Black Alien “junta os cacos” e lança um dos melhores álbuns de rap do ano
Estou há exatas 2 semanas sem conseguir parar de ouvir diariamente o novo álbum do Black Alien. O rapper fluminense conhecido nacionalmente como parte da engrenagem do Planet Hemp apresentou ao mundo seu terceiro registro, Abaixo de Zero: Hello Hell.
Mr. Niterói juntou forças com Papatinho (Cone Crew Diretoria) e mostrou como sua luta contra o vício em drogas e álcool deu asas para um álbum potente, cheio de swing e rimas certeiras.
Um álbum inteligente justamente por ser contemporâneo, crítico, com rimas que ficam na cabeça e aliando seu estilo em misturar inglês e português como recurso. Ele faz tributo a sua trajetória de vida, a sua carreira musical, reverencia seus mestres, discorre sobre bloqueios, e dificuldades, mas também sabe falar sobre amor.
Black Alien – Abaixo de Zero: Hello Hell (12/04/2019)
Seu estilo também é muito versátil e consegue flutuar de maneira muito natural entre o rap old school, as love songs e as feitas para dar fervo na pista. Choque de realidade que ganha diferentes narrativas e batidas ao longo de suas nove canções.
Beats que por sua vez merecem todos os elogios por flutuar entre o trip hop, o hip hop, o soul, o dub, o jazz e o R&B. Gustavo por muitas vezes faz duras críticas a si mesmo, ao governo e a quem “fala muito” mas faz pouco. Referências a artistas de rock, soul, reggae e a filmes fazem parte de suas rimas ácidas e ásperas de quem saiu do inferno.
“Área 51” já abre o álbum com críticas ácidas a sua dependência com as drogas. Expurga logo os demônios para abrir caminhos. Narra sobre sair do fundo do poço e as desculpas que dependentes dão para não largar o vício. Nem por isso “virou santo”, como ele mesmo diz, mas parece agora trilhar caminhos mais sóbrios.
A frase que vai ecoar na sua cabeça é justamente “Problema com pó quem tem é o dono do bar”, enquanto o dub à la Ziggy Marley rola solto e as referências aos Paralamas do Sucesso (Vital), e paixão pela ficção científica (Área 51), e literatura (Inferno de Dante), aparecem como recurso para explanar a situação.
Com um beat que coloca qualquer um para dançar, “Carta Para Amy” alia em seu instrumental o old school, do soul, e o revival do trip hop noventista. A sensibilidade para falar sobre ansiedade, descontrole e procura por ajuda ganha rimas finas que misturam a liquidez de Bauman, para falar sobre noites regadas a álcool e drogas, e cutucadas afiadas a quem limita sua criatividade a falar sobre a “plantinha”.
Referências vão de William Faulkner (“O Som e a Fúria”), Top Gun (“Danger Zone”), Juventude Sônica (Sonic Youth), Talking Heads, Black Flag, “Kurt é Rei” (Nirvana), Nina Simone, Bob Marley (“Running Away”). As metáforas para falar sobre novas linhas e planos de vida, longe das “carreiras”, também fazem parte da canção que narra sobre a insanidade de nossa rotina laboral…onde manter a sanidade é um desafio constante.
Não é só de porradas que se faz um ser humano e “Vai Baby” mostra outro lado de Black Alien. O amor, o ciúme, a intensidade e a vida a dois ganham rimas feitas para cantar junto. A balada claro ganhou um videoclipe recentemente.
Uma das mais confessionais é justamente “Que Nem o Meu Cachorro” que discorre justamente sobre as críticas, os desaforos e sua força de vontade em se reinventar tanto como ser humano, como artisticamente.
Força essa que fez com que ele superasse todos os seus problemas. A saída do inferno através da fé e da fibra e seus altos e baixos para valorizar o hoje, são retratados na faixa de maneira certeira.
Ele mesmo faz a autocrítica de não conseguir rimar justamente por estar “entorpecido” demais para isso, e desta forma revela um passado obscuro e longe de qualquer sobriedade, tanto física como mental e espiritual…para seguir seus sonhos.
O tapa na cara com luva de pelica arde em “Take Ten”. Com referências a Coltrane, Matrix, Jimi Hendrix, O Médico e o Monstro, o processo de autoflagelação ganha um novo capítulo dentro do disco.
Fala sobre a falta de rotina, foco, destruição e mudanças de comportamento para conseguir viver a vida de maneira mais digna. Tem cutucada para o governo “fake news”, falsos influencers e modinhas passageiras. Tudo isso com muito fogo na bala e ácidez cirúrgica.
Seu lado galanteador volta a transparecer em “Au Revoir” e descreve mais sobre sua intensidade nesses momentos com sua “Little Ramona”. Com direito a metáforas para falar sobre as paranóias, e problemas, da relação de um casal que enfrentou junto a batalha contra as drogas.
A sobriedade ganha um capítulo à parte em “Aniversário de Sobriedade”. Fala sem pudor sobre seus conflitos, bloqueios criativos e desprestígio. Puxa essa guerra para si mesmo, assume a culpa, narra sobre as experiências em clínica de rehab e abre seu coração de forma tão sincera que tenho certeza que irá inspirar muitos que vivem neste eterno fogo cruzado. Uma linha tênue entre permanecer um “zumbi” e ter forças para enfrentar os dilemas e dramas do cotidiano de um MC.
Tanto é que Zaratustra, Nietzsche, as “biqueiras” da Augusta, os vícios em sexo, caos, noitadas, e pensamentos e tendências suicidas, servem de cenário para ilustrar essa rota de colisão.
“Jamais Serão” é intensa como um raio, fala sobre o ápice de uma carreira, e seu espírito rebelde. Questionando “faladores”, trazendo toques da vanguarda, “dixavando” sua paixão blues, rock, soul, reggae, funk, punk, jazz, hardcore… e mostrando como sua admiração pelo ontem, e olho no futuro, caminham lado a lado.
Pega para si mesmo a missão de sair da zona de conforto para se reinventar e deixa o seu recado para a geração do rap atual. Mostrando mais vez o poder de seu legado dentro do rap nacional e sua atemporalidade.
Black Alien opta por fechar com “Capítulo Zero” onde volta para 1972 onde sua vida começou para mostrar como nossa trajetória somos nós que construímos e que nunca devemos esquecer de onde viemos. Se despedindo do álbum e deixando o vício, e as distrações, para trás.
6 Comments
O trampo do Black Alien está incrível. Eu não gostei muito do segundo dele, mas nesse ele voltou com tudo.
Gostei bastante da análise do álbum, parabéns.
Ele chegou com tudo mesmo. Sincero, com beats de qualidade e caneta afiada. Grato!
[…] playlist conta com sons dos artistas: RZO, Racionais MC’s, Bivolt, Cesrv, Rashid, Black Alien, Kunumí MC, Jhony MC, Planet Hemp, Marcello Gugu, Pirâmide Perdida, Quebrada Queer, Wil […]
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[…] festivais brasileiros em 2022 e com muitos méritos. Mr. Niterói continua colhendo os frutos de Abaixo de Zero: Hello Hell (2019) que não pode colher os frutos na época por conta da pandemia. Por aqui, inclusive, entrou […]
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