O Nó de Belo Horizonte chega a São Paulo
Há pouco menos de três meses foi lançado um debut muito significativo aqui em Belo Horizonte. Um disco de estreia de dois primos naturais do interior de Minas que conquistou e vem conquistando um espaço forte na cidade, e aos poucos no país. Se trata de Aproar, disco do duo Nó, de Caio Tavares e Rodrigo Leão, que se apresentarão na Boca Cultural, em São Paulo, no dia 05/12, quinta-feira.
Caio e Digo (apelido de Rodrigo) compõem desde novos, inspirados pelas reuniões familiares regadas à música na capital de Minas ou em Córrego Danta, cidade de origem dos dois… mas só em 2022 resolveram registrar suas parcerias. Digo, que é muito fã da banda Moons, sugeriu que os dois procurassem Bernardo Bauer e Felipe D’Angelo (integrantes da Moons), que tinham acabado de abrir um estúdio e estavam gravando e produzindo projetos de terceiros, o Cais Estúdio de Música.
Juntaram-se então as duas duplas, Caio e Digo de um lado, Bernardo e Felipe de outro, no que começou como uma gravação descompromissada, para a família ouvir e terminou como uma produção invejável, profissional e promissora.
Foi aí que o caminho do Nó e o meu se cruzaram. Desde o final de 2022 eu frequento o Cais, estúdio de Bernardo e Felipe, gravando aos poucos o que viria a ser meu EP Indie Hippie Retrô Brasileiro, e em algum momento de 2023 um tal de Caio veio falar comigo, por indicação do Bernardo, que sacou nossas influências em comum da Bossa Nova e pensou que seria legal a conexão, acertou em cheio. Desde então eu acompanhei de perto a produção desse álbum, desse nó na cena de BH, que você vai poder conhecer no dia 05 de dezembro aí em São Paulo, na Boca Cultural, com Nina Camillo e Ítallo França.
O nó na cena e o álbum Aproar
Certas coisas me vêm à cabeça toda vez que eu ouço esse disco, fico pensando muito no contexto dos autores, na coletividade envolvida no produto final e, especialmente, na sonoridade. Respectivamente, Caio e Digo, o contato (e tudo que desenrolou desde então) com Bernardo e Felipe e por fim o álbum criado, vou compartilhar com vocês nessa ordem, simbora.
Acho que muitos artistas podem estar lendo, mas mesmo quem não for vai sacar o sentimento. O sentimento de lançar uma música pela primeira vez, ouvir uma música sua mixada pela primeira vez, mostrar pros seus amigos, botar na roda, entrar na cena, conhecer a turma. Levanto essa bola porque é muito massa ver esse sentimento nos olhos dos meninos, do Caio e do Rodrigo. Você que tá lendo agora talvez não posso olhar diretamente, mas pode ouvir ‘’Sonhos e Encontros’’, penúltima faixa do disco, aí você ouve e me conta.
As impressões da estreia
Bonito demais ver essa estreia dos dois. Dois primos de família do interior, mineiros da gema, fãs de música brasileira (da velha e da nova), preocupados ali com as letras, com as progressões de acordes e, ao mesmo tempo, dois caras ‘’aleatórios’’, no que diz respeito a cena, mercado, etc., que resolveram mostrar ao mundo as músicas que faziam juntos.
E especialmente emocionante é essa aleatoriedade (ou alinhamento cósmico premeditado pelas entidades lunares) de um deles ser fã de uma banda local chamada Moons, e optarem por seguir esse sonho justamente quando dois membros da Moons acabam de abrir um estúdio e agenda para gravações e produções.
Foi o Digo que tomou essa frente e deu um alô no Instagram do Cais Estúdio de Música, atendido pelo produtor e também head de comunicação do estúdio Bernardo Bauer, e daí pra frente foi muito pra frente mesmo.
Do outro lado dessa ponte que Caio e Digo atravessaram estavam Bernardo Bauer e Felipe D’Angelo prontos para recebê-los. Os dois tocam juntos na Moons desde 2017, se não me engano, esbanjam entrosamento e transbordam inspiração nos projetos que assumem em seu estúdio em conjunto, isso falo de experiência própria. E, se não me engano também, o Nó foi o primeiro projeto de noviços na música que o Cais pegou, a primeira estreia artística do estúdio, e o cuidado envolvido é evidente.
O Aproar do disco
O que eram no começo apenas algumas músicas dos primos virou um EP, entraram parcerias com os produtores, virou álbum, e diz que nem lançaram tudo no Aproar! Bauer e D’Angelo levaram as letras e progressões de Caio e Digo para outro patamar com arranjos elegantíssimos, sonoridades sinestésicas e conexões fundamentais.
A dupla de produtores indicou músicos de vários cantos de Belo Horizonte para somar no projeto dos primos de Córrego Danta, e isso para mim é o que justifica uma ótima coincidência.
O nó feito por esse projeto, que propõe um cancioneiro mais pra popular tradicional brasileiro (samba, bossa, baião, etc.), que vem dos autores, entrelaçado com a psicodelia indie mineira, que vem dos produtores, com a qualidade de lendas do instrumental belorizontino como a baixista Camila Rocha, o baterista Marcelo Dai, Pedro Mota e seu trompete e mais diversos músicos consagrados na rica cena de Beagá – que configuram entre os melhores músicos do país. Tudo isso ainda somado com artistas emergentes da cidade e do Brasil, seja nos backings e instrumentais ou ainda em featurings. É um nó atado, e o resultado de toda essa junção é um espetacular disco de estreia.
A acessibilidade do disco d’O Nó
E por fim, Aproar, um disco que enche um ouvinte de música de esperança, um trabalho rebuscado, extremamente acessível e, embora ancorado na MPB, definitivamente nada saudosista e muito menos conformado. O álbum abre com “Certas Coisas” e vai direto ao ponto em sua manutenção da instituição ‘’canção brasileira’’, misturando acordes de Djavan com ritmo pop, com baixos e teclados groovados e elegantes.
Elegância essa que transborda em ‘’Desencaixe’’, com uma cozinha com baixo acústico digna de um clube de jazz, luz baixa, olhares intensos. ‘’Nosso Amor’’ dá um tempero muito especial ao disco, a mão de Bernardo e Felipe fica clara nessa música que lembra bastante grandes sucessos do Moons e me fazem morrer de gratidão por ter gente bebendo dessa fonte, agora que a banda acabou, a psicodelia suave no indie mineiro é uma das coisas mais lindas que tem no indie nacional.
“Remanso” é uma faixa minimalista que dá uma aula de canção, é na voz e violão que a gente vê quem caneta mesmo, essa é digna de ser ouvida junto com canções da Dora Morelenbaum, Ítallo França, dessa turma.
Os pontos altos da estreia d’O Nó
“Acidental’” é minha favorita do disco, é uma ótima mistura com direito a guitarra distorcida no refrão, somada a coros tão pontuais e melodias nada óbvias. “Sem Direção’” com a ilustríssima Nina Camillo tá na turma das músicas do Caju da Liniker que machucam quem tá solteiro… ouço essa música e da vontade de dançar na sala com aquele alguém especial.
Mas essa vontade passa rapidinho porque “Meu Coração Não Aprendeu Nada” já joga sob o ouvinte a linda e triste melancolia da desilusão, shoot out para a participação de Octávio Cardozzo no vocal, que intensifica bem o sentimento. “Motriz” e ‘’Sonhos e Encontros’’, por sua vez, são canções sobre o fazer artístico que inspiram muito, recomendo em especial a todo artista que esteja lendo agora. E, por fim, “Lunar” volta com o clima de romance e termina o álbum com o astral lá no alto.
É um baita disco, sério. Uma aula de arranjo, vozes de se arrepiar. Digo é um ótimo compositor e as letras do Caio são o suco do romance. Você lendo aí viu que eu tenho muito a falar sobre, mas ouve o álbum uma vez que seja e verá que o que falei foi pouco até.
E quem for de São Paulo, vai conhecer os meninos no Boca Cultural, dia cinco de dezembro, quinta, em show com apresentações do Ítallo França e da Nina Camillo!
Serviço Nó em São Paulo
Duo Nó (BH) mais Ítallo França e Nina Camillo no Boca Cultural
Quinta-feira (05/12) 21h
R. Jesuíno Pascoal, 77 – Consolação, São Paulo
Ingressos: A partir de R$30,00 via Sympla