormente mas o que faz um disco adentrar a este cobiçado “hall”?

Mas o que faz um disco entrar
nas listas de melhores do ano?

Acredito que essa pergunta possa ter inúmeras respostas e grande parte dela pode ser respondida com uma palavra: Repertório.

Ao longo da vida construímos um repertório baseado em vivências, recomendações, debates, pesquisas e até mesmo curiosidade. Ano passado pela primeira vez em 5 anos decidi postar algumas listas de melhores do ano por aqui.

Em uma tentativa de recapitular o que mais me agradou. Foi um exercício nostálgico e bastante pessoal. Afinal de contas, 12 meses, muitas audições e memórias afetivas.

Claro que não dá para cravar que 100% da lista é movida somente pelo feeling mas também pela técnica, pela surpresa, por querer indicar um bom disco. No fim acaba sendo um exercício de equilíbrio mas também de construção.

Se fosse dar uma dica para chegar nela eu diria: pense em tudo. Do estúdio, passando pela distribuição, tática de lançamento, subprodutos, acabamento, performance, cenário e estratégia. Nada se constrói da noite pro dia. Suba um degrau de cada vez. As vezes o que você começa a construir hoje vai se refletir bem mais para frente.

A Engenharia

Pensando na mecânica de como é lançado um disco visando – ou não – as listas conseguimos ver como mesmo após o lançamento ele vai sendo distribuído para a imprensa especializada, influenciadores, e público em geral em pequenas pílulas.

Ao estudar as listas e cruzar com as datas de lançamentos de singles, videoclipes, shows, circulação ao disco vemos como a tônica de continuar gerando material – e conteúdo – ao longo do ano acaba fazendo com que o disco não seja esquecido. Por mais que este tenha sido lançado em janeiro ou nas últimas semanas de novembro.

Este processo de construção deveria ter mais atenção do que o resultado final das listas ao meu ver. Um dos casos mais curiosos de como listas podem ludibriar e esquecer de grandes álbum aconteceu com o London Calling do The Clash.

O disco foi lançado no dia 14 de dezembro de 1979, na teoria uma péssima data se formos considerar as tradicionais listas de fim de ano….mas resultou que o álbum mesmo sendo lançado aos 45 do segundo tempo de 1979 entrou ironicamente para a lista de melhores álbuns da década de 80.

Listas São Mutáveis, Nós Também

O caso do The Clash fez com que eu entrasse em uma profunda discussão interna em relação a listas de discos que rascunhei ao longo da vida. Lembra daquela lista dos melhores da década de 2000 que soltaram no fim de 2009? Envelheceu bem?

Provavelmente depois de conversar com alguns amigos e descobrir discos décadas depois você repensou o fato de um disco que nem era “tudo isso” estar no bolo e outra pérola ter sido por sua vez esquecida.

Mas e os modismos? E o Hype? E os algoritmos? Tudo isso influencia em nossos tempos? A resposta pode ser sim ou não, tudo vai depender de quem irá responder. Mas porque muitos acabam coincidindo nas suas escolhas?

Essa é uma ótima pergunta e a resposta provavelmente vai ser baseada no quanto aberto aquele “feitor” de listas está para o novo e o desconhecido. O criador de listas é um fenômeno um tanto curioso de ser analisado. Ele tem seus métodos, vícios, parâmetros e peculiaridades.

Na supracitada Lista das Listas podemos ver como estes que mais são apontados como melhores geralmente não tem um grande impacto comercial mas que recaem no gosto. Elas são curiosas, megalomaníacas e a cada dia mais plurais. Inerentes ao ser humano e suas fragilidades. Talvez essa seja justamente sua graça.

Para você o que faz um disco
entrar na lista de melhores do ano?

Conversamos com um time de especialistas do mercado da música para definir um pouco mais sobre o que para eles faz um disco entrar na lista de melhores do ano. As respostas geram tantas discussões quanto este texto. Confira!

André Felipe de Medeiros
(Música Pavê / Pós-Jovem / Mono)

André é o grande responsável pelo Música Pavê e participa dos podcasts Pós-Jovem e Mono, do Monkeybuzz. E de vez em quanto também colabora com o blog do portal.

Não é só qualidade, não é só popularidade. Os melhores discos do ano são aqueles que sintetizam, de uma forma ou de outra, o que aconteceu naqueles doze meses. São os trabalhos que tocaram nos assuntos relevantes, ou os que foram bem sucedidos em suas intenções de aliviar as dores.

Essas obras colocam um espelho diante de um público que se enxerga nelas, e oferece um registro documental para quem está em outras realidades. Elas executam os estilos em voga com maestria, mirando em originalidade sem perder o fio condutor do legado de quem veio antes.

O exercício de apontar esses álbuns como “melhores” é menos comparativo com seus outros contemporâneos em um paralelo direto de qualidade, e mais um exercício de tentar prever como, daqui muitos anos, nos lembraremos do ano que passou.”

Beatriz Brito
(Tenho Mais Discos Que Amigos)

“Eu acredito que um disco precisa abraçar uma série de fatores para merecer um lugar na listagem de melhores lançamentos. Um deles é a coesão, em que você percebe uma preocupação da obra seguir um caminho para se tornar uma unidade sonora, uma experiência que envolve o ouvinte e deixa a sensação de que é preciso dar o play mais uma vez.

A ousadia do artista também se torna fundamental na avaliação — sair da zona de conforto, ou apenas buscar introduzir novos elementos na produção, é algo que considero interessante.

Produção é uma coisa que me chama atenção — acho que todos conseguimos perceber, ouvindo atentamente, quando há desleixo no material produzido. Em geral, com os nomes envolvidos nela, sejam produtores consagrados, hitmakers e queridinhos da indústria, facilmente se cria o hype em torno daquele lançamento. Mas não é regra, já que bons discos produzidos de forma independente transbordam carisma e chegam às listas de final de ano.

A Mensagem

Em tempos atuais, a influência online também acaba se tornando um fator determinante, mas não costuma ser levado em consideração por muitos veículos musicais. Para grandes artistas, é uma instância que diz mais respeito às premiações e a repercussão nas redes sociais. A estética e identidade visual também agregam, pois ajudam a construir a narrativa de um disco e amarrar todo o conceito pensado para aquele lançamento. E um último fator, que não se sustenta sozinho se não tiver vários outros: a mensagem.

Jornalistas estão atentos ao contexto político-social do momento em que determinado disco sai; e o que ele quer dizer? Por que isso é importante? Que tipo de denúncia é essa e com quem o artista quer falar?.

Um forte candidato à lista de melhores do ano quase sempre atenderá a, pelo menos, mais da metade dos quesitos citados. São variáveis que vão se alterando e se moldando conforme a indústria se modifica, mas são fundamentais atualmente para garantir uma boa posição nas — nem sempre — exigentes listas de fim de ano.”

Marcelo Costa (Scream & Yell)

“Inevitavelmente, para mim, os discos que entram na minha lista de melhores do ano são os que eu realmente acho os melhores do ano. Isso, claro, é uma avaliação completamente pessoal e conectada, muitas vezes, com meu gosto pessoal, que é abrangente, mas não domina tudo.

Então há áreas na música que não ouso opinar, e muitas vezes passam distante de mim. Pra mim, eu só posso falar sobre o que é bom em áreas que domino. Ainda assim rolam uns crossovers, discos que surgem do nada e encantam por sua leitura do agora, esse tempo / espaço maluco que estamos vivendo. Meio confuso, né?

E se eu disser que os discos do ano para mim são os discos que me encantam (musicalmente, politicamente e socialmente)? Acho que pode ser isso… (risos)”

Daniel Pandeló (Build Up Media)

Já o jornalista Daniel Pandeló lembra sobre a importância da conexão emocional.

“Olha, arte é algo muito complexo de mensurar em melhor e pior pois a reação a uma peça é puramente pessoal. Tem discos desse ano que geral amou que só… não bateu.

Eu pelo menos voto não necessariamente no que é melhor musicalmente, mas no que mais significou pra mim. Um dos discos que mais ouvi esse ano foi o On the Line, da Jenny Lewis. É um disco maravilhoso, mas musicalmente simples. Mas foi um disco que mais tocava aqui em casa bem no começo da gravidez da nossa primeira filha. Toda vez que ouço, lembro da sensação de estar em casa com minha família e isso foi muito importante pra eu colocar como um dos meus discos favoritos do ano.

Uma coisa que sempre tentamos avisar para as pessoas que trabalhamos com ou para artistas que encontramos que as listas da grande maioria dos veículos apesar dessa conotação de “competição” por quem é melhor é para ser vista mais como um guia de consumo do que uma corrida com um pódio.

Dependendo do veículo podem ser 10, 20 pessoas com gostos completamente diferentes votando. Por isso um disco que pode ser mais abrangente e dialogar com mais pessoas pode ter mais destaque numa posição alta. A lista, ao contrário da relação de cada um com a música, é totalmente impessoal e não deve ser encarada como um modo de diminuir o trabalho de alguém.”

Elson Barbosa (Sinewave)

“Eu sempre tive um dilema ao montar as minhas listas de final de ano. Porque essa pergunta abre dois raciocínios diferentes: “melhores discos” são aqueles que mais repercutiram, mais foram ouvidos, mais ganharam destaques pela imprensa ou pelo público, e mais merecem ser lembrados numa retrospectiva futura do que as pessoas estavam ouvindo naquele ano… ou são os seus favoritos, mesmo que ninguém tenha ouvido e tenha ganhado zero repercussão?

Eu sempre tendi pro segundo. Daí que os meus discos favoritos nunca entram nas listas dos grandes sites, e nessas listas a média de discos que eu conheço e gosto é uns três ou quatro. Pra mim, o que um disco precisa pra entrar nas minhas listas é basicamente fugir do padrão. Ser um trabalho que “sangre” mais do que a média, que me faça voltar a ele mais e mais vezes – e nesse tsunami de discos que saem toda semana, tirar um tempo pra reouvir discos é um mérito e tanto.”

Alexandre Giglio (Minuto Indie)

Para Alexandre Giglio do Minuto Indie a originalidade e a identidade são fatores a se considerar na hora fechar a lista.

“Primeiro de tudo tem que ser um disco que você consiga escutar ele inteiro, um disco bem produzido, que tenha uma história, conceito e identidade muito bem feitos. Que de alguma forma faça algo diferente do que já está sendo feito.”

Felipe Feper (Multimodobr)

“Creio que depende de alguns critérios que vão além do conceito e da qualidade sonora e lírica. Claro que esses pontos são importantes para considerar um disco para a lista de melhores do ano, mas pessoalmente tento pesar outros fatores como a repercussão que este disco teve durante o ano, a sua relevância e a contribuição para a música. No corte final das listas sempre penso “Esta obra será lembrada daqui alguns anos?”.”

Nathália Pandeló (Build Up Media)

“A cada ano, ouvir música se torna um exercício diferente, mas sempre voltado para sair do lugar comum. Como ouvinte assídua, sou constantemente tentada a cair no colinho confortável de bandas e artistas que já admiro e acompanho há anos.

Como jornalista, eu sou pautada pelo que chega até mim – seja como sugestão de matéria ou entrevista, seja na forma da vitrine do Spotify a cada sexta. A grande sacada é navegar esse mundo de conteúdo e priorizar o que faz mais sentido dar play. Para não perder de vista aquilo que mais mexeu comigo ao longo de um ano inteiro de músicas, eu crio uma playlist, desde 2018, com as minhas favoritas do ano. A de 2019 já tem 292 faixas, 18h de duração – e contando, porque o ano só acaba quando termina.

A lista de melhores discos

A minha listinha de melhores discos sai desse processo de garimpo que dura um ano inteiro. Parece mais complexo do que é: o único critério é analisar o quanto aquele trabalho mexeu comigo. Não tem nada a ver com estrelas ou notas, e sim com um processo pessoal. A minha bagagem pregressa, o meu gosto pessoal, as pautas sociais que me representam, tudo isso entra na conta.

O que não significa que todos aqueles discos que ficaram de fora não merecem aparecer numa seleção de “melhores do ano”. Na verdade, alguns deles entrarão – pois as listas seguem os seus próprios critérios. Sai o viés pessoal, entra o coletivo, para refletir o que seria um amálgama de 10, 20, 50 jornalistas votando ao mesmo tempo!

Talvez por isso, muitas das listas tenham tanto em comum. Pra quem olha de fora, pode parecer uma visão pasteurizada do cenário atual, mas a verdade é que, entre regras, rankings, pontos e opiniões distintas, é quase um feito chegar a um consenso sobre o que o ano teve de mais importante e marcante.

Os Melhores Discos Do Ano segundo veículo X” nada mais é do que um grande mosaico, uma retrospectiva do que aquele período teve a oferecer. Pra quem faz música, é fundamental compreender que a presença ou ausência nesses compilados não é um juízo de valor sobre seu talento, seu trabalho ou sua pessoa.

Pra quem é jornalista, é importante saber de seu papel de formador de opinião – mas sem se levar muito a sério. Nessas horas, quem ganha mesmo é o fã de música, que vai ter guias completos para garimpar um monte de preciosidades que pode ter deixado passar pela peneira. E logo, logo começa um novo ano de músicas incríveis para a gente se apaixonar – ainda bem.”

Cainan Willy (Cavaca Records / Minuto Indie)

“Eleger como melhor do ano o disco que mais escutei nesse período não é completamente justo, no entanto não tem como fechar os olhos pra esse que é um dos principais indicadores, né?

Tem que conquistar a atenção, e isso é difícil explicar com palavras. Além disso costumo me atentar também a outros fatores, como o quanto esse disco se encaixa na cultura brasileira (no caso de melhores discos nacionais), se cumpre bem a proposta a qual ele se propôs, singularidade que representa dentro e fora do circuito, profissionalismo e, claro, se tem boas narrativas, gosto de boas histórias e enredos bem construídos.

Por fim, faço um questionamento: Será que ainda vou escutar esse disco daqui 10, 20, 30 anos? Quanto mais próxima a resposta do sim, mais chances de ser definitivamente o melhor do ano.”

Victor Meira (Bratislava)

Já o Victor Meira, da Bratislava, ao mesmo tempo que montávamos a matéria trouxe um contraponto bastante pertinente. Ele que vem aos poucos desenvolvendo um material rico para auxiliar artistas a entender os dilemas no dia a dia dos artistas. Trazendo experiências da composição a como lidar com o mercado.

Se inscreva aqui para acompanhar os próximos vídeos.


Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

error: O conteúdo está protegido!!