“Quem vê tudo pronto e dando certo no final não imagina o trabalho que dá.” Essa frase encaixa bem com o que foi a primeira edição do Festival Cena Cerrado. Realizado na semana passada entre dia 9 e 15 de abril, em Uberlândia (MG), o festival reuniu palestras, debates, workshops, DJ SETS e claro: shows, muitos shows.
O sonho nasceu já há alguns anos quando Arthur Rodrigues (Cena Cerrado / Cachalote Fuzz) passou a ser um dos agitadores culturais do triângulo mineiro. Persistente ele é o responsável por trazer para a cidade, inúmeros artistas e bandas. Muitos deles hoje em dia com destaque e reconhecimento nacional como é o caso da Carne Doce (GO) e Almirante Shiva (DF).
Entre acertos e erros ele foi entendendo como funciona o ecossistema do cenário alternativo e dentre suas produções é um dos responsáveis pelo coletivo e selo Cena Cerrado Discos. Este que movimenta o cenário da região e já lançou algumas coletâneas que até já divulgamos por aqui.
O primeiro contato do Hits Perdidos com o trabalho do coletivo foi em 2016 quando falamos sobre o trabalho da banda uberlandense Maria Augusta. Na época eles até comentaram sobre o selo:
Maria Augusta: “É um privilégio fazer parte dessa turma que se ajuda tanto e se importa realmente um com a pira de todos. Não só trabalhamos com eles como somos parte do coletivo e o plano é continuar fazendo crescer esse belo projeto, liderado pelo nosso inquieto amigo Arthur Rodrigues!
A cena daqui de Uberlândia é muito unida que acaba fortalecendo todos os trabalhos e somando cada vez mais ao som independente. Uberlândia estava perdendo aos poucos o som independente mas agora parece que esta tomando forma.”
Após inúmeras investidas como produtor cultural, “na raça”, Arthur decidiu que deveria tentar fazer como que o “rolê” fosse mais sustentável para não arcar com um prejuízo e frustração como ocorreu em alguns eventos passados. Águas passadas ele começou a articular há um ano como seria feito.
Foram muitas conversas com produtores locais, como o lendário Alê Valvulado (Udigrudi / Valvulado Discos), figura emblemática local com experiência de 30 anos dentro da organização de festivais e selo independente. Com origem do punk e metal ele tem uma importância muito grande dentro do cenário da região.
Não é segredo nenhum que os editais podem ajudar – e muito – para que iniciativas culturais ganhem força. Muitas cidades e estados tem bastante receptividade com este tipo de projeto. Arthur foi atrás de toda a burocracia de escrever um bom edital, planejar os mínimos detalhes, orquestrar a ocupação e alvarás para realizar eventos em espaços públicos. Um processo lento mas que vendo tudo pronto só mostra que vale a pena.
Nada se faz sozinho, nada mesmo. Além dos companheiros de coletivo e organização, entraram na parceria a prefeitura de Uberlândia e a Universidade Federal de Uberlândia. Além disso para a cobertura oficial do evento eles tiveram 24/7 a equipe de comunicação da Entrenós.
Além de parcerias na área de gastronomia de Food Trucks devidamente posicionados para suprir o público que frequentou a programação dos eventos ao ar livre. Um outro detalhe é que a programação inteira foi realizada de maneira gratuita, isso mesmo, era só chegar junto para curtir.
Para aquecer para o festival preparamos a edição 79 do programa do Hits Perdidos na Mutante Radio apenas com bandas que iriam se apresentar dentro do evento.
No episódio tocam sons das atrações: Tagore, Gabriela Deptulski (My Magical Glowing Lens), Joe Silhueta, FingerFingerrr, Cachalote Fuzz, Pulmão Negro, Canábicos, Light Strucks, Apicultores Clandestinos, Sick, Vaine ft. Kainã Bragiola, Santa Pipe, Maria Augusta e Waldi & Redson.
[mixcloud https://www.mixcloud.com/mutanteradio/hits-perdidos-episodio-79/ width=100% height=120 hide_cover=1 light=1]
Cheguei por volta das 10 horas da manhã em Uberlândia (MG). A ideia era de conferir a palestra inaugural do festival, esta que teve como papel falar sobre assuntos de extrema importância para a fomentação e expansão da cultural seja de Uberlândia como do país.
Como tema a mesa que foi montada dentro das dependências de um dos auditórios da UFU (Universidade Federal de Uberlândia), teve como tema “Música para quem precisa: a importância da cultura e da arte ao alcance de todos.”
A mesa foi composta por Arthur Rodrigues (Cena Cerrado / Cachalote Fuzz), Jack Will (Músico local formado pela UFU), Alê Valvulado (Mestre em artes pela UFU, Valvulado Discos e produtor do Festival Udigrudi) e Túlio Barbosa (Professor do Instituto de Geografia – UFU).
O papo passou por diversas esferas, como a importância da cultura como a expansão das ideias, a resistência da contra cultura, a política, a paixão pela música, música como ferramenta para a educação e desenvolvimento humano, os medos de uma diminuição do território, a ocupação dos espaços públicos para promover manifestações culturais e o delicado momento que as instituições tem sofrido no país.
Se não tivesse relógio e hora para acabar pode ficar tranquilo que o papo ia longe. Como outsider dentro de como funciona esse âmbito na região, foi um aprendizado enorme poder observar os contrastes e diferenças entre como as coisas funcionam em São Paulo x Uberlândia.
Inicialmente fui convocado para participar do festival para palestrar sobre a produção audiovisual no campo do Cinema e de Videoclipes. Porém após avaliarmos as possibilidades de conteúdo e discussões que poderíamos mostrar para o público, de uma simples mesa acabou se tornando um workshop.
O ponto de partida foi a discussão sobre produção de videoclipes independentes. Como parceiro de workshop pude contar com o músico e produtor audiovisual Jozé Vitor Araújo que é diretor e videomaker de Uberlândia, além de uma das frentes do Roça Records, selo musical de Hip Hop do Triângulo Mineiro.
Para mim especialmente foi uma tremenda oportunidade em poder aprender tanto sobre a visão de um filmaker sobre o processo, da concepção da ideia, planejamento, produção, insights e adequação ao estilo, como por entender a perspectiva e o desenvolvimento regional das produções audiovisuais.
Jozé contou sobre como a estética forte e de certa forma luxuosa das produções de videoclipes no começo da era do gênero faziam com que o mercado brasileiro visse esse tipo de produção como algo caro e distante de ser realizado. Mas também ressaltou como isso foi mudando com o passar dos anos e o interesse pela formato de mídia foi sendo aquecido.
Falou também sobre a resistência de que alguns artistas locais ainda tem com entender sobre o potencial do formato e fez provocações pontuais para os músicos – e estudantes – presentes.
Antes de começar minha fala dentro do workshop relembrei sobre a importância de uma boa comunicação visual que tem dado resultado não só no rap como no funk brasileiro. Conversamos com os presentes sobre a importância da adequação estética e de como isso se relaciona com o consumidor final da produção.
Afinal de contas, é necessário saber com quem você está falando – ou gostaria de estar. Detalhes importantíssimos para qualquer produtor de conteúdo seja no campo das artes visuais como da escrita.
Com muito a provocar, argumentar e rebater preparei uma apresentação que trazia dados apurados pelo Estudo de Caso sobre a produção de videoclipes lançados em 2017. Trouxe dados novos e observações pontuais sobre o que faz uma produção se destacar em meio a várias produções.
Além de tentar abrir a mente dos interessados para os mais diversos formatos, periodicidades e maneiras de produzir um clipe. Muitos pensam que para um bom videoclipe existir é necessário um tremendo investimento financeiro e muitas vezes o poder de fazer algo de destaque mora justamente na criatividade – e bom roteiro.
Exibi cerca de 15 videoclipes com critérios e estilos diferentes para mostrar que independente da música te agradar ou não, o estilo define o que encaixa e o que não se adequa a ele.
Também conversamos sobre os outros tipos de produções audiovisuais que tem ganho terreno da música como as live sessions, o investimento em bons lyric videos, a publicidade, os álbuns visuais e os curta-metragens.
A felicidade foi ao final ao questionar o que faz um clipe te chamar a atenção foi ouvir: a adequação a proposta musical. Missão cumprida!
De bônus ainda o artista independente da cidade, Natã Borges, veio conversar sobre o desafio que tem vivido de produzir seu primeiro álbum visual e como todo o workshop tinha sido bastante importante para sua pesquisa por novas referências. Acredito que tanto o Jozé como eu saímos de lá bastante satisfeitos.
No terceiro dia do festival, quarta-feira (11), tivemos a chegada da Joyce Guillarducci do Cansei do Mainstream a cidade. Ela que veio especialmente para participar da mesa “Minas à Frente: As Mulheres como destaque na Cena Independente.”
A mesa que foi realizada dentro do auditório da UFU também contou com a Amanda Bredariol (Produtora Triluna), Andréa Felix (Cantora e MC – DMG – Das Minas Gerais) e Sofi Sofia (Cena Cerrado).
Um pouco antes do início da mesa aconteceu uma apresentação do grupo de Rap Feminista DMG. O grupo é formato por mulheres de 17 a 65, está junto a menos de um ano, e com rimas pontuais mostrou toda a luta em sua breve apresentação. Inclusive no dia elas estavam lançando seu mais novo videoclipe, “Fala Comigo Bebê“.
A mesa se iniciou com o tema sobre como o fato de ser mulher interfere na recepção dos músicos, produtores, técnicos de som, engenheiros de som homens perante o trabalho das produtoras. Experiências negativas e positivas foram apontadas.
O momento de ascensão do espaço da mulher na música em suas diversas áreas também teve espaço na discussão, Joyce por exemplo trouxe uma linha do tempo de 1930 a 2018 com a maneira que as mulheres atuavam dentro do mercado fonográfico.
Mostrando como eram as principais compositores por trás de artistas masculinos e como eram obrigadas a cantar canções com teor machista no começo do século. Passando pela libertação e expansão de voz ativa nas décadas de 60 e 70, ao empoderamento cada vez com mais força nos presentes dias.
Um ponto alto foi ver a perspectiva dos diferentes universos que elas circulam, tanto do rock, como da noite de música eletrônica, hip-hop/rap a produção de eventos. Após o evento a noite se estendeu para o Ovelha Rock Bar onde a Joyce pode discotecar hits perdidos do underground nacional, muita psicodelia e clássicos do rock.
Após a programação de palestras e workshops se dar por finalizada entramos na programação de shows do Festival Cena Cerrado. Na noite da quinta-feira (12), fui convocado meio que de última hora para fazer um DJ SET no Vinil Cultura Bar. Mas as grandes estrelas da noite eram mesmo os músicos, é claro.
E para esta noite tivemos a presença das bandas Waldi & Redson (MG) e Joe Silhueta (DF). Ambos shows divertidíssimos, cheios de entrega e interação com o público. Este que tratou de abraçar as bandas e lotou a casa para prestigiar.
Waldi & Redson pode ser tudo menos uma dupla sertaneja convencional. Amantes da viola e da música sertaneja de raíz, de Tonico & Tinoco, Milionário e José Rico, Mazzaropi, Léo Canhoto e Robertinho, Leonardo e Sampaio e Zé Fortuna e Pitangueira eles fazem um show a parte.
Com Redson no nome, homenagem ao eterno vocalista do Cólera, não poderia ser diferente. O duo é formado por Diego De Moraes (Diego Mascate / Pó de Ser) e Chelo Lion (Light Strucks / Porcas Borboletas) faz um show consistente.
Com interação forte com o público, piadas e personagem bem elaborado eles brincam até com as condições adversas durante a apresentação. A diversão é garantida com os trocadilhos pontuais, panela entre viola e bateria que por horas se transforma em viola + guitarra. Com essa descrição parece até sessão da tarde mas eu só garanto que vale a pena ver de novo.
Para combinar com o clima punk sertanejo entre o fim show e a montagem do palco para o show do Joe Silhueta preparei um SET recheado de punk rock e hardcore para agitar a pista. Pouco depois a banda de Brasília subia ao palco para sua performática, cigana e densa apresentação.
Sim, o show dos brasilienses tem performance digna de teatro, luzes pontuais, drama, intensidade e imersão. O palco até ficou pequeno para a quantidade de integrantes, é bem verdade, mas os arranjos da combinação de instrumentos faziam com que o público aos poucos pudesse entender a atmosfera da banda em agregar distintos gêneros musicais – e seu tom burlesco.
Em “Lambida”, single que até ganhou clipe, o público parece querer arrancar um pedaço da cantora Gaivota – e colocar a língua dentro de sua garganta. Ela que também se destaca com sua especie de exorcismo ao som de outra canção e tenta sentir os acordes e letras na hora de performar.
Na emoção de querer conseguir tirar fotos e prestar a atenção devida a apresentação acabei deixando os vídeos de lado, mas recomendo com que marquem presença assim que eles passarem pela sua cidade sem falta.
Tudo que é bom dura pouco mas o suficiente para deixar suas marcas, já diria o provérbio popular. Nesse meio tempo aproveitamos as tardes para conhecer a cidade de Uberlândia, seus restaurantes, museus e atrações turísticas.
Nos últimos dias pude dividir o quarto do hotel com os caras do Joe Silhueta e acabamos indo todos juntos para alguns passeios. PS: Essa cena é real e eles realmente foram no porta-malas para caber todo mundo.
A Praça da Tecelagem virou o palco para os shows da sexta-feira (13) e a programação tinha como o foco o punk rock e adjacentes. O line-up do dia era inclusive poderoso com a Light Strucks (MG), Pulmão Negro (MG) e Apicultores Clandestinos (SC).
Cresci frequentando o Hangar 110 e os shows de punk, hardcore, garage rock, surf music e afins então para mim com certeza era uma data aguardada. Vesti minha camiseta dos Misfits e parti para o local. Lá era possível encontrar food trucks com cervejas artesanais (aprovadas), comidinhas e um ambiente agradável que era realmente: só chegar.
Por conta de uma mudança de planos o show da Light Strucks começou mais cedo. uma pena pois chegamos a tempo apenas das duas últimas músicas. A minha sorte foi já ter visto anteriormente o show insano que eles fazem.
Para quem curtir garageira e irreverência sabe do que eu estou falando. Talvez a ordem mais feliz teria sido Pulmão Negro seguido de Light Strucks e Apicultores Clandestinos. Mas coisas de festival, normal.
Pude conhecer o Genésio do Pulmão Negro ainda durante a semana e ele me contou de como era o rolê punk / hc, quais eram os próximos passos da banda e sobre a perspectiva do segmento dentro da cidade. Inclusive manifestou a vontade de tocar em São Paulo, então produtores já sabem, né?
O show tem intensidade, agradará a quem curtir desde o hardcore melódico, crust, passando pelo lado mais visceral de grupos como Mukeka di Rato, que inclusive teve cover no show, DFC e punk rock.
Para honrar a sexta-feira (13) teve até cover de “Hybrid Moments” dos Misfits. Suas letras tem muito sarcasmo e o malabarismo do vocalista fez com que o público abrisse pequenas “rodas punk”. O mês sem Marielle presente foi lembrado. Com o público na mão, não foi difícil agradar os presentes.
Estava louco para poder ver finalmente um show dos Apicultores Clandestinos. Os catarinenses pegaram 15 horas de estrada desde sua cidade natal, localizada no interior de Santa Catarina, para realizar o show. Inclusive trouxeram mel e pingas com a iguaria para distribuir aos finais de cada música para os presentes.
Eles que são apicultores de verdade e utilizam de seus trajes durante as apresentações. O que cria uma atmosfera ímpar e que facilmente quebra o gelo com o público desde seu primeiro contato.
Acompanho o trabalho do quarteto já a algum tempo e o trabalhos que saíram pelo selo Reverb Brasil. Inclusive eles recentemente participaram do tributo aos Dead Rocks com uma versão homenageando os músicos são-carlenses.
São doze anos de banda mas o trabalho que ganhou mais destaque dentro da apresentação foi o disco mais recente Astronauta do Campo (2015) que conta com ótimas canções como “Fui Abduzido”, “Polka do Sergey” e a homenagem a Wander Wildner em “Eu tenho uma camiseta escrito Eu já sabia”.
Você não consegue tirar os olhos do palco por um segundo, se vê obrigado a dançar e entrar na onda. Não é difícil ver a resposta do público que transforma o ambiente em uma praia tropical.
Misturando surf rock, garage rock e psicodelia, hora cantado e outrora instrumental a vontade é de que o show não se encerre tão cedo. Tamanha é a energia cósmica no ar. Coincidindo com o fim da geração elétrica do show, eles encerram o espetáculo em meio a um curto elétrico. Fim a altura da elétrica apresentação, era a faísca que faltava!
Em breve mais vídeos serão postados no Youtube do Hits Perdidos. Este post será atualizado. O festival teve programação no sábado e domingo também mas tive que voltar mais cedo para São Paulo para outros compromissos.
O que pude ver durante esses 5 dias é inspirador. Lutar contra todas as dificuldades, complicações e de maneira organizada, mostra que sim: ainda há maneiras de fazer um festival nascer com uma boa ideia e muita mão na massa.
Que venham mais edições do Festival Cena Cerrado e que a cena de Uberlândia (MG) continue a se expandir. É um trabalho lento e gradual mas muito importante para a cultura independente. Para a resistência. Para o país que (realmente) queremos!
This post was published on 17 de abril de 2018 11:11 am
The Vaccines é daquelas bandas que dispensa qualquer tipo de apresentação. Mas também daquelas que…
Demorou, é bem verdade mas finalmente o Joyce Manor vem ao Brasil pela primeira vez.…
Programado para o fim de semana dos dia 9 e 10 de novembro, o Balaclava…
Supervão evoca a geração nostalgia para uma pistinha indie 30+ Às vezes a gente esquece…
A artista carioca repaginou "John Riley", canção de amor do século XVII Após lançar seu…
Quando foi confirmado o show do Travis no Brasil, pouco tempo após o anúncio do…
This website uses cookies.