Em playlist, Pena Schmidt seleciona sons que se parecem com São Paulo

 Em playlist, Pena Schmidt seleciona sons que se parecem com São Paulo

Falar sobre a música feita em São Paulo não é algo simples. Afinal de contas existem diversas São Paulos dentro da mesma cidade. Cosmopolita por essência, ela também é o lugar onde músicos, de diversas regiões do mundo, se reúnem para procurar por espaços e oportunidades de divulgação para seu trabalho artístico.

Tanto que é necessário prestar a atenção em alguns detalhes para analisar. São Paulo carrega dentro de si os artistas independentes nascidos na capital, os músicos que vivem na grande São Paulo e se deslocam para a cidade, a cena do interior e todos os outros músicos que saem de suas cidades, no resto do país, para desbravar este gigante mercado.

São diversos ritmos, discursos, causas, ideologias, origens, misturas, sotaques, talentos e características. Talvez o que una todos eles seja a necessidade iminente em se expressar e de querer fazer a diferença na vida dos outros.

A competição também é acirrada, basta ver a quantidade de eventos, festivais e shows imperdíveis que agitam a cidade todos os dias. Demanda essa que muitas vezes nos passa a sensação de estarmos deixando de conferir algo importante. E talvez seja por isso que nossa sede de cultura nunca se esgote.

São Paulo: 4 Estações no Mesmo Dia

Escolher o que de melhor rolou na música paulista em 2018 não é uma tarefa das mais fáceis e costumo falar que cada lista serve apenas como um recorte baseado em um repertório muitas vezes pessoal ou criterioso. Os critérios, por sua vez, muitas vezes são específicos.

Pena Schmidt, curador que atualmente mede esforços na #ListaDasListas, decidiu fazer um recorte da música produzida na cidade de São Paulo ao longo de 2018.

Carinhosamente ele apelidou sua playlist no Spotify de “São Paulo: 4 Estações no Mesmo Dia“. Já que por aqui uma hora chove, na seguinte o sol se abre e de repente sentimos aquela “friaca”. “Normal” diria qualquer cidadão paulistano.

Como podemos notar sua playlist reflete muito deste período pulsante da nova música brasileira. Uma geração ativa que não tem medo de se posicionar ideologicamente. Procura muitas vezes através da empatia tentar quebrar velhos hábitos do velho mundo. São vários ritmos e parcerias, seja na hora de compor, como na hora de gravar.

Sobre seus critérios Pena comenta: “Para saber a onda que percorre esta cidade-planeta ouça a música que se faz aqui, agora. Fui buscar estas faixas a partir de indicações em 160 listas de Melhores Discos Brasileiro de 2018, presentes na #ListaDasListas. Selecionei apenas trabalhos vindos de São Paulo e que se parecem com a cidade”



Sua seleção, que conta com 29 canções, já se inicia com o sotaque do interior, e sua moda de viola, com o poderoso trio formado por Ceumar, Lui Coimbra e Paulo Freire. Eles que lançaram em conjunto o álbum Viola Perfumosa que se constrói a base de prosas. Por aqui vocês ouvirão “Moda da Pinga”.

Um dos grandes destaques do ano foi justamente o álbum Taurina, de Anelis Assumpção. Este que passeia por ritmos como a MPB, o samba e a R&B. Nele ela fala sobre o equilíbrio entre a força e a vulnerabilidade feminina, traz dores como a perda de sua irmã, Serena, parceira de diversas composições, e ainda no álbum conta com uma série de participações especiais. Entre elas de seu filho Benedito, de 6 anos, como também de Ava Rocha, Liniker Barros, Tulipa Ruiz, Thalma de Freitas e Céu. “Receita Rápida” por exemplo é uma composição de seu pai, Itamar Assumpção.

Quem também aparece na lista é o rapper guarulhense Edgar. Ele que traz para Ultrassom um universo bastante particular, trata-se segundo ele de “um futuro ácido dominado por plásticos”. No trabalho ele faz críticas afiadas a sociedade e ao uso da tecnologia. Um tema bastante cosmopolita por si só.

A pluralidade também um dos traços de seu trabalho que faz a fusão de rap, a música eletrônica, ritmos nordestinos e o rock. Para suas apresentações ele também traz vestimentas que conversam com todo este universo disruptivo e pós-apocalíptico.

Um dos mais belos registros do ano foi Omindá de André Abujamra. O disco influenciado pelo candomblé fala sobre a água e reúne artistas de 13 países. No total foram 11 anos de produção até chegar ao resultado final da obra.

O registro inclusive foi lançado no palco do Auditório do Ibirapuera em show sincronizado com a projeção de um filme de 62 minutos e 34 segundos de duração (este em que ele mesmo foi o responsável pela filmagem).

A gravação do disco foi realizada durante viagens para Estados Unidos, Bulgária, Grécia, Turquia, Uruguai, Índia, França, Japão, Jordânia, Mali, República Tcheca e Portugal.

Quem também aparece por aqui é Garbo. Jovens Inseguros Vivendo No Futuro é o disco de estreia do produtor Gabriel Soares e mostra o retrato vivido pelo juventude. Discorre sobre problemas do mundo, fala abertamente sobre pressão por querer consertar os erros das gerações anteriores e divaga sobre o julgamento da sociedade perante esta visão progressista. Esta que muitas vezes “destrói” tradições. A insegurança e a ansiedade são expostas e talvez por isso tenha despertado a atenção dos críticos.

Outono no Sudeste é mais um dos grandes discos da carreira de Mauricio Pereira. Nele ele traz uma visão soturna sobre a vida na cidade grande, seus paradoxos e sentimentos à flor da pele. Os “vai e vens” da correria de São Paulo acabam também se tornando um dos personagens de seu álbum.

Quem aparece por duas vezes na lista, e poderia até ter aparecido três, é Maria Beraldo. Ela que teve um ano de muito trabalho e colheita. Tendo lançado não só um, como três discos. Um com a Quartabê, um precioso álbum instrumental homenageando a obra do mestre Dorival Caymmi, outro com a Bolerinho, e sua explosiva estreia solo. Ufa!

CAVALA por si só é uma locomotiva de emoções e empoderamento lésbico. Beraldo também é responsável pela produção e engenharia de som de seu álbum que saiu pelo selo paulistano RISCO.

Após apostar em singles mensais quem veio com um álbum cheio foi o astuto rapper Rashid. Nele ele investiga sobre crises pessoais, dialoga vida na periferia, religiosidade, racismo, conquistas pessoais e relacionamentos. Assuntos que permeiam a rotina da selva de pedra.

Luiza Lian encantou a todos com o delicado – e bem produzido – Azul Moderno. Assim como o disco anterior, o disco fala sobre religiosidade mas também mostra o olhar feminino sobre experiências bem particulares. Seu poder de dialogar sobre pequenas vivências do cotidiano o faz pop.

Baco Exu do Blues decidiu fazer diferente do que fez em Esú e apostou em um disco conceitual. O rapper baiano produziu não só um disco como um mini-documentário sobre Bluesman. Ele até diz logo na faixa de abertura “Blues é tudo aquilo que foi demonizado por ser de origem negra para, na sequência, ser aceito na sociedade como bonito após receber um processo de embranquecimento”.

Deixando claro seu posicionamento ele ainda faz no disco a fusão de estilos como o samba, o funk, o rock, o jazz, o soul e o rap. Tendo participações especiais que se destacam de Tuyo e 1LUM3. A canção entrou na lista pela participação de Tim Bernardes.

Moderna, versátil e intensa, esse é o espírito jovem e contestador de Elza Soares no auge de seus 88 anos. Surpreende não só por seu forte discurso empoderado mas pelos arranjos eletrônicos e produção impecável de Kastrup. “Exu nas Escolas”, que conta com participação de EDGAR (também na playlist), é um dos grandes destaques e inclusive foi eleita a canção do ano no Prêmio Multishow de Música Brasileira.

2018 também foi a vez do E A Terra Nunca Foi Tão Distante finalmente lançar seu tão esperado álbum de estreia. Misturando Post-Rock a Math Rock, eles se destacaram anteriormente por ser uma banda muito intensa – e perfeccionista – em suas apresentações. Tudo isso se traduziu no emotivo debut que consegue ser mais pesado que os singles lançados anteriormente.

Quem também optou por lançar aos poucos singles foi o Teto Preto. Aliás ótima banda para se assistir em festivais devido a grande performance tanto musical como teatral nos palcos.

O coletivo de música eletrônica é criativo em sua proposta e mistura beats a arranjos e percussão cheia de detalhes. Não é a toa que eles tem como inspiração a vanguarda paulistana de Arrigo Barnabé, o cinema novo, a new wave, poetas malditos e a música industrial. Suas letras são contestadoras, assim como seus clipes, e zomba com naturalidade das morais e “bons costumes”.

O violeiro paulista Renato Teixeira e Almir Sater voltaram aos holofotes com o álbum +AR. O folk e o country se fazem presentes. O registro é a continuação do AR, gravado em 2015, e com músicas gravadas pela primeira vez. Em parte o álbum tem aquele tom regionalista que os consagrou mas também aposta na metalinguagem e nas belas melodias da viola. Ambos discos, AR e +AR, foram premiados no Grammy Latino na categoria “Melhor Álbum de Música de Raízes da Língua Portuguesa”.

Fazendo um mix entre a MPB e o rock alternativo, a 5 a Seco também aparece na lista. Mostrando que o pop pode sim flertar com outros estilos mais pesados. Suas canções assim como seu registro anterior, de 2015, majoritariamente discorrem sobre relacionamentos.


playlist são paulo


Talvez a mais pesada da lista seja justamente a canção “Fogo Nosso” do HUEY. Transgressor em sua essência, em apenas uma faixa existem riffs para quase um disco todo. Mas justamente por não ser uma banda comum, eles conseguem em sua panela incorporar diversas vertentes do metal, post-rock, math rock. Em um som estritamente instrumental mas que dialoga sobre os conflitos do dia-a-dia de uma metrópole.

Entre o samba, o choro, a valsa, a rumba e a MPB, Cacá Machado lançou o ótimo Sibilina. Com destaque a ótimas parcerias com Romulo Fróes (com quem divide composições), Tiganá Santana, Alessandra LeãoGuilherme Wisnik, Mateus Aleluia, Ava Rocha e Iara Rennó.

O coletivo Bixiga 70  em Quebra-Cabeça flerta com ritmos como o afrobeat, o funk, o jazz, o samba, o reggae, o rock a percussões tribais. Talvez seja uma das bandas que melhor ilustre esse cenário da nova música brasileira que em sua essência mostra sua rica identidade miscigenada.

O hip hop está bem representado na lista com Drik Barbosa. Em 2018 ela lançou seu primeiro EP, Espelho. Aos 25 anos ela consegue catalizar suas experiências de vida em um registro bastante confessional. Amores, desilusões e conflitos são temas presentes no disco lançado pelo selo Laboratório Fantasma.

A parceria do rapper mineiro Matéria Prima com Dario Beats também foi um dos grandes destaques do ano. O álbum consegue dialogar sobre a dura realidade das ruas, e periferias, e os dilemas da vida urbanóide. A faixa da lista fala do rap da praça São Bento.

Aos 38 anos a paulistana Ana Cañas lançou o politizado e provocador, Todxs. Desde de sua capa, com uma foto de uma mulher com uma cobra no meio das pernas dando o bote, ela já deixa claro que vai ser um disco contestador.

Não é a toa que ela fala sobre igualdade, liberdade, direitos, empoderamento para minorias, feminismo, ativismo LGBTQIA+, amor e democracia. Entre outros temas, ela quebra tabus falando sobre sexo de forma direta e flerta com gêneros como a soul music e o hip hop. Em tempos de retrocesso e perda de direitos no Brasil, é um álbum urgente.

Primeira música inédita em duas décadas, o carioca Jards Macalé lançou recentemente o single “Trevas”. A faixa inclusive é uma adaptação para “Canto I”de Ezra Pound – a partir da tradução de Augusto de Campos, Décio Pignari e Haroldo de Campos. Seu novo álbum, que sairá em parceria com a Natura Musical, conta com direção artística de Romulo Fróes e produção musical de Kiko Dinucci e Thomas Harres. Segundo Pena a faixa acabou entrando na lista pela quantidade de paulistas envolvidos na faixa.

A faixa é um bom aviso para os tempos sórdidos que estamos prestes a enfrentar. Ele mesmo diz que é “sobre o Brasil do futuro, chegando ao fundo do poço, chegando ao limite”

O tom regional cosmopolita, de Vinha da Ida (2017), de Lívia Mattos traz como elemento central a sanfona. Não só ela como o arcordeon. Vale lembrar que a baiana é também sanfoneira na banda de Chico César. Inclusive o paraibano participa da última faixa do registro, em “Amarear”, neste som ela também faz dueto com Manoel.

Em seu primeiro disco, Poema, o produtor Laércio Schwants (L_cio) mostra o porquê de ser reconhecido como um dos maiores nomes da cena techno/house do país. Ele que mistura em seu som diversos instrumentos, entre eles a flauta transversal.

Outro destaque da lista é a OZU, de Cotia (SP). Que vai beber diretamente do trip hop inglês dos anos 90, hip hop e até mesmo do cinema japonês. Em seu disco INNER, lançado no ano passado, podemos até mesmo conferir músicas em inglês e francês. O sexteto conta até com um DJ dentro de sua formação que incrementa de forma positiva as apresentações do grupo.

O samba dá o tom do trabalho de Rodrigo Campos. A ideia era lançar um disco com sambas que não foram feitos para sambar. 9 Sambas saiu em 2018 mas começou a ser produzido em 2005. A demora se dá pois ele parou o projeto por anos, antes de decidir o levar adiante. Ele que também  faz parte do projeto Passo Torto e seu disco anterior, Sambas do Absurdo, foi realizado em parceria com Gui Amabis e Juçara Marçal.

A parceria entre Craca e Dani Nega continua forte e colhendo bons frutos. Versáteis, eles colocam o dedo na ferida. Um bom exemplo disso acontece na faixa “Quando Voltarão” que através de versos fortes – e tom de protesto – divaga sobre crimes brutais cometidos por milícias. E em seus versos até mesmo cita os nomes de Marielle Franco e Amarildo.

Quem fecha a lista de Pena é justamente o pianista André Mehmari. “Bordões ao Luar” integra a peça Suíte Policarpo, uma homenagem ao escritor carioca Lima Barreto.

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