Sleaford Mods faz show visceral em sua primeira vez em São Paulo
Marcado pela pontualidade inglesa na tarde do feriado de finados, em mais uma produção da Maraty, que já trouxe para o país nomes como The Brian Jonestown Massacre, Hermanos Gutierrez, Lightning Bolt, L7, Black Flag e Peter, Bjorn and John, subiram ao palco do Carioca Club o Sleaford Mods e o Black Pantera.
Como não podia deixar de acontecer, o dia de finados em São Paulo começou chuvoso, nublado, mas não o suficiente para causar grandes prejuízos, como uma grande queda de luz que aconteceu nas últimas semanas na cidade.
O público foi chegando aos poucos a casa de shows de Pinheiros, onde é possível assistir uma apresentação de uma banda de post-punk e horas depois um show de forró.
Black Pantera
Formado pelos irmãos Charles Gama (vocal e guitarra) e Chaene da Gama (baixo), além do baterista Rodrigo Pancho, o Black Pantera subiu no palco com o desafio de apresentar seu som para um público que não os conheceria de outra forma. Com carisma e uma missão em mãos, o trio de Uberaba (MG), começou a introduzir aos presentes suas canções de cunho antirracista e antifascista.
A princípio a ideia era focar o repertório nas canções no álbum Perpétuo, lançado neste ano. O show ainda contou com a estreia nos palcos do single “Candeia”, disponível nas plataformas desde a sexta (01). O som da casa estava muito redondo para os padrões que estamos acostumados no Brasil, o que fez com que a minha memória negativa do show no Tendal da Lapa, de 2022, fosse dizimada.
Com letras com cunho político, social, com direito a relatos sobre preconceito e vivências dolorosas, o trio esbanjou carisma em diversas horas. Desde perguntando quem já ouviu o novo disco, como também quem estava os assistindo pela primeira vez, apresentando, assim, o contexto da sua existência e executando o som no talo sem tempo para firulas.
O impacto
Foi interessante ver um público mais velho do que o habitual em shows independentes gostando do que estavam vendo e dando lastro para as falas de peso ecoadas por Charles. Ao fim do show ouvi um fã de Sleaford Mods até dizer “que legal ver uma banda assim, ver que ainda existem bandas de rock”. Essa conquista é da curadoria do André Barcinski e do Leandro Carbonato, uma mistura à primeira vista improvável, mas que teve aderência do público.
“Fogo nos racistas” teve trecho de “Olho de Tigre” do rapper mineiro Djonga, com direito a pedir para o público se agachar para pular ao comando. Eles ainda fizeram uma pequena homenagem ao rei do pop Michael Jackson.
Outro momento marcante foi em “Tradução” faixa composta para a mãe e que eles fizeram questão de falar que é uma canção para todas as mães que batalham diariamente por seus filhos (muitas vezes tendo hora para sair, mas não para voltar como entoa o refrão).
A estreia de “Candeia” foi filmada pela equipe do banda e “Revolução é o caos”, talvez a faixa com mais referências de Ratos de Porão dos mineiros, teve um pedido para abrir a roda. Esta que foi tímida, é bem verdade, mas que ajudou a deixar um impacto para quem estava assistindo pela primeira vez o trio. Desafio vencido com sucesso.
Sleaford Mods
Falar em pontualidade inglesa seria pouco para o que o Sleaford Mods fez. A verdade é que o duo de Nottingham, em atividade desde 2007 e com 12 discos de estúdio, formado por Jason Williamson e pelo beatmaker e produtor Andrew Fearn, começou seu show até antes do previsto. Para ser mais exato, 3 minutos antes das 19h15.
A vinda é marcada pela promoção da turnê do álbum UK Grim (2023) este com produção do próprio Andrew Fearn e participações especiais de Florence Shaw (Dry Cleaning) e Perry Farrell e Dave Navarro (Jane’s Addiction).
Embora há muitos anos em atividade, o sucesso do duo com a crítica é recente. Spare Ribs (2021) caiu no gosto dos veículos, mas seis anos antes disso Iggy Pop já havia escolhido o disco de 2015 (Key Markets) como um dos melhores do ano. Além, é claro, do icônico vídeo da cacatua que causou o hit viral (“Tweet Tweet Tweet”) ter dado aquela senhora força. Em tempos de TikTok todo empurrão é bem-vindo, não é mesmo?
“Não há uma música ruim desses caras. Todo groove e todo vocal tem uma sonoridade que eu realmente gosto. As composições são precisas. Eu gosto da energia deles, gosto de pessoas que falam as coisas de forma real, e os fãs os adoram. É isso que importa”, Iggy Pop comentou em seu programa na BBC Music
A verdade é que assim como Iggy Pop, Jason Williamson é um personagem daqueles que parece ter saído de uma história em quadrinho. Tamanho o carisma, tamanha a expressividade e capacidade de conduzir o público.
Independente do que faça, de fazer barulho com a boca, engolir o microfone, fingir estar realizando atos libidinosos ou tentando seduzir com o olhar, jogo de língua ou fazendo dancinhas no melhor estilo “ninguém está me vendo, posso ser quem eu sou”, você fica hipnotizado do começo ao fim. Por diversos momentos, ele até parece imitar a tal da cacatua de Iggy, algo que chega a servir como uma espécie de alívio cômico durante a apresentação.
Em uma das canções com participação de Amy Taylor, do Amyl and The Sniffers, que tem show programado para o ano que vem no Brasil, o energético vocalista faz questão de citar e agradecê-la. O que mostra como o cenário punk no exterior continua unido, algo importante se tratando de uma banda australiana em ascensão.
Minimalismo, irreverência e carisma
O show em si é completamente minimalista, enquanto o DJ solta o beat e vai dançar no freestyle, Jason faz seu show a parte. Ele provoca o público e assim como Iggy, não consegue ficar sequer um segundo parado. Com apenas 15 minutos de show, e sem parar, a intensidade faz realmente com que seja possível encaixar 26 músicas em um set de 1 horas e 32 minutos.
Se quem olha as garrafinhas de água no palco pensa que ele bebe muito durante o show, se engana, ele prefere performar com elas, colocando inúmeras vezes elas sobre a cabeça como se estivesse (mais uma vez) imitando a tal cacatua do seu ídolo (que também é seu fã).
O recém-lançado cover para “West End Girls”, que ganhou uma roupagem toda diferente, debochada e grime, aparece no show bem mais fiel a original do Pet Shop Boys, mas não pense que sem a personalidade transgressora e única do músico. Ele faz passinhos, entra no espírito da discoteca e parece se divertir como se estivesse em um karaokê do bairro da Liberdade.
Em raros momentos, Williamson, de 53 anos, sai do personagem e sorri para o público. Deixa todo aquele personagem casca-grossa cockney fã de Wu-Tang Clan (e de The Meteors que tem até mesmo uma tatuagem na perna) para mostrar um lado doce, gentil e receptivo.
É nesses momentos que vemos como a música transforma e emociona. Quando chegou a vez de apresentar seu hit viral, Jason agradece pelo convite de vir a bonita cidade (e belo país) – em suas próprias palavras – e se empolga ao ver o público murmurar a base de programação da música. Eles saem do palco e o público continua a entoar seu instrumental. O músico faz questão de descer para o segundo nível do palco para cumprimentar os fãs e se despede por volta das 20h40.
Saldo positivo
O fato do show começar cedo, algo bem diferente do que acontece em casas como o Cine Joia, foi um fator que agradou bastante os presentes e que deveria virar padrão. Principalmente em shows de nicho em uma cidade repleta de eventos como São Paulo. Quem foi pode ir e voltar de metrô com tranquilidade sem grandes problemas – e para os mais animados, emendar o rolê.
Setlist Black Pantera
Provérbios
Padrão é o caralho
Dreadpool
Boom!
Perpétuo
Ratatatá
Fogo nos racistas (com trecho de “Olho de Tigre” do DJONGA)
Tradução
Fudeu
A Horda
Mahoraga
Candeia (Estreia)
Revolução é o caos
Setlist Sleaford Mods
UK GRIM
Kebab Spider
Jolly Fucker
A Little Ditty
Air Conditioning
Force 10 From Navarone
Spare Ribs
TCR
Tiswas
Git Some Balls
Smash Each Other Up
Tilldipper
Mork n Mindy
B.H.S.
Stick in a Five and Go
Fizzy
Keep Out of It
You’re Brave
The Corgi
On the Ground
West End Girls (Pet Shop Boys cover)
Tarantula Deadly Cargo
Nudge It
Tied Up in Nottz
Jobseeker
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