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Joe Silhueta incorpora o espírito dos tempos em “Sobre saltos y outras quedas”

Quatro anos depois de Trilhas do Sol (2018) a banda candanga Joe Silhueta, encabeçada por Guilherme Cobelo, lança Sobre saltos y outras quedas. O título diz tanto em tão poucos caracteres para quem pode refletir muito imerso a uma onda de retrocessos com direito a um hiato de vida pandêmico, entre uma notícia mais absurda que a outra e a tentativa de manter o equilíbrio em meio a insanidade.

Como tudo nas mãos de Cobelo e sua trupe acaba virando poesia, teatro e melodia, neste novo trabalho o poder da coletividade ganhou ainda mais asas. O músico ao lado de Tarso e dos outros integrantes assina pela primeira vez neste quarto disco as composições de forma coletiva.

Sobre saltos y outras quedas é um disco que à sua maneira canta/conta o amor e a rebeldia, o sonho e o pesadelo, a história e a utopia. É um álbum de canções do aqui e agora, mas que transcende o tempo-espaço. Fala de mim e fala de nós. Caótico, é uma geléia geral de de estilos e referências. Cósmico, é um disco que apesar de não ser conceitual, compõe uma narrativa pra ser ouvida de cabo à rabo. Uma obra que reafirma essa nossa vontade de transitar livremente no território da canção brasileira, sem fronteiras.”, conta Guilherme

Até por isso a pluralidade de ritmos acaba transparecendo ao longo das faixas que mesmo ainda carregando o espírito cancioneiro e psicodélico ainda abrem espaço para experimentações com outros ritmos além do rock. O amor, a realidade sistêmica, os equilíbrios e os tombos, as fichas caindo e o marasmo acabam ganhando versos em um disco que permite uma viagem ao inconsciente.

“Algumas são inevitáveis, outras buscamos inconscientemente para descobrir (em nós) outras profundezas. Quantas vezes você não esteve diante do abismo e precisou respirar fundo antes de saltar sobre ele para chegar ao outro lado? Ou, mesmo, saltou para dentro dele? Há sempre uma cidade que afunda em seu corpo”, revela Cobelo sobre as quedas durante o processo


Joe Silhueta lança o quarto álbum de estúdio “Sobre Saltos Y Outras Quedas” – Foto Por: Kelton Gomes

Joe Silhueta Sobre saltos y outras quedas

Com característica de ter sido concebido ainda antes da pandemia, o Brasil de Bolsonaro e suas consequências no Brasil profundo acabam reverberando bem mais que citar a pandemia por si só, já que as gravações ocorreram entre dezembro de 2019 e janeiro de 2020, quando ainda as notícias chegavam da China. A produção é assinada pela dupla Gustavo Halfeld e Jota Dale e se dividiu nos estúdios Zero Neutro, Casacájá, Cobra Criada e Delima Cruz.

Sobre saltos y outras quedas não se apequena e abre novos horizontes para dialogar com ainda mais pessoas em um Brasil diverso, vivo e que tem muito a ser desbravado por todos, até por isso até mesmo ritmos como o baião, o ska, o pop, o blues, o jazz, a disco music e as musas da era de ouro da rádio acabam transparecendo ao longo do disco que se permite mais do que se limita.

O trabalho que ainda conta com Tarso nos teclados, Gaivota Naves (voz), Marcelo Moura (baixo e voz), Carlos Beleza (guitarra e voz), Sombrio da Silva (clarinetes e synth) e Márlon Tugdual (bateria), tem todo esse lado tropical que os conecta cada vez mais com as veias abertas com a América Latina Livre.

Aliás, o tom político da banda é algo que se estende além do disco durante as apresentações tanto nos discursos, passando pela performance e os posicionamentos. Em ano de eleição e de possíveis grandes mudanças em um país a beira de um apocalipse econômico e social, a música dialoga como quem se posta ao lado em tempos difíceis.

“Feirará”, por exemplo tem um flerte com a vanguarda paulista e na teatralidade traz metais para dar seu tom austero, “Suíte 305” é daquelas dignas de se ouvir no gramofone justamente por seu tom mais pausado e reflexivo em progressão no melhor espírito experimental, algo que faz todo sentido na discografia deles já que nomes como Walter Franco, Lula Cortes e Zé Ramalho já ganharam versões dos brasilienses nos últimos anos. Esse caráter antropofágico tem tudo a ver com a lapidação e construção de melodias, acordes e os desdobramentos do grupo.

“Naco de Nuca” é quase um rockabilly que na voz de Gaivota ganhou contornos das musas das rádios FMs em um groove tropical que com certeza Gabriel Thomaz (leia entrevista) dos Autoramas elogiaria. O riff de guitarra involuntariamente lembra até mesmo “Sweet Home Alabama” do Lynyrd Skynyrd. “Cidade – Palavra” também contempla esse caminho mais pautado na guitarra mas com melodias leves para trazer a reflexão sobre esses encontros e desencontros do dia-a-dia.

A mistura agregadora

“Hoje É Seu Dia” carrega até mesmo o espírito do cearense Belchior em sua essência traduzido na forma torta e cancioneira que Cobelo com saberia traz como recurso para falar sobre a passagem do tempo. “Sobressaltos” é uma das mais fortes do disco justamente pelo seu espírito de rebeldia e clima de primavera. Ela clama pela liberdade e evoca a “chama acessa no coração de cada um que não abre a mão de lutar” mesmo em meio a tantas adversidades pelo caminho.

“Assoviata” tem a participação especial de Dinho Almeida, do Boogarins (leia entrevista), trazendo todo clima lisérgico para refletir sobre nossa vida como uma extensão sobre nós mesmos; o que cultivamos e a latência das nossas ações que se transformam em capítulos da nossa própria história. Marcas e legados que levamos para onde quer que formos. Vontade de viver que além de nos transformar, nos faz ainda humanos entre erros e acertos.

“Essa Aranha” traz os batuques e até um tempero dos batuques para dar caldo aproximando Brasília do Pelourinho. A guitarra em especial tem o clima das lambadas e o toque da salsa caribenha, o que mostra como eles estão dispostos a cruzar fronteiras em uma espécie de mundo utópico onde elas deixam de existir.

Em “No Amor” Gaivota volta a reassumir os vocais em uma espécie de disco/funk music com uma aura própria, reverberante e faz tributo as grandes cantoras da nossa música brasileira. Fico curioso para saber o que a Letrux acharia ao ouvir a canção, pois por aqui acredito que esse feat faria todo o sentido.

O jogral aparece em “Era uma Trombeta” assim como Elis Regina adorava fazer. Uma love song frenética, teatral, com energia de musicais e batida frenética para deixar tudo marcado. A canção vai acelerando e ao vivo deve criar todo um clima único para quem puder assistir eles ao vivo. Entre amores, devaneios e o ritmo frenético de uma paixão que não se limita a colocar freios.

Em um clima mais ameno “Tropicalipse” fecha em um momento mais sério sobre os dilemas e problemas do Brasil que desde 1500 continua ganhando capítulos trevosos….mas é bom lembrar que a tormenta que vem tende a passar. A dramaticidade e camadas sonoras colocam o ouvinte dentro do seu apocalipse, entre um solo de guitarra chorado, a contemplação do pandeiro e a exploração em forma de verso.



Ficha Técnica Sobre Saltos Y Outras Quedas

Banda gravada ao vivo no estúdio Zero Neutro
O restante foi gravado nos estúdios Zero Neutro, Casacájá e Delima Cruz Studio
Produção Executiva: Tâmara Habka
Produção musical: Gustavo Halfeld e Jota Dale
Direção musical: Marcelo Moura
Engenheiro de som: Dan Felix
Assistentes: Marcel Papa e Pedro Alex
Mixagem: Gustavo Halfeld e Jota Dale
Masterização: Bruno Giorgi
Vozes: Guilherme Cobelo, Gaivota Naves, Carlos Beleza, Marcelo Moura e Fernando Almeida Filho (“Dinho”)
Violões de aço e nylon: Guilherme Cobelo
Baixo: Marcelo Moura
Guitarras de 6 e 12 cordas: Carlos Beleza
Teclados: Tarso Jones
Clarineta e clarone: Sombrio da Silva
Synths: Sombrio da Silva, Guilherme Cobelo e Ramiro Galas
Bateria: Márlon Tugdual
Percussão: Mariano Tonniati, Thiago de Lima Cruz e Victor Valentim
Beat: Ramiro Galas
Sax Tenor: João Oswald (“Chico”)
Sax Alto: Pedro Paulo de Medeiros Castro Reis
Trombone: Liliane Aparecido dos Santos (“Lili”)
Trompete: Maxell Costa Barbosa
Sanfona:
Arte: Alexandre Lindenberg (Estúdio Margem)

This post was published on 30 de junho de 2022 11:04 am

Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

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