Na garupa da Bike, CAP equilibra emoções em vídeo para “Roda Gigante”
Uma das coisas mais legais de escrever em um site independente é justamente abraçar bandas nas mais diferentes etapas. Momentos estes que permitem experimentar, ousar ou seguir por um caminho mais seguro. A CAP praticamente nasceu ontem, tendo pouco mais de um ano de trajetória, os sorocabanos ainda estão se livrando das rodinhas da bicicleta.
Brinco com as rodinhas da Bike justamente pois seu nome vem do hábito de sentir o frio na barriga de descer as ladeiras e desníveis de uma montanha. E ter uma banda independente, ou melhor dizendo, viver, não seria meio que isso?
Por isso abaixo do “CAP”, e com as mãos no guidon eles lentamente trocam as marchas e vão testando os novos percursos. Entre a instabilidade da correia e a insegurança de ter um selim ainda se encaixando. Segurança essa que vai vir com o tempo mas nada como sentir aquele frio na barriga inicial.
As Gravações
Sua construção está sendo feita de forma orgânica e testando os limites. Até por isso eles até o fim do ano tem planos de lançar uma sequência de singles com lados A e B. Sendo um deles mais pop, e outro, testando frequências, experimentações e texturas.
Após uma série de gravações caseiras e entrada de integrantes, eles decidiram realizar gravações sob a supervisão de profissionais da música, sob a tutela de Mario, do WRY, e João Antunes, na Deaf Haus.
“Nós viemos de gravações feitas em nossos próprios quartos, onde costumávamos passar madrugadas testando e brisando em diversas opções de tudo. O que foi bem diferente na produção desses singles lado A, pois o pessoal do estúdio foi bem mais assertivo e perdemos menos tempo procurando coisas.
Eu (Bruno) particularmente gosto da sensação de passar uma madrugada toda sentado no tapete gravando e testando timbres, mas chegamos em um patamar diferente fazendo na Deaf Haus.”, conta Bruno
De Cap na Ladeira
O reflexo dessas subidas e descidas de ladeira está justamente na temáticas que os singles até aqui lançados abordam. Como momentos de agonia e a falta de satisfação como peças que compõem a vida.
Um dos melhores exemplos foi o single “Oquedeu” que ganhou um videoclipe, e foi parar na telinha da Play TV. A canção de certa forma fala sobre como um momento de infelicidade no trabalho pode consumir toda nossa energia vital.
As Premiere
Lado A
Hoje a CAP atravessa mais uma percurso dentro da montanha de emoções na qual percorre. Com um som plural que vai agradar fãs de Alvvays, Real Estate, Snail Mail, Beach Fossils, Mac Demarco, Pavement e até mesmo do revival do emo noventista.
Embora ainda em meio ao desníveis das emoções, a música já mostra um tom mais otimista em valorizar as pequenas batalhas do dia-a-dia. O equilibrar da peteca, mantendo sempre o equilíbrio – e evitando quedas bruscas na garupa de sua parceira de duas rodas.
A força de vontade para superar problemas acaba antagonizando com a alegria dos integrantes que parecem se divertir ao longo dos takes espontâneos e alegres do videoclipe. Entre efeitos, sobreposições, telas múltiplas e uma estética que me lembra muito o começo da carreira de bandas como Yuck (Lembram Deles??).
O conceito do vídeo foi elaborado em conjunto pela CAP, já a fotografia, montagem, cor e finalização são assinados por Fernanda Fontolan.
Lado B
Já “Labareda“, o lado B, flerta com synth pop (e o glo-fi) à lá The XX, trazendo acordes lo-fi, melodias açucaradas e um tom de reflexão ainda mais forte.
Passa feito um sopro e se desfaz de amarras para voar. Provoca e encoraja o ouvinte a parar de arranjar desculpas que atrasam as mudanças de curso da vida. Com pouco menos de 2 minutos, ela dá a sensação de faltar um pedaço. E talvez a resposta esteja dentro de você mesmo.
Entrevista
Conversamos com a CAP que de maneira equilibrada dividiu as perguntas entre seus integrantes para contar mais sobre o momento atual do grupo paulista.
A CAP é um projeto razoavelmente novo mas vocês já tem uma caminhada dentro do cenário paulista. Conte mais sobre os primeiros dias, proposta e estética musical e temáticas que os singles até agora trazem?
Tati e Bruno: Nosso primeiro single “Flaked Days” saiu faz 1 ano, logo depois da banda começar a ensaiar junta em Sorocaba. Mas a história começa um pouco antes disso.
Bruno Fontes, ainda em 2017, tocava com outra banda independente do interior paulista chamada Justine Never Knew The Rules (Shoegaze / Noise pop), porém almejava colocar pra fora algumas canções que tinha escrito e que não cabiam no som da Justine. Algo mais baseado nas palavras e menos nos efeitos.
Mas, como todos sabem, 80% das bandas iniciadas em garagens nem sequer saem para a rua. Por isso, Bruno resolveu que, antes de reunir pessoas para tocar as canções, gravaria um single e faria um clipe, ainda sozinho. Assim, quando chamasse outros membros, a banda já existiria fora do campo das ideias e teria mais chance de realmente acontecer.
No início de 2018 a música já havia sido gravada, com clipe e arte de capa e Bruno
começou a buscar pessoas queridas para compartilhar as canções em cima dos palcos.
Foi aí que recebeu uma oferta da Produtora (que na época ainda não era um selo) Lobotomia para fazer uma session. Este foi o início das faíscas da banda CAP. Bruno convidou Marcel Marques (guitarra), que também fazia parte de sua outra banda, para participar da session e ocupar um lugar no novo projeto.
A Session: CAP “Flaked Days” @ Lobotomia
Logo após Marcel, entraram na banda Tati Souza (teclas) e Fernanda Fontolan (bateria) e, por último e bem próximo da data do primeiro ensaio com banda completa, Pedro Oliveira (baixo).
A CAP fez um primeiro ensaio basicamente só tocando “Flaked Days” repetidamente. A
música funcionou como uma cola de glitter para a banda, que logo na primeira vez juntos, se sintonizaram por completo.
Nova Session
A partir daí a banda começou a realizar tudo de maneira unida. Todas as músicas depois de Flaked, apesar de compostas por Bruno, têm a mão de cada um dos membros. Inclusive, tem outra session lobotomia, essa com a banda toda:
Os singles lançados em 2018 retratam um momento de agonia e falta de satisfação com peças que compõem a vida.
A mais evidente delas é a relação contemporânea com o “trabalho”, onde somos sugados até o fim da energia vital e ainda nos fazem crer que a culpa da falta de produtividade é nossa.
As canções também retratam crescimento pessoal, tombos e recaídas no dia a dia, o
descobrimento de saídas para os sentimentos pesados e a volta por cima – uma tristeza
cantada com gosto de passado.”
Vocês têm optado a lançar 7′, tática similar a bandas americanas quando estão procurando um selo independente para dar o aporte inicial na parceria.
Como observam o consumo da música nas plataformas digitais e como veem isso do ponto de vista estratégico?
Bruno: “As plataformas digitais estão, cada vez mais, uma loucura, né?!
Optamos por lançar os primeiros singles neste formato pensando muito mais na banda que no consumo em plataformas, pra dizer a verdade.
Sabemos da importância de pensar estrategicamente para fazer os lançamentos nos dias
de hoje. O jeito de consumir música (e acredito que também vídeo e outros formatos) mudou demais em relação ao que a indústria era acostumada.
Todos os membros da banda são nascidos nos anos 90, ou seja, passaram a adolescência curtindo os anos 00’s, onde comprar CD (e até o finalzinho das K7) era super massa.
Os 90’s
Juntava R$15,00 pra comprar um álbum e ouvia de cabo a rabo, até não aguentar mais.
Hoje, sinto que o consumo dos Singles está em alta – muito provavelmente por causa das playlists. Lançar álbuns ou Eps com muitas músicas não parece estrategicamente inteligente, assim como lançar músicas sem clipe (pois tem usuário que só consome no Youtube).
Enfim, é muita brisa e isso parece mudar rapidamente, a cada ano. Por tudo isso, a CAP resolveu não se moldar apenas por esses pensamentos estratégicos.
Nós precisamos nos sentir bem com tudo que será lançado e tudo tem que fazer sentido.
Foi então que nos veio a ideia de lançar no formato 7′. Queremos aproveitar este início para experimentar.
Temos músicas que consideramos mais populares, fáceis de serem ouvidas por qualquer tipo de público. Por outro lado, temos canções, digamos, estranhinhas (rs).
As Tentativas da CAP
Ainda não temos um direcionamento fechado (e creio que nunca teremos) do som que a CAP faz. Somos seres vivos e mutáveis, estamos compondo e adorando trabalhar em cima de todas as músicas que tocam nossos corações.
Com isso, escolhemos lançar singles com duas músicas (uma Lado A e outra Lado B). Isso não parece fazer tanto sentido digitalmente, afinal só a K7 e o vinil tem lados, mas a gente não liga.
É a maneira em que a gente está confortável para fazer isso por enquanto, tentando 2 músicas por vez e sacando se a banda fica feliz com isso e se o público retorna alguma apreciação diferenciada para alguma delas. Como já comentei, nascemos nos anos 90. A vontade de lançar álbum cheio, inclusive fisicamente com CD, vinil e K7, não vai embora de nossos corações.
Então, quem estiver lendo isso aqui, pode esperar que, com muita certeza, uma hora vai rolar! (risos). Por enquanto, além deste lançamento, temos mais um para finalizar 2019, com este mesmo formato. E no fim, até que bateu com as estratégias de lançar singles, não é mesmo? Juro que foi sem querer (querendo).”
Até então vocês tem lançado um single com potencial intercalado com um lado B mais experimental, como tem sido “virar essa chavinha”?
E quais bandas do país sentem que dialogam com a proposta da CAP?
Marcel: “Trabalhar com lado A e B tem sido bem interessante.
No lado B, procuramos experimentar bastante, ficamos mais livres para poder brincar com timbres e estruturas diferentes, gravando tudo no quarto, sem ter aquela correria de horário de estúdio.
Para os próximos lançamentos, temos ideia de gravar um possível cover em uma versão de releitura. Também queremos gravar algo no gravador tascam k7 de 4 canais, que é bem legal. Além de ter a textura da k7, o fato de só contar com 4 canais e sem todo processamento digital faz com que tenhamos que ser mais simples e objetivos, desenvolvendo assim um outro lado da CAP.
Não podemos errar no meio do take ou copiar e colar partes, usamos pedais de guitarra na voz, aquelas baterias de teclado ou fazer um baixo no synth, é bem divertido.
Tem muita banda lançando singles e pra uma banda nova como nós é bem interessante, mas tem que ter um planejamento de datas e ideias.
No momento, não sei se alguma outra banda daqui da nossa região anda fazendo isso de lançar lado A e um lado B mais experimental. É bem massa, esperamos que outros façam isso.”
Sorocaba tem tradição em revelar bandas de rock alternativo da mais alta qualidade, inclusive o WRY, aliás como foi contar com a produção do Mario?
Sentiram que evoluíram? Como foi o processo?
Pedro e Bruno: “Sorocaba é mesmo um forninho. Já tivemos e ainda temos muita banda interessante. Somos a Seatle brasileira (rs). Brincadeiras a parte, no momento, quero destacar uma banda para os leitores ficarem de olho: o Ventilas.
Eles são amigos queridos, fazem parte do mesmo selo que nós, o Lobotomia Records, e estão arrasando nas composições. Vale a pena ouvir e brisar.
Sobre as gravações e produção dos singles, foi uma experiência muito massa. A pré produção certamente acrescentou muito nas canções e a qualidade e experiência do Mario e João Antunes são incontestáveis.
Nós viemos de gravações feitas em nossos próprios quartos, onde costumávamos passar madrugadas testando e brisando em diversas opções de tudo. O que foi bem diferente na produção desses singles lado A, pois o pessoal do estúdio foi bem mais assertivo e perdemos menos tempo procurando coisas.
Eu (Bruno) particularmente gosto da sensação de passar uma madrugada toda sentado no tapete gravando e testando timbres, mas chegamos em um patamar diferente fazendo na Deaf Haus.”
Já o videoclipe, qual ideia, conceito e narrativa queriam transmitir para o espectador?
Fernanda: “O conceito do clipe surgiu na montagem, envolvendo brincadeiras com efeitos e movimentos de imagem.
Como não queríamos que os integrantes da banda estivessem no vídeo somente por estar, a ideia de transformar a linguagem do clipe num jogo de truques imagéticos ressignificou nossa presença e trouxe um ritmo inesperado, deixando ainda mais interessante o clima da música “Roda Gigante”. Sentimos essa vontade de experimentar e esperamos que o espectador se sinta de certa forma conectado e envolto em boas sensações.”