No Ar Coquetel Molotov completou 20 anos em 2023. - Foto Por: Ariel Martini
O No Ar Coquetel Molotov chega à sua 22ª edição em 2025 e está programado para acontecer no dia 06/12 no Campus da UFPE, no Recife. Ao longo de 12 horas de duração, três palcos receberão artistas de diferentes regiões do Brasil e também da França, de Honduras, da Colômbia e Venezuela.
Com uma curadoria que equilibra atrações internacionais e nomes nacionais e locais, vanguarda e tradição, o festival passa por várias sonoridades, indo do tecnobrega aos ritmos latinos, passeando pelo indie rock e pelo rap.
O evento teve reconhecimento em nível institucional ao receber o título de Patrimônio Cultural Imaterial de Pernambuco, proposto pela deputada estadual Dani Portela e aprovado em plenário na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) em outubro.
Mesmo com o reconhecimento público e a longevidade do projeto, os desafios ainda se fazem presentes na rotina da construção da nova edição que acontece em dezembro.
A captação de patrocínios, como apontado no estudo do Mapa dos Festivais, a disparidade entre a realidade dos festivais do Sudeste x outras regiões do país faz com que cada movimento, e parceria, tenha que ser bem calculado para fechar a conta como reflete a organizadora Ana Garcia em entrevista exclusiva para o Hits Perdidos.
“Essa tem sido uma das edições mais desafiadoras do Coquetel Molotov. Estamos vivendo um momento de grande dificuldade na captação de recursos, especialmente no Nordeste, e isso nos obrigou a nos mover de forma diferente, repensando estratégias e fortalecendo parcerias.
Ainda assim, conseguimos montar uma das programações mais incríveis que já fizemos, com novidades da América Latina, do Brasil e da França, celebrando o Ano da França no Brasil”, conta Ana Garcia, diretora do festival.
“A cada ano recebemos um público diverso, que vem de todas as regiões do país e até de fora, sendo que 32% do público é de fora de Pernambuco, o que reforça a força cultural e o potencial turístico do festival. Nesta edição, 70% dos artistas e grupos têm mulheres em sua formação, reafirmando nosso compromisso com a equidade de gênero e a representatividade nos palcos”, revela a organizadora.
Nossa editoria Curadoria de Palco chega à sua terceira edição dando destaque a um dos mais importantes festivais do circuito nordestino.
Curadoria de Palco mapeia o que leva os artistas aos palcos dos principais festivais e casas de show. Um espaço feito para programadores, curadores, bookers e amantes da música ao vivo poderem falar sobre o seu lado do bizz sem amarras ou cortes. Com direito a entrevistas, provocações e análises pensadas por quem vende e contrata o front.
Ana Garcia: “Todo ano é um novo aprendizado, e isso, para mim, continua sendo uma das maiores surpresas.
Em teoria, um festival com 22 anos de história deveria ter uma estrutura tão madura que bastaria replicar processos. Mas, na prática, trabalhar com cultura e com independência significa lidar com limites, mudanças, imprevistos e, principalmente, com pessoas.
Cada edição exige ajustes, novas decisões e uma escuta muito ativa sobre o que funcionou e o que precisa ser reinventado. O maior aprendizado, porém, é pessoal: não se acomodar nunca.
Quem faz um festival independente por tanto tempo só consegue continuar porque tem um propósito muito claro e é esse propósito que precisa ser lembrado todos os anos. 2025 foi um grande choque de realidade para lembrar de que não dá para baixar a guarda, que é preciso estar atenta, flexível e disposta a buscar novas soluções para que o festival aconteça.
Foi cansativo, mas também revigorante. Eu tinha até esquecido o quanto esse processo exige de mim e agora estou ansiosa para que o dia chegue e possamos celebrar juntos. Não quero que todos os anos sejam assim (risos), mas foi um aviso importante.”
Ana Garcia: “É sempre difícil escolher “os melhores” porque cada edição tem momentos muito especiais, mas alguns realmente deixam a gente boquiaberta.
O show do Miike Snow, por exemplo, foi incrível. Lembro da equipe pedindo ajustes de luz muito específicos, que aumentariam o orçamento, e eu quase recuei, mas foi uma das decisões mais acertadas que tomei. A iluminação era parte essencial da narrativa do show, e quando vimos tudo pronto, ficamos literalmente extasiados.
Outro momento inesquecível foi Amaro Freitas no ano passado. Eu sabia que seria um show forte, mas não imaginava o impacto que teria. Foi simplesmente arrebatador, daqueles que você sente no corpo inteiro. Acho, inclusive, que foi um dos melhores shows que já vi na vida.
E, claro, nesses últimos dias, com a passagem de Lô Borges, revisitei as gravações do show de 2009 ao lado de Milton Nascimento. Foi emocionante reviver esse encontro tão grandioso e tão delicado ao mesmo tempo. Chorei bastante. Fico sem acreditar que tivemos esse encontro em 2009, com apenas 5 anos de festival.
Sobre o processo de curadoria, eu sempre digo que o público é nosso maior curador. Escutamos muito porque temos uma comunidade extremamente conectada, curiosa e generosa.
Eles pedem artistas, levantam nomes, apresentam novas cenas. Claro que tudo passa por filtros importantes: coerência estética, logística, orçamento, timing… mas, no geral, conseguimos atender grande parte do que o público sonha. E eu adoro isso. É uma troca real. Acho que essa escuta constante é o que mantém o festival vivo, pulsante e sempre atento ao que está acontecendo no Brasil e no mundo. É uma construção coletiva.”
Ana Garcia: “Em 2025, a história que queremos contar é a de um retorno, não ao passado, mas ao nosso eixo, a essência do Coquetel Molotov: a busca pelo novo, pela ousadia estética e pela diversidade.
Desde o ano passado, estamos num movimento consciente de voltar às nossas raízes, e sinto que o line-up deste ano traduz bem isso. Temos grandes lançamentos de 2025, artistas que estão vivendo um momento especial na carreira, novas apostas que representam cenas em efervescência e nomes que trazem uma força afetiva muito grande para o público.
Mas, talvez, o que mais me orgulhe seja a expansão do nosso olhar para a América Latina. Pela primeira vez, o festival abraça tantos artistas latinos e isso, para mim, não é só novidade, é uma afirmação política e cultural. Acho que o line-up deste ano nasce desse desejo de conexão, de mostrar que fazemos parte de um ecossistema cultural muito maior do que as fronteiras brasileiras.”
Ana Garcia: “Nosso processo de pesquisa é contínuo, ele simplesmente nunca para. Estamos sempre escutando música nova, acompanhando lançamentos, indo a shows, observando o que está acontecendo em outros festivais no Brasil e no mundo.
Além disso, existe um componente estratégico importante. Monitoramos quais artistas estão em turnê, quais estão em processo de divulgação de disco, quem está disponível para circular e onde é possível criar pontes.
Muitas vezes, conseguimos viabilizar nomes internacionais articulando turnês compartilhadas com outras cidades ou festivais, outras vezes, precisamos convencer o artista a segurar a agenda até dezembro, o que nem sempre é simples.
E, claro, há a realidade financeira: fazemos tudo dentro dos nossos limites. Isso exige criatividade e muita negociação. Mas essa complexidade também faz parte do encanto, porque quando uma aposta dá certo e um show acontece ali, naquele momento, sentimos que todo o esforço valeu (rindo e chorando ao mesmo tempo!).”
Ana Garcia: “Desde a primeira edição do Coquetel Molotov buscamos criar pontes internacionais.
Em 2004, na primeira edição, fizemos uma parceria com o Instituto Sueco para trazer a banda Hell on Wheels e essa colaboração se expandiu depois no projeto Invasão Sueca. A partir dali entendemos que intercâmbio cultural não só enriquece o festival, mas transforma a cena local.
A relação com o Consulado Geral da França também é antiga, já trouxemos quase 20 artistas franceses ao longo dos anos, incluindo Sébastien Tellier, Nouvelle Vague, La Femme, Moodoïd, Ibeyi, Soko e tantos outros.
Para 2025, o Ano da França no Brasil abriu uma oportunidade única e conseguimos, em parceria com o festival francês Les Escales (que já integra nossa rede há três anos através do programa Global Trotter) viabilizar a vinda de Zaho de Sagazan, que, embora emergente no Brasil, é hoje um dos nomes mais importantes da nova música francesa.
Na América Latina, seguimos uma lógica semelhante: mapeamos artistas que estão em ascensão em seus países e que podem circular pela região. A Isabella Lovestory, por exemplo, está com agenda no México e fez sentindo trazê-la pela primeira vez ao Nordeste brasileiro.
Com Maiguai (Colômbia) vimos a oportunidade no edital da Ibermúsica e DJ Babatr (Venezuela) nunca veio pra Recife. Mas é sempre uma combinação de pesquisa constante, articulação com redes internacionais e oportunidades de circulação.”
Ana Garcia: “Foi emocionante. Trabalhar com cultura no Brasil, e especialmente no Nordeste, é um exercício contínuo de resistência. Receber o título de Patrimônio Cultural Imaterial é como carimbar oficialmente que o festival não só existe, como precisa existir.
É o reconhecimento de duas décadas construindo história, formando público, revelando artistas, movimentando a economia criativa e fortalecendo a identidade cultural de Pernambuco. A indicação da deputada Dani Portela foi de uma sensibilidade enorme.
Para toda a nossa equipe, foi como ouvir do Estado aquilo que sempre sentimos na prática: que o Coquetel Molotov faz parte do patrimônio afetivo, artístico e simbólico do Recife e de Pernambuco. E isso nos dá fôlego, e também responsabilidade, para seguir fazendo.”
Ana Garcia: “A presença de 32% do público vindo de fora de Pernambuco é um termômetro muito claro do que o Coquetel Molotov construiu ao longo de duas décadas: não apenas um festival, mas uma marca cultural que ultrapassa fronteiras geográficas e estéticas.
Essa circulação de pessoas ativa diretamente a cadeia turística, desde hotéis, restaurantes, transporte, serviços, e gera centenas de empregos diretos e indiretos. É cultura movimentando economia de maneira palpável. A busca por outros estados foi uma sobrevivência, Pernambuco continua sem o mecenato, mas isso demonstrou pra gente que quando um festival consegue existir dentro e fora de sua cidade de origem, significa que a marca se tornou maior do que o evento em si: virou referência, linguagem e identidade.
A chave disso tudo está na curadoria atenta, que sempre funcionou como nosso motor. A longevidade do festival somada a essa visão faz com que o Molotov tenha se tornado uma plataforma de circulação e descoberta: artistas emergentes alcançam novos públicos, artistas consagrados revisitam trajetórias, e o público encontra experiências que não cruzaria em outro lugar.
O Molotov funciona como vitrine e como laboratório ao mesmo tempo e esse papel, que mistura impacto econômico, relevância cultural e responsabilidade social, é o que garante a sua permanência e a sua importância no Recife, no Nordeste e no país.”
Ana Garcia: “Eu ainda acho que a melhor forma é o show ao vivo, nada substitui ver a energia do artista no palco, entender a entrega, a comunicação com o público, etc. Mas também já montamos line-ups inteiros sem conseguir assistir aos shows antes, então não existe uma regra única.
O mais importante é que o artista mantenha materiais atualizados, como vídeos bons de apresentação, links de músicas, redes organizadas e uma narrativa que comunique quem ele é. Também gosto quando existe uma troca direta: conversar, mandar novidades, compartilhar lançamentos.
De toda forma, a maioria dos artistas chega até mim porque eu estou sempre pesquisando, assistindo, ouvindo e acompanhando a cena. Uma coisa que facilita muito é quando o artista consegue organizar turnês no Nordeste, porque isso nos ajuda a viabilizar a vinda para o festival dentro das nossas limitações logísticas e financeiras.”
Ana Garcia: “A valorização da cultura local não é apenas uma escolha curatorial, é uma responsabilidade.
Um festival só faz sentido se dialoga com o território onde está inserido, reconhecendo seus artistas, suas sonoridades e sua história. Por isso, para nós, ter artistas pernambucanos no line-up não é uma cota, é fundamento. É garantir palco, visibilidade e circulação para quem constrói a cena no dia a dia e precisa desses espaços para crescer.
Além disso, acreditamos muito na descentralização do mercado da música, algo que o Molotov pratica há mais de duas décadas. Por estarmos no Nordeste, fora dos grandes eixos de decisão do Sudeste, entendemos que nossa atuação deve abrir caminhos para que artistas locais cheguem a outros estados, outros festivais e outras redes. Fazemos isso ao criar pontes com compradores, jornalistas, festivais e curadores de diferentes regiões, ao circular nossa formação pelo Nordeste e ao manter uma curadoria atenta às cenas periféricas, emergentes e independentes.”
Ana Garcia: “Por onde começar… Bem, antes de tudo, é preciso que as marcas entendam que o Brasil real não se resume ao Sudeste.
Existe um país pulsante, criativo e extremamente diverso fora do eixo, mas que ainda não é incluído de forma proporcional nos investimentos culturais. Hoje, quem está no Norte e Nordeste precisa trabalhar o dobro para receber metade, e isso não é uma opinião, é um padrão histórico.
O que precisa mudar começa por três frentes:
1. As marcas precisam rever seu mapa mental.
Enquanto a tomada de decisão continuar concentrada em São Paulo e Rio, com pouca escuta dos territórios, os investimentos vão continuar seguindo a lógica da bolha do Sudeste. É preciso que o marketing nacional enxergue que apoiar projetos no Nordeste não é filantropia — é estratégia. Aqui há público, relevância cultural, turismo e impacto econômico real.
2. Políticas públicas de incentivo precisam ser mais equilibradas.
Sem mecenato estadual, sem políticas regionais mais robustas e com editais nacionais enxutos, os festivais do Nordeste ficam sempre em desvantagem competitiva. A descentralização também passa pelo poder público: não adianta promover diversidade cultural no discurso e concentrar recursos no mesmo lugar de sempre.
3. As próprias empresas precisam assumir um compromisso territorial.
Marcas que falam de “Brasil plural”, “impacto social” e “sustentabilidade” precisam estar dispostas a investir em projetos longe do eixo e não apenas onde a visibilidade já é garantida. Muitas vezes, falta coragem de apostar, mas é justamente nesses territórios que surgem as cenas mais inovadoras e transformadoras.
O Molotov só está vivo porque aprendeu a se reinventar, criar novas redes, internacionalizar o festival, aproximar-se do turismo e transformar dificuldade em colaboração. Mas isso não pode depender apenas da resistência dos produtores.
O mercado precisa se atualizar e entender que descentralizar não é tendência, é urgência. Quando as marcas compreenderem que apoiar um festival no Nordeste é investir em reputação, impacto social, inovação cultural e formação de público, essa mudança finalmente irá acontecer.”
Ana Garcia: “Pernambuco está vivendo um momento excelente.
Do nosso line-up, destaco a Jambre, uma banda que mistura rock com psicodelia, percussões e ritmos tradicionais. A Papôla vem com um rock-pop irreverente, cheio de humor e referências da MPB, e já aparece como uma das grandes apostas da nova geração.
Outra banda imperdível é a Zambre, que entrega um indie sujo, visceral, com um show muito divertido. No rap, Jéssica Caitano é simplesmente uma força da natureza: rapper, repentista, poeta, um dos shows mais potentes do estado. Bione é outra artista essencial: inteligente, afiada, e já despontando nacionalmente; tenho certeza que em breve estará nos maiores palcos do país.
No pop, Pernambuco tem duas joias: UANA, com seu universo estético e sonoro único, e Joyce Alane, que traz uma identidade original, fresca, e representa muito bem essa nova geração. E não posso deixar de falar da Caetana, uma cantora de voz belíssima, repertório amplo e presença marcante, que transita da música popular à percussão. Acho que um dos nomes que tem estourado localmente e que ainda vai crescer muito mais é Mago de Tarso!”
Shows: Baile da Brota (PE) convida MC Thammy, CIA La Mafia (PE); Clara Potiguara (PB); DJ Babatr (VEN); DJ Marky (SP); Don L (CE); Duquesa (BA); Gaby Amarantos (PA); Guerreiros do Passo (PE); holandês (PE); Isabella Lovestory (HON); Jambre (PE); Maiguai (COL); Mamba Negra (SP) convida Cashu, Kontronatura, Metalluna (PE); Maracatu Feminino de Baque Solto Coração Nazareno (PE); Pelados (SP); Roda de Sample (SP) convida Vintchen, Pedro Mooniz, L4ÍS e Iru Waves (PE); Samuel de Saboia (PE); Shevchenko (PE) convida MC Leozinho O General (PE); Terno Rei (SP); Urias (MG); Vera Fischer Era Clubber (RJ); Zaho de Sagazan (FRA).
Data: Sábado – 6 de dezembro de 2025
Local: Campus da UFPE – Recife / PE
Patrocínio: Natura, Prefeitura do Recife e Embratur – Cerveja Oficial: Heineken
Apoio: Livre de Assédio, Manifesto Ambiental, Feira Preta, Borsoi, Funarte e Ibermúsicas – Incentivo: PNAB PE – Secretaria de Cultura do Governo de Pernambuco
Evento organizado no âmbito da Temporada França-Brasil 2025: République Française, Institut Français, Instituto Guimarães Rosa, Ministério das Relações Exteriores e Ministério da Cultura – Governo Federal
Realização: Coda Produções e Instituto Cultural Coquetel Molotov
Ingressos à venda: A partir de R$ 100,00
https://shotgun.live/pt-br/festivals/festival-no-ar-coquetel-molotov-2025
Mais informações: @noarcm e site oficial
This post was published on 25 de novembro de 2025 7:33 am
O Circuito Nova Música, Novos Caminhos destaca sua missão de conectar artistas emergentes, promover circulação…
Gravar um disco sem a ansiedade inerente ao apelo de "ter que performar", em tempos…
A segunda edição da Curadoria de Palco conta com uma entrevista exclusiva com Pedro Barreira…
A Nova MPB trará conteúdos em micro-resenhas do que de melhor tem acontecido na música…
A Indie Neon BR traz conteúdos em micro-resenhas do que de melhor tem acontecido no…
De Carne e Flor é uma banda de post-hardcore formada em 2016, atualmente composta por…
This website uses cookies.