Nacional

Desirée Marantes: “A música sempre serviu como automedicação para mim e vejo que mais pessoas têm se dado conta desse papel”

Compositora, arranjadora, produtora musical e multi-instrumentista, Desirée Marantes é figura carimbada da cena paulistana de música independente. Criadora do projeto Harmônicos do Universo, ela também integra o Hikikomori, ao lado de Sara Não Tem Nome e já colaborou ao lado de artistas como Dinho Almeida (Boogarins) – no qual tem o duo Dinho&Desi Saskia e PAPISA.

Nesta quinta (01) ela dá talvez o passo mais significativo, e corajoso, de sua carreira ao assinar um projeto solo com o seu próprio nome e sobrenome. Com um nome para lá de poético, como ela mesmo revela em entrevista exclusiva para o Hits Perdidos, Breve compilado de músicas para _______ conta com 4 faixas bastante sensoriais que nos conecta com outros planos. Sejam eles espirituais, imaginários ou neurais. Tudo depende do quão o ouvinte se dispõe a interagir.

A poesia por trás da imersão sonora

Sua linguagem nativa para se expressar é a música instrumental e a música como ponto de partida para a cura.

“Só que depois de me dedicar por muitos anos a esse tipo de construção coletiva, eu finalmente percebi que precisava fazer as músicas que eu gostaria de ouvir. E, embora eu goste muito de vários estilos musicais e vários tipos de composição, a música instrumental sempre vai ter um espaço especial para mim, eu não sou uma pessoa que conversa muito, sempre achei que é complicado achar as palavras para se comunicar e quando comecei a estudar música eu entendi que preferia muito mais me comunicar por notas do que com palavras.”, conta a artista

O EP está sendo lançado em conjunto pelos selos Quarto Mágiko e Grão Pixel, tem participações especiais de Fernanda Koppe (Mulamba), que toca o violoncelo em “Ver o Sol Por Trás das Nuvens”, e com o duo Carabobina em “Quando Magma Vira Lava” – com vozes de Alejandra Luciani e sintetizador de Raphael Vaz.


Desirée Marantes lança EP com participações de Dinho Almeida (Boogarins) e Fernanda Koppe (Mulamba) – Foto Por: Gabriela Deptulski

Entrevista: Desirée Marantes Breve compilado de músicas para _______

Você já tem uma longa estrada como instrumentista e em projetos musicais, tendo realizado diversas parcerias ao longo dos anos, mas só agora você decide assinar um projeto com o seu próprio nome e imagino que isso tenha um peso ainda maior do que tudo que já fez até aqui. Como foi esse momento para você?

Desirée Marantes: “Está sendo um longo processo, eu sempre tive um espírito muito ligado à construção coletiva e eu gosto muito de colaborar com pessoas e grupos, gosto de sugerir caminhos que possivelmente não seriam trilhados caso eu não estivesse ali mas também tem um processo de aprendizado onde você também aprende a acolher a visão das outras pessoas e eu considero isso um grande presente, existem poucas coisas que eu valorizo mais do que aprender coisas novas e isso não vai mudar em mim, já to com um projeto novo com o Dinho Almeida, do Boogarins (o duo Dino&Desi).

Só que depois de me dedicar por muitos anos a esse tipo de construção coletiva, eu finalmente percebi que precisava fazer as músicas que eu gostaria de ouvir. E, embora eu goste muito de vários estilos musicais e vários tipos de composição, a música instrumental sempre vai ter um espaço especial para mim, eu não sou uma pessoa que conversa muito, sempre achei que é complicado achar as palavras para se comunicar e quando comecei a estudar música eu entendi que preferia muito mais me comunicar por notas do que com palavras. Eu realmente acredito que se todas as pessoas do mundo tivessem a experiência de tocar algum instrumento musical, seríamos seres bem melhores.”

Ao ouvir as quatro faixas eu senti que realmente tem uma conexão espiritual nos arranjos, e ao notar isso, apaguei as luzes para ouvir de olho fechado e meditar. Como foi para você desenvolver as sequências harmônicas para alcançar esse plano de se conectar com as próprias emoções?

Desirée Marantes: “Tocar e compor sempre foi (e é) a maneira como eu consigo lidar com o mundo e todas suas incongruências. Achei muito interessante a pergunta, pois sempre encarei minha relação com a música como algo que me conforta e me dá esperança, mesmo que essa esperança transborde melancolia, eu sempre coloquei para mim que gostaria que minhas composições causem algum tipo de reação em quem as escuta, porque eu sou uma pessoa insuportavelmente auditiva e escutar/tocar/compor música é algo que me afeta fisicamente e espiritualmente então, em busca de criar uma conexão com outras pessoas, acho que eu tento transmitir algumas das sensações que eu sinto e algumas que eu gostaria de sentir.

Para mim é, sem dúvida, uma maneira de automedicar e cuidar desse lado espiritual, praticamente uma experiência religiosa. Mas enfim, cada um com seu lado místico né, e tomara que mais pessoas sintam alguma coisa escutando o EP, mas se não sentirem nada acho que pode ser uma prova que essas pessoas tem um coração de pedra e foda-se elas. :)”

Você diz sobre o feedback que te dão dos teus outros projetos encaixarem como uma luva em trilhas de filmes. Mas nesta nova odisseia, que história quis contar?

Desirée Marantes: “Eu acho que comparar música instrumental com trilha de filmes é uma descrição lógica e de certa forma, uma saída fácil. Mas entendo, entendo muito porque nós fomos, ao longo do tempo, transformando o papel da música, de ser um catalisador de encontros e trocas de experiências para ser algo que é consumido de maneira individual. Então acho que perdemos muito dos aprendizados que poderiam existir.

Várias tecnologias nos levaram a esse lugar, mas também acho que o fato que vivemos em um mundo onde o sentido mais privilegiado é a visão e a audição não é tão valorizada, acaba que boa parte da imaginação das pessoas acaba sendo usada para imaginar algo visualmente e não auditivamente. Ou simplesmente se deixar levar pelas frequências e sentir.

O que é uma pena, pois o primeiro sentido que desenvolvemos enquanto ser humano é a audição, antes de nascer a gente já escuta várias coisas. Esse é um sentido que deveria ser mais compreendido e valorizado, até porque a gente escuta com o corpo inteiro, não só com os ouvidos.

Eu acredito que esse consumo individual e hermético (gente, não é uma crítica tá, eu só saio na rua escutando música com fone de ouvido) acaba enfraquecendo a nossa relação com a música, acaba deixando de lado inúmeras subjetividades que poderiam apurar nossas percepções sensoriais.

Essa resposta está praticamente um manifesto, mas resumindo, eu quis contar a história que quem escutar quiser ouvir. Algo que convide os ouvintes a imaginar alguma coisa, mas, ao mesmo tempo, não ser o tipo de música que existe como um plano de fundo enquanto uma cena visual acontece, mas sim algo que existe e se completa por si só.”

Como foi para você juntar as parcerias e como sente que somaram as tuas ideias?

Desirée Marantes: “Nessas 4 músicas, uma tem a participação do Carabobina, duo da Alejandra Luciani e do Raphael Vaz (também conhecido como Fefel do Boogarins) e em outra música, quem participa é Fê Koppe, violoncelista. Eu conheci a Alejandra e o Raphael, em 2020, quando aconteceu de morarmos na mesma rua e nos tornamos grandes amigos.

Na mesma época eu trabalhei com a Sara (Não Tem Nome) não tem nome no disco A situação e a Alejandra trabalhou junto com a gente. O processo de mixagem do disco da Sara, feito com a Ale, foi espetacular e a partir dali eu, que já estava trabalhando em compor e gravar e decidida a lançar um trabalho solo, cheguei a conclusão que queria fazer a mixagem dessas músicas com a Alejandra.

“Quando Magma vira Lava” acabou sendo uma parceria não planejada, mas muito bem-vinda. Eu adoro as músicas (e as pessoas) do Carabobina, e quando estávamos fazendo a mixagem dela, eu sentia que faltava alguma coisa, mas não sabia o que. E lá estava eu, tentando decifrar o que faltava na música, suspeitando que precisava mudar alguma coisa nas frequências graves, quando a Ale vira pra mim e fala “Por que você não chama o Raphael pra gravar um Moog nessa música” e foi tipo, “Ai jesus, será que ele topa? Nem sei se ele gosta desse tipo de música?” mas ele topou e na hora eu já convidei a Ale pra colocar alguma coisa também. Não tenho nenhuma dúvida de que a participação do Carabobina nessa faixa a deixou com um som de abraço.

A participação da Fê Koppe

Já a participação de Fê Koppe é mais constante na história desse EP e de lançamentos futuros. Nos conhecemos quando estavam gravando o primeiro disco da Mulamba e, acho que, por tocarmos instrumentos de cordas com arco (violino e violoncelo) e por não nos identificarmos com a rigidez de estruturas da chamada música clássica, a gente desenvolveu uma conexão muito rapidamente e de uma maneira muito natural e passamos a tocar sempre que tivemos oportunidade.

Eu gosto muito de criar arranjos para cordas, especialmente no formato quarteto e Koppe topou colaborar com várias composições. Existe uma dualidade muito interessante na relação entre violino e cello, são instrumentos que, além de lindos e incríveis, criam uma conexão muito forte com as pessoas. Eu sempre digo que tocar violino é um pouco golpe baixo, pois como o acesso a esse tipo de instrumento é bem limitado, a pessoa nem precisa tocar bem que todo mundo já acha lindo, então ter eu tocando violino e outra pessoa tocando violoncelo (e tocando bem) é tipo duplo golpe baixo, fica tudo duplamente mais bonito.”

O EP leva o nome de “Breve compilado de músicas para _______” para quem dedicaria?

Desirée Marantes: “É bem raro eu dedicar alguma composição para alguma pessoa, minha ideia foi que o nome das músicas do EP completassem a frase. Então é um Breve compilado de músicas para Evaporar.

Um breve compilado de músicas para quando Magma vira Lava, um breve compilado de músicas para ver o sol por trás das nuvens. São conexões que eu tenho com alguns momentos, acho mágico e poético, transformações de estados, acho que todo mundo é meio assim, às vezes vapor, às vezes água, às vezes luz, às vezes sombra, às vezes magma, às vezes lava.

Me puxei nessa né, parabéns pra mim.”

Para você, qual o maior desafio de produzir música instrumental no país?

Desirée Marantes: “Acho que falta de acesso ao público. Acho interessante que existe uma busca por músicas instrumentais muito conectada com buscar foco para concluir alguma coisa, busca apaziguar ansiedades, esse tipo de coisa/playlist.

Como comentei antes, a música sempre serviu como automedicação para mim e vejo que mais pessoas têm se dado conta desse papel. Mas ainda falta muito investimento, falta conhecimento, meio que falta tudo.

Nós vivemos em um país com uma linguagem que é sonoramente bela (pelo menos para mim), então eu acho natural que a maioria das nossas músicas sejam cantadas e com letra, mas, ao mesmo tempo, acho que a capacidade das pessoas de imaginar, de sonhar, de sentir-se em um outro momento e em outro lugar, que a música instrumental tem o potencial de abrir nas pessoas, essa capacidade deveria ser mais estimulada.

Minha experiência, por ter tocado em ambientes muito diversos, de ocupações a salas de concerto, é que, em geral, as pessoas gostam muito de música instrumental, as pessoas percebem que esse tipo de música é um convite a viajar sem sair do lugar, que pode ser tanto um lugar de introversão quanto de extroversão e que pode ser uma experiência fantástica e transformadora. Mas como o acesso a ela é limitado, o público acaba sendo limitado também. Poderia escrever um tratado sobre essa pergunta.”

This post was published on 1 de agosto de 2024 9:00 am

Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

Posts Recentes

Renata Swoboda lança clipe apolítico para “Meu Dengo ♥️” às vésperas do segundo turno das eleições

Após lançar na sexta (18) o single "Meu Dengo ♥️", a artista catarinense Renata Swoboda…

23 de outubro de 2024

C6 fest anuncia line-up da 3ª edição com Nile Rodgers & Chic, Air, Wilco, Pretenders, Gossip, The Dinner Party, English Teacher e mais

C6 Fest chega a sua terceira edição com line-up de peso Após a primeira edição…

22 de outubro de 2024

Paul McCartney encerra passagem pelo Brasil em Florianópolis

No sábado (19), Paul McCartney fez a última apresentação da atual passagem da Got Back…

21 de outubro de 2024

Fin Del Mundo mergulha nas profundezas em “Hicimos crecer un bosque”

Que a cena de rock argentino é bastante prolífica não é nenhuma novidade. Após lançar…

18 de outubro de 2024

Maria Beraldo reflete sobre identidade de gênero e explora timbres em “Colinho”

Não parece, mas já se passaram 6 anos do lançamento de CAVALA (RISCO), álbum de…

18 de outubro de 2024

Dora Morelenbaum explora as curvas sonoras em “Pique”

Após o fim do ciclo ao lado da Bala Desejo, os músicos têm retomado suas…

18 de outubro de 2024

This website uses cookies.