O pop vai de encontro com o alternativo no disco de estreia da Cachimbó

Seria até clichê dizer que a música é o resultado de encontros. Porém a vida tratou de colocar uma baiana no caminho de um brasiliense e um carioca. Foi desta junção que nascia a Cachimbó que inclusive foi uma das atrações do Picnik Festival que aconteceu no último mês na capital candanga.

Em novembro de 2015 o trio composto por Lai, a vocalista, João, responsável pelos sintetizadores e batidas eletrônicas e de Paulo, guitarrista, lançava o EP Bate o Bico, este que foi muito bem recebido tanto pelo público como pela famigerada crítica especializada.

O registo já flertava com o pop, trazia o lado dançante dos sintetizadores e fez a banda circular por festivais de Brasília, participar de sessions como a Sofar Sessions e debutar em importantes palcos.

Cachimbó, que também é um nome de um pássaro, carrega em seu som batidas do pop, sintetizadores do synthpop – e rock alternativo – e o canto refinado da nossa MPB. Toda essa pluralidade também transparece na versatilidade sonora, na leveza das composições e na maneira em que eles interagem com o público.


Cachimbó (DF) lançou seu primeiro álbum . – Foto Por: Raquel Reis

Cachimbó – Bó (18/07/2018)

Pude conhecer o trabalho do trio através do simpático videoclipe para “Daqui pra Lá” enquanto pesquisava por videoclipes para os já famosos listões mensais. O clipe de fato é simples mas gera sem muita dificuldade identificação com quem assistir.

Dirigido por Tomás Alvarenga, o vídeo mostra os integrantes vestidos com roupas das mais diversas tribos urbanas, o que só ajuda a reforçar como o som da banda é cosmopolita e plural.

Como na curadoria de videoclipes do Udigrudi valorizamos ideias simples mas de impacto, o clipe acabou sendo transmitido na programação do canal paulista. O mesmo acabou acontecendo com o cômico videoclipe para “Metro Quadrado” que foi exibido no último domingo (15/07).



O disco de fato é solar, alto astral e com boas doses de bom humor para contornar as amenidades do dia-a-dia. É pulsante, dançante e por muitas vezes energizante. Por ora pop açucarado, outrora um mix de beats e experimentações eletrônicas.

“Eu Não Sou da Cidade” poderia ser trilha de alguma mini-série ou comercial justamente por chegar de mansinho e alcançar um tom dançante. Pop em sua essência, a canção é praticamente uma Ode ao agito de uma grande metrópole. As guitarras flertam inclusive com a sonoridade de bandas como Alvvays e The XX, com synths alá A-ha e Guilherme Arantes e vozes tão doces como os de Marisa Monte.

A pulsação de “Pela Metade” continua pop mas flerta com o som de grupos alternativos como Metronomy, Vampire Weekend e resgata até mesmo o o cavaco do nosso tão brasileiro samba.

Toda essa mistura agrega valor e pluralidade que faz com que essa distância entre o pop e o alternativo diminua. A canção questiona o individualismo, as ciladas e truques da vida, a caminhada entre obstáculos e o machismo presente nas relações cotidianas.

A terceira canção, “O Que Eu Quis”, sabe flertar com batidas mais quentes e batuques do Olodum para ilustrar sua essência apaixonada. Uma canção que traz força em seu argumento e na maneira que cada verso vai se encaixando.

O espírito festeiro vai ficando perceptível conforme ela vai crescendo. Quem disse que não ia ter uma pitada de rock nesta música? Pois bem, em contrapartida, logo em seu final temos riffs bluseiros para conversar com o desfecho all in blue e libertino da canção.

“Daqui pra Lá” como já dissemos ganhou um videoclipe todo inclusivo e cheio de individualidades que fazem com que a vida – e seus personagens – tenham mais graça. De certa forma a canção é romântica e fala sobre a árdua luta em encontrar sua cara-metade.

Não é a toa que foi escolhida como single viso que seus riffs e beats são açucarados na medida certa e instigam a acompanhar o resto do trabalho do trio. Dançante, cheia de antagonistas, sinceridades, ela anda a passos largos e errantes – feito a vida.

O que certamente gera identificação com todos que já tiveram seus corações partidos mas que ainda tem fé que irão encontrar sua “alma gêmea” – por mais que a seja uma longa jornada.



“Pra que Correr” literalmente coloca os pés no chão e tenta analisar a vida de maneira mais racional e equilibrada. Mesmo que não sejamos propriamente assim. Trechos como “disfarçando meu vazio com abadá” deixam claro como estamos em procura por prazer e distração o tempo inteiro. O que certamente gera ansiedade e paranóia conforme o tempo for passando.

Em alguns trechos eu fiquei com a sensação de estar ouvindo alguma balada New Wave e Synthpop dark dos anos 80. Onde tudo mesmo que esteja colorido no visual, é obscuro em seu interior.

Tudo isso desemboca na balada “Teu Endereço”. Certamente o momento de ligar o isqueiro durante as apresentações. Talvez pela atmosfera meio Lorde em sua essência e seu tom melancólico.

As expectativas, medos, incertezas e os sonhos do começo de um relacionamento são ecoados em seus versos que equalizam aquele sorriso bobo do retorno para casa após um encontro.

“Metro Quadrado” também já é uma canção conhecida dos “Cachimbeiros” (é assim que os fãs da banda se identificam) e conta com um clipe divertido e simples para ilustrar a faixa que deixa claro o sonho de um relacionamento estável e saudável. Em seu instrumental tem swing, ritmos latinos, guitarras rasgadas, percussão e beats oitentistas.



“Vai e Vem” tem riffs tortos do rock de garagem do começo dos anos 00, sim aquele revival que bandas como Strokes e Libertines trouxeram de volta para o mainstream, beats secos e efeitos de teclado da New Wave.

Talvez por toda essa miscelânea que a canção se torne estranhamente dançante. Também o estranhamento pois a canção fala sobre as gangorras da vida e todo o desequilíbrio das relações – e por consequência seu desgaste natural.

Já “Deixe Estar” evoca o funk, o soul e a disco setentista tão resgatada por inúmeros músicos de nossa geração. De fato dançante, a faixa transparece em seus versos inseguranças e medos que temos perante traumas e situações mal resolvidas.

A faixa escolhida para encerrar o disco é justamente “Sem Assumir”. Uma faixa que poderíamos tranquilamente ouvir em rádios revival caso ela tivesse sido composta nos anos 80, é claro. Mas como não é o caso consigo enxergar como a sonoridade de grupos como MGMT contribui para a balada que fecha um ciclo.

Os teclados inclusive me lembram A-Ha sem pensar duas vezes, só que mais quente, claro, afinal estamos no Brasil e não na gélida Noruega. Assim o disco se encerra com mais questionamentos e amores ainda a serem resolvidos (agora vamos torcer para a mocinha e o mocinho se darem bem no final do filme).



O disco de estreia da Cachimbó, de Brasília (DF), conta com 10 músicas em 32 minutos de duração e nos conta uma história que com certeza vai bater em cheio em solteiros (as) que estejam a procura de um amor para chamar de seu. Com diversidade de ritmos, peso dos sintetizadores, vocais aveludados e riffs soltos de guitarra, o registro te prende e conta com trechos mais açucarados e outros um pouco mais “darks”.

Em certos momentos diverte e em outros te cansa um pouco. No geral o saldo é uma grata surpresa. Visto que é um disco que não tem medo de assumir que é pop mas que ao mesmo tempo não deixa de flertar com o alternativo.

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Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

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