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Holger: bastidores do “Más Línguas”, dicas de como manter uma banda e uma homenagem à cena indie brasileira

Entrevista exclusiva com Holger sobre o quinto álbum de estúdio, Más Línguas

Com 15 anos de carreira, Holger é uma banda que é reconhecida pela resiliência: o maior hiato sem lançar algo novo foi o pandêmico, de cinco anos e eles seguem tocando nas festas e casas indies, principalmente em São Paulo, casa dos cinco integrantes da banda.

E pela evolução. A musical, com a permanente exploração de ritmos a cada fase, e também a lírica: é comum que a cada novo álbum, críticos repetam o clichê (verdadeiro) que as letras estão mais “maduras” que o anterior.

Marcelo Altenfelder “Pata”, Bernardo Rolla, Pedro Bruno “Pepe”, Marcelo Vogelaar “Tché” e Charles Tixier hoje têm entre 34 e 37 anos. Más Línguas, lançado mês passado pela Balaclava Records é o quinto álbum de estúdio e foi tocado pela primeira ver na íntegra no Bar Alto, 16 de julho deste ano.

Foi poucos dias após este show, no meio das primeiras recepções do último disco, que Pata e Rolla conversaram com a Hits Perdidos. Entre os destaques, uma playlist dada com exclusividade por Pata, de influências para o Más Línguas, uma confissão de que a banda e os integrantes podem soar alegres, na música e no rolê, enquanto estão profundamente tristes e uma dedicatória espontânea à cena indie brasileira.


Holger lançou seu quinto álbum, Más Línguas, no Bar Alto Foto Por: Rodrigo Bueno

Entrevista: Holger sobre Más Línguas

Vocês falaram no show do Bar Alto que pra esse álbum sair, foram quase três anos. O que pegou nesse processo de produção pra essa demora?

Pata: “Musicalmente foram dois, porque o disco estava concluído em junho do ano passado. Mas a gente demorou para fazer a arte, a gente demorou para lançar…chegou um momento que eu cheguei a pensar “ah, talvez a gente nem lance esse disco”.

E nesses dois anos, teve a pandemia no meio que também colocou a gente num lugar mais criativo, intenso. O primeiro período foi de fazer música, foram mais de 50 músicas que a gente fez para esse disco.”

Mais de 50 é bastante coisa. É sempre com bastante excedente de composições que vocês trabalham?

Rolla: “A gente tem um processo de composição que a gente aprendeu ao longo dos anos que é: nunca tesourar ideia. Se tem alguém que tá sentindo, só vai, só deixa o cara fluir. E aí depois a gente acaba racionalizando e podando de certa forma.”

Pata: “Uma ideia que a gente tem é que o processo de composição é mais importante que a obra final. No momento que a gente está sentindo o que a gente está fazendo, aquilo importa mais do que vai chegar no final do disco. Ali é consequência de fazer algo verdadeiro, criativo e depois a gente vai lapidando, não à toa foram tantas composições, mais de 50.

E quando o processo de composição começou? Foi já na pandemia?

Rolla: “Começou um pouquinho antes, com o Pata e Tché, em janeiro de 2020. Eles foram para Ilhabela. Eles ficaram seis dias lá compondo música, o que vinha na cabeça, eles compuseram. Foram umas 15, e dessas, ficaram no final 5, ou quase metade. “Tá Pegando Fogo”, “Olimpo”… E aí veio a pandemia…”

Pata: “A letra original de “Olimpo” foi feita nessa época, e em janeiro de 2020 já tinha notícia sobre uma certa gripe meio perigosa, uma epidemia que estava acontecendo na China, em Wuhan, né? E a letra original era assim…. “Tão falando por aí, as más notícias de Pequim”.

Depois um amigo nosso falou “putz, eu acho que isso tá soando sinofóbico”, e aí a gente mudou pra “as más notícias do país”.”

E essas escolhas bem acabadas somada a essa demora maior na finalização revelam o quê?

Pata: “Cara, esse disco foi feito com muito carinho, muito amor, pela música, um pelo outro, pela própria história e a gente tentou pensar em cada segundo, cada elemento do disco. Sempre recomendo ouvir de fone, mais para poder captar tudo isso.

E a gente colocou no disco elementos que aconteceram durante esses processos de gravação, não só o estúdio final. Então tem um barulho de uma lareira que a gente fez um dia, tem elementos que a gente tentou trazer toda afetividade que a gente passou ao compor esse disco.”

Rolla: “Uma coisa legal desse disco quente, é que ele não foi feito no estúdio 100%. Como a gente tá vivendo numa época de pandemia, muita coisa foi acontecendo, todo mundo tem um computador, uma plaquinha de som, um microfone… e esses detalhes de momentos foram muito captados, não é apenas uma fotografia de duas semanas no estúdio, é uma fotografia de um processo que foi muito pensado e que a gente ficou muito satisfeito com o produto final.

E esse disco tem uma coisa específica: como a gente não podia estar junto sempre, várias coisas foram compostas individualmente… E depois foram trazidas para o grupo, acabou sendo um processo mais individual de escrever, principalmente as letras. A gente sempre fez muita coisa junto, dessa vez foi um pouco diferente.”

Teve alguma influência mais direta de tipo de sonoridade que vocês tavam ouvindo durante esses anos?

Pata: “O Rolla lembrou de algo que talvez possa se aplicar, que são bandas de AOR [“adult oriented rock”], em especial o Steely Dan. Acho que é algo que a gente sempre gostou muito, mas no início do processo criativo, a gente estava ouvindo especialmente. De resto de influências musicais, são coisas que a gente gosta a vida inteira, que já incorporou e tá na gente… Às vezes, a influência são próprias coisas antigas nossas…”

Rolla: “No começo, a gente ouvia muita música junto, né? Hoje em dia, a gente vai ficando mais velho, cada um vai criando o seu gosto mais próprio. Então, acho que toda essa miscelânea de coisas vai vindo naturalmente, a gente acaba não pensando, só sai.”

Pata: “Eu tenho 36, o Rolla tem 37, a banda gira entre 34 e 37. Faz pelo menos 20 e poucos anos que todos nós somos completamente fanáticos por música. No sentido de descobrir a própria, e não só ouvir o que é ofertado. Então, ao longo desses tantos anos que a música rege tanto a vida de cada um, a gente incorpora e tem coisas que tão na gente

Tem uma playlist de coisas que eu fui colocando músicas quer tinham a ver com lugares que eu queria chegar ou que tinham a ver com alguma música nossa. Pra gente ouvir junto e descobrir possíveis respostas das músicas que estavam ali sendo compostas, nessas outras músicas.”

Playlist revelada com Exclusividade para o Hits Perdidos

Pata enviou para o Hits Perdidos playlist que serviu de guia para que eles chegassem nos lugares que queriam coexistir.
O resultado da pesquisa pode ser conferido aqui.



Nesses 13 anos, tem alguma música que vocês deixaram de tocar ao vivo?

Pata: “No sentido deixar de tocar porque “aqui tem uma mensagem, que tá errada que me incomoda”, acho que não. Tem uma música lá atrás que fala uma coisa besta, que nem vale a pena citar, que não faz sentido, mas essa música é tão velha, que a gente não tocaria de qualquer forma.

Eu acho que como a gente sempre compôs dentro das nossas verdades e limitações, não fica isso de causar por causar. Por exemplo, “Let ‘Em Shine Bellow” é uma música feita quando a gente tinha 20 anos e ouvindo hoje eu ouço uma música de quem tinha 20 anos, na letra, no tema. Mas só.

Do álbum de 2014 em diante, o Holger, não, já tava razoavelmente estabelecida como a adulta e não rolaram mudanças tão drásticas assim de rumos de vida.”

Nesses primeiros álbuns a banda tinha uma vibe mais alegre mesmo, vocês reconhecem isso?

Pata: “Eu acho que a gente pode tanto levar em consideração a fase de vida que a gente tava, 20 e poucos anos, que é uma fase geralmente um pouco mais solar ou o momento que o país vivia, que era um tanto solar…

A gente era o país do futuro para um caralho, cotação de dólar baixa, Olimpíadas, Copa do Mundo. Existia um otimismo de muita coisa, até numa escala Global, né? Obama presidente dos Estados Unidos, aquele período entre 2005 até 2012/ 2013, acho que foi um período muito solar, muito de sonhar com futuros melhores.”

Mas ainda há uma intenção de tornar o pesado mais leve?

Pata: “A gente geralmente lê intenção depois que faz algo, né. Acho que talvez o Más Línguas seja o nosso disco mais triste. Ele soa mais solar, mais feliz, mas o conteúdo é triste, as letras estão falando sobre crises, sobre um momento de vida de crise, sobre um momento social de crise.

Agora, a sonoridade mais leve, isso sim foi um pouco buscado, principalmente se a gente relacionar com os discos do Flaming Lips, que são bastante profundos e falando sobre coisas emocionalmente carregadas, mas que soa com leveza. Essa maneira de compor foi algo que eu tentei trazer para esse disco.”

Rolla: “O Holger tem esse DNA Solar, de quando a gente vem lá de trás, não necessariamente nas letras, mas na parte musical, de ser um pouco para cima, que a gente acaba naturalmente soando meio assim. Não é algo necessariamente racionalizado, independente do que a gente vai falar ou não. Ás vezes as músicas parecem felizes e alegres, mas as letras estão carregadas.”

Pata: “A banda sempre representou como a gente viveu naquele período. Então, às vezes, encontrando a gente nos lugares, a gente podia até parecer alegre. Mas você não sabe o tamanho do abismo que tinha aqui dentro…”



Muitas bandas contemporâneas a vocês já acabaram ou não tiveram a mesma regularidade pra seguir lançando coisas novas. Vocês têm alguma dica pra galera que quer fazer banda mesmo sem perspectiva de viver de música?

Rolla: “Primeiro tem que gostar, de tudo que envolve a banda. Tem que ser amigo das pessoas da tua banda, você eventualmente vai passar três dias enfurnado com eles. Se você tratar a parada de uma maneira pesada, vai ser uma merda. Eu acho que a gente até hoje está junto muito porque a gente se gosta, sabe? A gente é amigo de verdade.

Tem que dar as caras, tem que passar por uns perrengues. Não tem como correr muito disso.”

Pata: “A resposta que eu dou é: paixão. Se sentir apaixonado por isso, a ponto de preferir tá fazendo isso do que dormindo. Quantas vezes deixei de estar com a minha família, deixei de ver jogos do São Paulo que eu amo, porque isso era minha prioridade, porque eu era apaixonado por isso, tanto pela parte criativa, de ser uma expressão artística e ter um lugar que eu possa me colocar e me expressar, quanto por fazer parte de uma banda?]

Hoje boa parte dos meus melhores amigos, das pessoas que eu mais admiro, eu conheci por conta da banda. Mas tem que gostar de viajar, tolerar uma passagem de som, e tudo isso é mais leve e mais fácil se você tá com pessoas que você ama, como eu amo esses quatro. Só o Charles [Tixler] que entrou depois na banda, o resto a gente era amigo de infância.

Talvez a gente saber que “não chegava em lugar nenhum”, ajudou. Agora, não é incomum, em cenas daqui ou de outros países, que as pessoas não trabalhem exclusivamente com música. Porque é difícil fazer dinheiro com música. Eu teria que ter muito mais aptidão musical para viver só de música.”

Rolla: “Tem que curtir o processo mesmo, tudo que envolve, fazer reuniões chatas com a banda para decidir sobre o fluxo de caixa, e merch, e fornecedor, não tem como fugir, tem que curtir o processo. Porque você sabe que no final você tá tendo uma plataforma para se expressar artisticamente. E para viver coisas que você não viveria de outro jeito. Quantos lugares a gente foi e ainda vai por causa da banda?”

Vocês se enxergam parte de uma “cena”?

Pata: “Acho que o Holger é fundado nessa ideia. A gente sempre acreditou muito não só na banda individualmente, mas na cena. Teve um intercâmbio muito grande, na época que a gente começou era o Black Drawing Chalks, de Goiânia, do Macaco Bong, de Cuiabá, Copacabana Club, de Curitiba, Wannabe Jalva, de Porto Alegre, Dorgas, do Rio…

Durante muito tempo, a gente fez a Avalanche Tropical que se baseava muito nisso de juntar pessoas diferentes, e ali tinha algum lugar em comum para pensar a música…

Em Montreal, no Canadá, um lugar que a gente tocou muitas vezes, é muito sobre uma cena que se apoia constantemente. Todo mundo tá no show, não existe uma inveja de banda com banda, mas um desejo de “se tal banda vai bem, isso é bom para cena”. Isso vai ajudar a ter mais lugares, mais público.

Se hoje em dia, o Terno Rei, que eu acho que é o expoente da cena que faz mais sucesso hoje em dia, faz sucesso, isso é ótimo pra gente. E apoiar isso e estar do lado disso, é só vantajoso para todas as partes…

A Balaclava é cena…  Infelizmente não é um selo que tem dinheiro, que banca gravações. A Balaclava nada mais é do que o agrupamento de bandas que tem um pensamento, uma identidade estética, que aproxima elas, mesmo que no som não pareça sempre.

Então, sim, a gente acredita muito numa cena…Eu entendo que a gente fala de uma cena bem pequena, essa cena indie brasileira, tem as mesmas pessoas desde sempre e vai entrando pessoas novas, bandas novas, quase ninguém some, né? Tá todo mundo ali.

O Lariú tá aí desde sempre, né? O Dago, o Bianchini, o Fabricio Nobre… Ás vezes uns são mais do rock, outros mais eletrônicos, outros da MPB, mas todos com algo em comum.

E uma banda sem cena é difícil de pensar… Não tem como fazer show.”

Rolla: “Eu acho impossível se imaginar fora de um universo maior que você mesmo. Eu acho que a gente não estaria aqui hoje se não fosse uma cena, sabe? A gente surgiu muito dentro de uma cena, frequentando lugares, vendo bandas e querendo meio fazer parte daquilo. Frequentando as festas da Peligro e Fun House, querendo estar tocando ali. E até hoje acaba meio acontecendo assim, por mais diferentes que são os tempos.”

Pata: “E nos momentos que a gente foi mais bem sucedido enquanto banda, pra gente era um valor fundamental conseguir agregar outras bandas com a gente. Por mais que isso pudesse custar a gente perder um show, porque não ia poder ter banda de abertura, a gente acaba optando por isso. Sempre tentar, na medida que der, carregar com a gente também outras bandas, outros artistas. Usar o nosso espaço midiático, ainda que pequeno, para dar espaço para tantos outros que passaram conosco ao longo desses 13 anos de banda.”

Vocês vão tocar agora na festa que vai relembrar os melhores momentos da Neu, é por tudo isso que falaram

Pata: “Exato…  Eu não consigo deixar de chamar Bar Alto de Breve, mas o Breve eu chamava de Neu provavelmente, e o Neu talvez eu chamasse de Milo… Tem uma continuidade nesses lugares

E “Perdizes” é uma música que fala, justamente, da Neu, é uma música que fala muito da cena, né? A Neu tinha cada show foda…Mas muitas vezes não tinha gente assistindo o show. Essa cena que existe, que a gente é apaixonado por ela, mas que ao mesmo tempo não vai ninguém…

A gente vem de uma época que na cena, uma parte tão importante quanto bandas e lugares para tocar, eram os blogs. Você ouvia o que tava acontecendo na cena através dos blogs… Dar uma entrevista, ver vocês continuar existindo, também enche o coração, isso é parte da cena…. Não é só músico, é produtora, jornalista, assessora, o cara do bar é uma inifinidade de pessoas além do público, e hoje em dia ver menos blogs e menos entrevistas acontecendo com artistas chateia um pouco, então porra, tô feliz demais por essa entrevista e obrigado mesmo por continuar acreditando inutilmente na cena que nem a gente.”

Holger Más Línguas


This post was published on 29 de agosto de 2023 9:00 am

Tiago Aguiar

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