Lista

Nova MPB: Bemti, Siso, Tiê, Jota.pê, Meno Del Picchia, Sessa, D’Água Negra e mais!

A Nova MPB trará conteúdos em micro-resenhas do que de melhor tem acontecido na música brasileira. Singles, discos e novidades com o radar antenado do Hits Perdidos ganham o palco em um post informativo que acompanha sempre uma playlist!

Sobre a Nova MPB

A música brasileira em permanente reinvenção.

“Nova MPB” olha para artistas que transformam a tradição em novidade, misturando gêneros, territórios e experiências pessoais em obras que falam diretamente ao nosso tempo. Aqui cabe desde o samba torto até o folk psicodélico, passando por eletrônica, afrobeats, indie ou funk. Porque MPB é muito mais do que um estilo – e não parou na década de 70.


D’Água Negra lança “Sinal Vermelho Vidro Preto” e é destaque na editoria “Nova MPB” – Foto Por: @phdemi

Nova MPB #9

Jay Horsth “À Deriva”

Jay Horsth apresentou recentemente o single “À Deriva” que integrará seu álbum de estreia, O Velho, O Mar. O folk reflexivo permeia um momento de angústia vivido pelo músico durante o enclausuramento da pandemia, período em que o receio pelo futuro era um questionamento coletivo.

“Eu escrevi “À Deriva” em 2021, quando estava prestes a completar 30 anos. Era o meio de uma pandemia — sem palco, com uma dor constante no coração, ansiedade e medo do futuro. É uma música sobre se permitir perder-se, porque só se perdendo é que a gente realmente se encontra.

É curioso como essa música continua a me acompanhar, a conversar comigo, a permanecer atemporal. Hoje, aos 34 anos, novamente em outro país, novamente estrangeiro, novamente recomeçando. É bom poder abraçar aquele eu do passado e dizer:

“Segue firme, irmão. Vai dar tudo certo. Neste clipe visual da música, quis transmitir uma calmaria em meio ao caos — uma reflexão sobre a dor que passou e um sopro de otimismo sobre o futuro que vem pela frente”, revelou o artista durante o lançamento.



Bemti feat. Marissol Mwaba “Lua em Libra”

O mineiro Bemti abre os caminhos para seu novo álbum que chega logo ali em janeiro. Trocadilhos à parte com o trabalho anterior, o primeiro single, a ser revelado de Adeus Atlântico, “Lua em Libra”, tem a participação de Marissol Mwaba. Aliás, podemos adiantar que o vindouro trabalho contará com colaborações nacionais e internacionais. A tônica da fusão entre viola caipira, indie pop, sintetizadores e beats eletrônicos continuará, DNA que consolidou sua linguagem estética em Logo Ali.

“Conheci o Bemti através do Zé Manoel e quando ele me convidou pra participar da “Lua em Libra”me apaixonei pela melodia e harmonia. Mas por causa do meu histórico científico, demorei um pouco a me identificar com a letra, tomo muito cuidado pras pessoas não confundirem Astronomia com Astrologia…

Quando o Bemti me disse que a música tem um viés quase irônico, de falar sobre a necessidade de responsabilização das pessoas pelos próprios comportamentos (e não do signo como determinante de qualquer coisa), me apaixonei ainda mais pela música! Me impressionou a relação do Bemti com a Viola Caipira: quando eu descobri que várias coisas na música que parecem guitarra são, na verdade, a Viola, fiquei muito empolgada! Superamos várias barreiras de distância, ele gravou no Brasil e eu em Paris, mas parece que estamos cantando olho no olho. Foi muito bonito!”, revela Marissol sobre os bastidores do feat.

“Essa letra reflete algo recorrente em Adeus Atlântico: começa leve e, de repente, mergulha num devaneio existencial. Brinco com a ideia de culpar os signos por comportamentos emocionais imprevisíveis, mesmo sem acreditar em astrologia. É uma música pra quem é “imprevisível”, mesmo sem nada em Libra no mapa.”, comenta Bemti sobre as origens da composição.

Com tema leve e, ao mesmo tempo que reflexivo, o single retrata sobre os romances, seus percalços e desculpas quase prontas. A brincadeira com “a culpa é dos astros” revela a terceirização da culpa quando algo não atende as expectativas e premissas. Ignorando que uma relação é feita de pessoas e suas complexidades.

O que só mostra como a dinâmica descompensada das relações modernas precisa ser revista com urgência, na poesia de Bemti isso vira uma música pronta para personagem de novela das sete. Sua atmosfera indie pop nos remete a natureza de fácil assimilação de grupos como Beirut e Of Monsters and Men.

O disco tem direção musical assinada por Bemti, com produção dividida entre Luis Calil (Cambriana), Jojô Inácio (Catto), Francisca Barreto e Victor Kroner (Nina Maia), e masterização de Martín Scian, que assinou projetos de Ana Frango Elétrico (Me Chama de Gato Que Eu Sou Tua) e Rubel (Casas).

Clau Aniz “E olhar de longe as brasas que dançam na superfície”

A cantora e compositora cearense, Clau Aniz, apresenta o single “E olhar de longe as brasas que dançam na superfície” com referências de artistas como Gonzaguinha, Joana Queiroz e Georgia Anne Muldrow. A canção englobará um projeto maior, o álbum Mácula, que chegará ao mundo em março de 2026 via Mercúrio Música.

Chama a atenção o quão moderna é a sua estrutura, entre respiros e frequências, entre o jazz e o pulsar da música eletrônica. Tudo isso sem perder seu DNA brasileiro, entre batuques, guitarras e beats. Você sente toda a pulsação, sua dramaticidade, entre a falsa sensação de vazio do silêncio e o poder do que é dito e o que não é. Poética e transgressora, a faixa explora frequências capazes de dialogar até mesmo com o trabalho artístico de grupos como Radiohead.

Siso e Tiê “Sabiá Sabiá”

O cantor e compositor mineiro Siso está prestes a lançar o sucessor de Vestígios (2022) e a primeira mostra do novo álbum, o single “Sabiá Sabiá” é o resultado de uma parceria com Virgo Virgo e conta com a colaboração da cantora Tiê. Foi a partir de um conselho que recebeu em um momento de crise que deu asas a composição que serve como símbolo de encorajamento e esperança em tempos difíceis.

Esse empurrão serviu como motivação para transformar todo aquele sentimento em composições para todo o álbum. Essa simbologia e respiro, justificam a escolha para que a música que tem dinâmica de ser quase um mantra se tornasse fio condutor desta nova etapa da carreira de Siso. A mensagem central é a de que o desalento é passageiro e que as coisas hão de encontrar seu lugar de equilíbrio e valor.

“Fiz a letra e enviei para Virgo Virgo, talentosa cantora e compositora carioca, que logo me devolveu com uma canção formada, quase do jeito que é, ao mesmo tempo potente e delicada, de um jeito novo tanto para mim quanto para ela”, revela o músico.

Com piano no centro, os vocais se encontram feito as redes de apoio que construímos ao longo da vida para enfrentar os desafios que a própria vida nos proporciona. Os versos cantados de Tiê deixam isso explícito, mostrando como a espiritualidade, o apoio mútuo em tempos difíceis e a energia que colocamos nas coisas tem o poder de mudar perspectivas, cenários e destinos.

Jota.pê feat. YOÙN “Hibisco com Dendê”

Com produção de Felipe Vassão, Jota.pê apresentou a primeira faixa pós o ciclo de Se O Meu Peito Fosse O Mundo. “Hibisco com Dendê” é uma parceria com o duo fluminense YOÙN, formado por Shuna e Gian Pedro. O músico revela que a música nasceu da vontade de produzir junto.

“Essa composição nasceu da provocação da gente fazer algo juntos. Eu estava no Rio de Janeiro e os meninos me chamaram para o estúdio. A partir disso, a gente decidiu sair de lá com algo pronto.

O Shuna falou: “Cara, vamos fazer uma música para ouvir indo pro trabalho, algo para relaxar”. “Hibisco com Dendê” está neste lugar: um som para ouvir e ficar de boa, tranquilo. Tenho buscado cada vez mais fazer parcerias com artistas que admiro e que compartilham da mesma visão musical que eu”, conta Jota.pê.

Essa leveza de construir uma trilha sonora para tirar a cabeça dos problemas do cotidiano deixa tudo em uma frequência onde o groove, os melismas e os beats acabam se tornando protagonistas. Imagens de calor em Salvador e a simplicidade do existir ganham agora acordes e letra para cantar junto.

Felipe Neiva “Baby”

Quem volta a dar as caras em nova fase é Felipe Neiva em faixa que homenageia a cena de jazz de Niterói em uma canção que também conta com referências do soul, “Baby”. Com produção de Kiko Continentino, o lançamento está sendo realizado pela Cavaca Records e no exterior pelo selo europeu CONCHA (PT / NL). Atualmente residindo em Portugal, a faixa irá compor seu vindouro álbum que já tem nome, NiKitsch/ PopIshtar.

Na gravação, o músico conta com a companhia de um time de músicos composto pelos aclamados Alberto Continentino (baixo, guitarra), Jorge Continentino (flauta transversal) e Kiko Continentino (teclados). Entre as referências da nova fase imersa no soul estão nomes clássicos como Cassiano, Hyldon, Tim Maia e Luiz Melodia, e contemporâneos como Dagô Miranda, Waldir Santos, Frank Ocean e Solange.

“Nova cara, novos sons, novas parcerias, tudo novo, como um bebê”, comenta Neiva.

Essa mistura entre clássicos e os novos caminhos da música negra, com experimentações rítmicas, timbres e abertura do leque do seu repertório, é resultado do processo de pesquisa e refino estético do artista nos últimos anos e as novas oportunidades que pôde abraçar ao longo desta jornada de autoconhecimento e experimentação.

Meno Del Picchia e Marina Nemésio “Sentir que vai voar”

Com produção do Batata Boy, Meno Del Picchia apresenta parceria com João Menezes que virou feat com Marina Nemésio misturando elementos eletrônicos e orgânicos. “Sentir que vai voar” sai pelo selo Pequeno Imprevisto.

“A primeira vez que ouvi uma letra do João foi no disco do Bruno Berle (“Até meu violão”) e acho que suas composições são geniais porque ele consegue criar versos aparentemente simples, mas extremamente sofisticados – com a sugestão de acrescentar ou mudar uma única palavra, ele consegue ampliar o sentido da música. E os temas, mesmo quando parecem abstratos, tratam de questões que são universais”, diz Meno.

Foi um encontro no Centro da Terra, ainda em 2024, durante show do João Menezes e Marina Nemésio com participação especial de Meno que a faixa teve seu primeiro experimento. Nessa época, com a canção recém composta, mas ainda sem sua estrutura atual… para terem uma ideia, ela naquele momento não tinha sequer título e tampouco ganhado os elementos eletrônicos.

“É uma letra muito sensível, bonita, simples, direta. Sobre esse medo terrível que provoca todo e qualquer ser humano, e o esquecimento da coragem, que é companheira do medo. Para a gente viver um sonho, muitas vezes precisa do empurrão dessas duas forças, que vão clarear os desejos”, conta Marina.

É justamente esse convite para atravessar o mistério da vida com coragem, transformando o medo em impulso de liberdade que a música evoca. Se os receios ganham forma de fantasmas, nada como bater no peito e enfrentar os desafios, por mais difíceis que eles sejam.

J4ampa “Sereno”

O artista paraibano, J4ampa, está prestes a lançar seu novo álbum em dezembro. E o single “sereno” antecede esse trabalho maior. Esse teor dramático ganha contornos e narrativa intensa. Em meio a uma canção confessional com notas no piano e ambiências de um dia de chuva… entre memórias, desolamento e receios a incerteza do futuro.

“A música, e o álbum em si, virá como uma estética em alusão ao sofrimento reerguido. O processo entre o se conhecer e sair daquele mesmo buraco”, reflete J4ampa.

O músico adianta que o trabalho fará um mix de elementos do brega, indie e da música brasileira.

Antonio da Rosa Emocionado

Nascido no Rio de Janeiro, mas radicado em Maceió, Antonio da Rosa enfim apresentou seu álbum de estreia que suplica e provoca sobre se permitir sentir e vivenciar as emoções. Essa dinâmica acaba ganhando contornos em suas letras bastante diretas, entre lamentos e reflexões, com arranjos refinados de metais e explorando as nuances da música brasileira. A estética da música popular dos anos 1970 e 1980 recai como influência, até por isso, o apelo radiofônico e de fácil compreensão envolve o ouvinte, entre melodias, arranjos minimalistas e espírito cancioneiro.

Essa carga afetiva vai muito além das composições, mas se estende para um lugar de conforto para todos que cresceram ouvindo vinis clássicos nacionais. Principalmente de quem criou hábito ouvindo rádios deste nicho. Essa carga nostálgica aliada a produção refinada se fundem entre as referências múltiplas do repertório do músico.

Os sintetizadores, teclados, violão e grooves criam ambiências e esse transbordar além da superfície. A faixa título, inclusive, sintetiza o conceito do disco e os anseios que o levaram a construir essa narrativa. Equilibrando o peso das coisas boas e também não tão boas da vida. Neste som ele confessa que foi beber de uma gama de artistas que vai de Parcels a Jorge Vercillo.

Não é por acaso que o funk dos anos 70, o indie rock, o jazz, o folk, a psicodelia e até mesmo a new wave fazem acenos entre as referências que marcaram o espaço e o tempo em que o músico foi mergulhar para expandir seus horizontes musicais.

“É Uma Pena Amor” e “Tudo em Canção”, por exemplo, tem referências claras a obra de Djavan. Já “Distância Pra Terra”, além da participação de LoreB, nos vocais, é influenciada por Rita Lee. “Tudo de Melhor Agora” foi inspirada em Roberto Carlos em sua fase setentistas e conta com um quarteto de violinos regido pelo maestro Luiz Martins. A faixa é uma parceria entre Antonio, Vitor Barros e Larine.

“Não é só transbordar aleatoriamente. É, na verdade, entender que somos mediados o tempo todo por questões emocionais. É impossível dissociar as coisas, e eu poderia até dizer que primeiro a gente sente algo para depois racionalizar. E eu acho que a música permite isso, porque a canção tem uma força muito grande em traduzir sentimentos que muitas vezes a gente não consegue falar”, reflete Antonio

Emocionado foi produzido por Thiago Mata e Nayane Ferreira no estúdio Maná Records, em Maceió, e mixado e masterizado por Diego Oliveira.

Sessa Pequena Vertigem de Amor

Às vezes precisamos desacelerar e poder comparecer a uma audição de disco em meio ao ritmo desenfreado de uma cidade como São Paulo ainda é dos privilégios de quem escreve sobre música pode usufruir. Esse tipo de experiência onde temos contato com o artista e seu entorno muitas vezes quebra aquele distanciamento entre escuta externa e obra.

E poder ver Sessa comentando sobre o que o moveu neste momento que abrange Pequena Vertigem de Amor fez toda a diferença. Se o disco anterior falava sobre desejo carnal e suas diversas possibilidades, esse novo material nos guia para as transformações e mudanças na rotina de que a experiência ser pai presente implica.

Esse lado sereno revela um processo que faz com que, quando ele coloca a tinta da caneta no papel para escrever, entenda o peso e a importância de colocar em palavras todo esse novo fôlego que serve como combustível para viver. Tendo em vista toda responsabilidade e afeto que agora o acerca, e o motiva, em ser cada vez um ser humano melhor. A forma de expressar pela música como extensão do seu papel no mundo. Sua poesia é direta, sintetiza o disco em vários momentos em estrofes em que diz abertamente que “viver vale a pena” e que independente dos percalços das “pedras pelo caminho” tudo tem seu propósito.

O disco tem seus mistérios, acasos, encontros musicais e versatilidade. Talvez, permitir-se vivenciar esse sossego também transborde em você durante uma escuta mais atenta. Não é por acaso que “Revolução Interior”, talvez das mais marcantes, e escolhida para encerrar o disco, tenha ambiências e sensações tão intensas como se voltássemos para onde tudo começou. Entre o infinito do universo, retratado em sua capa, como nestas pequenas revoluções solares que temos ao longo desta grande viagem intergalática que chamamos de vida.

Pequena Vertigem de Amor faz com que nos desconectemos por alguns instantes da velocidade, e superficialidade, do cotidiano e nos convida a brindar nossas pequenas e grandes transformações… que são muitas vezes silenciosas e resultados de longos processos. Seja ele de interiorização através da meditação ou necessidade de mudança de rotação. Cada momento exigindo naturalmente uma frequência diferente feito um disco de vinil.

“As músicas são um misto de crônicas pessoais e meditações silenciosas sobre a vida diante das mudanças, de vivenciar algo tão grande que você percebe a insignificância do seu tamanho no espaço e tempo. Pela primeira vez eu vi a música ocupar um lugar menos central na minha vida”, comenta o artista sobre a amplitude da obra e o momento de vida. 

Sessa revela que inspirações e influências do soul que vão de Shuggie Otis a Roy Ayers e Sly Stone passando por Erasmo Carlos, Tim Maia e Hyldon. Sambas antigos, bossa nova, jazz entre outras referências já exploradas em seus registros anteriores, claro, ainda se fazem presentes em sua paleta sonora. O terceiro álbum de estúdio, lançado pelo selo estadunidense Mexican Summer, foi gravado em fita magnética no Estúdio Cosmo, fundado junto com Biel Basile (O Terno).

“Tenho uma teoria que a música que você se apaixona quando é adolescente marca a sua alma para sempre. Eu escutava pilhas e pilhas de discos clássicos de soul de 45 polegadas e uma hora percebi que não seria aquele tipo de músico “funky”, então decidi assumir o meu jeito torto de tocar junto ao que é inerente à minha criação e estudos em música brasileira”, conta o artista.

Lorena Moura Mata-Leão

Com produção de Paulo Emmery e co-produção de Antonio Fischer-Band, a carioca Lorena Moura apresenta seu álbum de estreia, Mata-Leão, via Cavaca Records. O material conta com letras assinadas pelo poeta, compositor e historiador da arte Luca Fustagno.

Entre referências literárias da obra estão autoras como Adília Lopes e Hilda Hilst, entre grandes nomes da música brasileira como Guinga, Hyldon, Angela Ro Ro, Evinha e Rita Lee, e contemporâneos como Ana Frango Elétrico, Bruno Berle e Dora Morelenbaum.

“Mata-leão é uma técnica de estrangulamento das artes marciais, mas aqui o relacionamos ao ditado popular que prescreve “matar um leão por dia”, ou seja, superar desafios hercúleos diariamente. Em Mata-Leão, o álbum, os desafios são os dias em si. Dias com cara de fim dos dias, que confrontam os personagens das músicas e a própria voz que os canta”, explicam, juntos, Lorena e Luca.

Os mistérios, os acasos, a hipérbole da vida, entre momentos de melancolia, escape, sedução e intensidade, se diluem nos versos ao longo da obra que destila emoções, entre melodias serenas e apelo pop. Entre a calmaria, a plenitude, às luzes da noite e o ritmo desvairado de quem vive e não deixa de destilar seus sentimentos, o disco tem momentos de contemplação, entre pianos, vocais sussurados e ambiências para falar sobre toda a intensidade do que vem de dentro. Um exemplo disso vive na contemplação de canções mais densas, como, por exemplo, na execução da confessional “Elise”.

Não é um disco linear. Assim como a vida, deixa esses aclives, suspiros e emoções, para serem sentidas entre frequências leves, ambiências, contemplação e o ruído de um rádio antigo sendo tocado em uma tarde qualquer de uma segunda-feira. Os desejos e referências a Rita Lee aparecem de cara em faixas como “Perigo”.

Esse lado confessional e abertamente apaixonado ganha acordes de nylon e sopros em frequências mais baixas, como é o caso de “Tripulação/Eu”. Ouvir tomando um café enquanto tenta fugir um pouco da rotina, entre um disco da Marisa Monte e um da saudosa Gal Costa, é uma boa forma de apreciar a obra da jovem artista.

D’Água Negra Sinal Vermelho Vidro Preto

O tempo passa muitas vezes num espaço onde acontece tanta coisa nos atravessa que nos perdemos um tanto pelo caminho. Para mim, nem parece que Erógena, ótimo EP de estreia dos manauaras da banda D’Água Negra já completa quatro anos.

SINAL VERMELHO VIDRO PRETO, disponibilizado pela dobra discos, com produção de Daniel Brita, marca a nova fase artística e faz uma boa salada no que diz respeito a forma de construir pontes entre a música contemporânea e o cotidiano. Com DNA brasileiro, o novo trabalho do trio incorpora referências de jazz, rock, soul, trip-hop, eletrônica e poesia.

Falar sobre o local mas se sentir interconectado com um país de extensão continental fazem parte do entorno do disco. Essa tensão é o fio condutor da estreia do trio formado por Bruno Belchior, Clariana Arruda e Melka Franco. As pontes e conexões que só as artes podem fazer se estendem para a sua narrativa de forma ampla. Entre a poesia e as soluções sonoras, entre beats e referências literárias, a urgência de transformar essa erupção de sentimentos em algo minimamente tangível é perceptível.

“Corpo Quente” é um excelente exemplo, entre as trocas e fusões sonoras exploradas ao longo da odisseia sonora, as ondas eletrônicas, o groove, as quebras rítmicas, os vocais incandescentes se fundem a teclados que parecem saltar… entre sopros e a liberdade de quem nem por um segundo parece pedir passagem, apenas ocupa o espaço que lhe cabe.

É justamente no cotidiano e na expansão do universo de interconexão entre as artes que novas pontes são construídas conectando Manaus a Londres, ou onde eles permitirem que o som pode chegar. Um exemplo disso é “Underwater Love” que ao mesmo tempo que transborda o calor das ruas do Brasil se conecta com o trip-hop surgido no outro lado do oceano.

Harmonias, texturas, desabafos, hiperconectividade e a diminuição de fronteiras invisíveis permeia a obra que não vê limites por onde os grooves podem nos levar. Seja em uma faixa mais lisérgica, em uma timeline que contempla um futuro possível, ou retornando as origens do que te faz correr atrás dos sonhos. É um alento para quem anseia por se conectar independente de quanto tempo isso seja necessário. Seu brilho está justamente nos detalhes e no refino de um disco que te convida para a pista de dança, entre delírios, epifanias e verdades intrínsecas.

Abacaxepa Antes que você se esqueça

No dia 23/10 foi a vez da Abacaxepa apresentar Antes que você se esqueça. Entre suas referências, o material mira na “Era de ouro” da música brasileira e latino-americana dos anos 1970 e 1980, aliadas a música do nosso continente e o rock. O álbum tem produção de Zé Nigro e participações especiais das artistas como Alessandra Leão (em “Rotina, Qualquer Canto”) e Cátia França (em “Onça”).

Em sua formação o grupo é formado por três vocalistas, Bruna Alimonda, Rodrigo Mancusi e Carol Cavesso; quatro instrumentistas, Vinicius Furquim (teclados e vocais), Ivan Santarém (guitarras), Fernando Sheila (baixo), e Juliano Veríssimo (bateria). 

Temáticas como a passagem do tempo, a identidade, o amor e a existência como resistência permeiam a obra, entre coros, misturas rítmicas, os descompassos, os encontros e os desencontros da vida. Os grooves são as marca da melodramática e ácida “Marina”, já “Daria Tudo” é uma lambada confessional repleta de sofrência, psicodelia e elementos de dub, o que popularmente chamamos de brega. Ritmo este que ganha ainda mais lastro em “QUALQUER CANTO” em meio a arte da sedução.

Se a Francisco, el Hombre, já tinha a preocupação de diminuir as fronteiras entre o Brasil e a América Latina hispânica, “Uma Canção em Portunhol” vai pelo mesmo caminho e intercala trechos em português e espanhol, brincando com o idioma mais cultivado pelos brasileiros quando tentam se conectar com seus conterrâneos de continente. Até mesmo o rock’n’roll com um viés nostálgico aparece já no fim do disco em “Rock Rural” com uma atmosfera setentista repleta de grooves e timbres na guitarra para retratar o movimento de quem vem do interior para tentar a sorte na cidade grande. Um disco que diminui frequências, por muitas vezes, para estabelecer conexões verdadeiras. 

Playlist: Nova MPB

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This post was published on 17 de novembro de 2025 7:30 am

Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

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