Black Pantera: “A revolução começa quando as pessoas tomam consciência do poder no coletivo”
Black Pantera lançou no começo do ano seu novo disco “Ascensão” via Deck – Foto Por: sete77sete 4
Do interior de Minas Gerais, a banda Black Pantera foi formada em abril de 2014, na cidade de Uberaba (MG), pelos irmãos Charles Gama (guitarra, vocal, letras) e Chaene da Gama (baixo) juntamente ao baterista Rodrigo “Pancho” Augusto.
Para celebrar as conquistas destes 8 anos de trajetória, entrevistamos um dos principais nomes do Thrash Metal/Crossover brasileiro atual para contar mais sobre o recém-lançado, Ascensão, terceiro álbum de estúdio do trio que foi lançado em março via Deck. A banda que já tocou no lendário festival Afropunk, e no gigante Download Festival, se prepara para tocar no segundo semestre no Palco Sunset, do Rock In Rio, ao lado dos veteranos do Devotos.
Com nome inspirado nos Panteras Negras, e DNA ativista desde os primeiros dias, o grupo do triângulo mineiro levanta diversas bandeiras ao longo do novo disco e escancara os problemas sociais e políticos presentes no cotidiano sob a ótica do negro que sobrevive a uma sociedade, infelizmente, ainda racista – e excludente – como frisado em entrevista exclusiva para o Hits Perdidos.
“Fala de diversas questões e da ascensão não só do povo preto, mas da ascensão de qualquer pessoa que quiser se relacionar, independente de cor, sexo, religião, da ascensão de todas as pessoas que estão realmente sendo oprimidas no Brasil e no mundo todo”, revela o baixista Chaene Gama que revela que o disco foi gravado entre 2019 e 2020 ainda antes da pandemia.
Ao longo das 12 faixas, o disco que aborda a causa ambiental, denuncia o preconceito contra corpos fora do padrão e ataca o retrocesso instaurado pelo governo, traz também participações do trio curitibano Tuyo e de Rodrigo Lima, vocalista da banda capixaba Dead Fish. Ascensão é o sucessor dos discos: Black Pantera Project (2015) e Agressão (2018).
Entrevista: Black Pantera
Vocês estão lançando “Ascensão” dois anos depois das gravações terem sido finalizadas, no meio disso tivemos a fase mais grave da pandemia, nesse meio tempo vocês refletiram muito tanto sobre o momento certo de lançar o material e também a respeito de como as canções ressoariam? O ano de eleições, o momento econômico e o aumento da pobreza e desigualdade social acabou sendo propício para o disco manifesto?
Chaene Gama (Black Pantera): “Salve, então era para o álbum ter sido gravado em março de 2020 após a Tour que faríamos em Portugal mas a pandemia chegou com tudo e desestabilizou o mundo todo.
Não tivemos certeza de como as coisas funcionariam. Só fomos conseguir gravar em outubro do mesmo ano porque fomos convidados para participar de um evento no Rio, o IDbr na ocasião.
É o terceiro álbum de estúdio de vocês e no meio desse tempo vocês lançaram o EP conceitual “Capítulo Negro” com direito a covers de O Rappa, Elza Soares e Jorge Aragão levantando a bandeira dos Panteras Negras. Aliás, como foi para vocês trabalhar essas releituras de canções tão icônicas adaptando para o som pesado? Fez com que a mensagem das canções ressignifica-se para vocês?
Chaene Gama (Black Pantera): ” O EP Capítulo Negro nasceu durante a pandemia e foi gravado aqui em Uberaba no estúdio onde gravamos os dois primeiros discos e os singles. Como não tínhamos noção e nem certeza de quando gravaríamos o Álbum, resolvemos lançar algo para não passar batido em 2020.
“A carne” da Elza (Seu Jorge/Yuka/Capelleti) sempre tocávamos nos shows e já sonhávamos em gravar , eu sugeri “Todo Camburão” (Yuka/ O Rappa) e o Rodrigo lembrou de “Identidade” (Jorge Aragão) pronto tínhamos um EP e decidimos transformá-lo em algo visual que é algo do qual nos orgulhamos bastante, pois as letras dessas músicas falam muito sobre nós e no que acreditamos. Grande honra poder regravar e por a nossa verdade e forma de tocar.”
A temática da luta antirracista, inclusive, aparece de forma emblemática em faixas como “Fogo Nos Racistas” e em “Estandarte”, feat com os paranaenses da Tuyo. A violência policial e outros números de mortes de vidas inocentes nas periferias, em sua maioria pretas, parece que nunca diminui e tem pouco valor para o estado como a própria “Carne” da Elza diz. E agora o governo federal quer que os policiais parem de ter câmeras nos uniformes dos PM, mecanismo que tinha diminuído drasticamente os números de violência policial (Saiba Mais). A resposta vai ser nas urnas? Como vocês observam a necessidade de eleger políticos em todas as esferas que se importem de fato com a nossa realidade social?
Chaene Gama (Black Pantera): “É extremamente importante lutar para mudar a perspectiva e atual realidade do povo Preto brasileiro. É isso só vai acontecer quando a sociedade como um todo entenda e aceite que vivemos em um mundo Racista, essa falsa narrativa imposta aos brasileiros que vivemos uma democracia racial é um dos fatores que impedem que isso mude.
Precisamos de políticas e leis que ajudem a mudar esse maldito quadro social, o racismo estrutural e em todas as suas vertentes segue minando as chances e tirando a vida do nosso povo brutalmente. Como dissemos anteriormente tudo isso piorou de 2018 pra cá.
Esse é um ano importante, não pela copa nem pela volta dos eventos mas é um ano decisivo é um ano eleitoral. Tivemos todos os exemplos do descaso com a educação o descaso e negacionismo com a saúde do povo brasileiro ainda mais em uma pandemia mundial. Os casos de corrupção e sim o aumento da violência contra o povo Preto são reflexo dessa necropolítica eugenista Racista e fascista a qual vivemos nesse desgoverno.
As letras não poderiam vir de outra forma, não tem jeito!”
Para vocês a verdadeira revolução começa onde?
Ouvindo o disco me levou para discos clássicos nacionais como dos Ratos de Porão, Gangrena Gasosa, Surra e Devotos mas vocês também tem referências do metal feito no exterior dentro da estética sonora. Quais foram as principais referências diretas e indiretas do trabalho que acabam ressoando de uma forma ou outra na parte instrumental?
A causa ambiental também acaba aparecendo dentro do disco no feat com “Dia do Fogo” em uma das faixas que carrega o espírito do Cólera, uma das primeiras bandas a levantar essa bandeira dentro do punk nacional quando poucos falavam, como observam esse momento de tantos retrocessos tanto na mata atlântica como na Amazônia?
“Padrão é o Caralho”, um dos primeiros singles vocês fala sobre ser fora do padrão, algo que através das redes sociais somos bombardeados todos os dias para “se encaixar” como se tivesse uma fórmula pronta para ser feliz, e de tabela te vender produtos de tudo que é tipo. Como veem a importância de tocar no tema e como tem sido o feedback do público com esta mensagem tão importante de emancipação de corpos?
Ao lançar a música tínhamos certeza que seria já um clássico pra banda, as pessoas precisam ouvir e colocar pra fora todo esse mix de revolta e desencanto com os padrões idealizados! Não importa sua cor seu peso ou orientação sexual!
Estamos aqui pra reduzir a pó esse tipo de metalinguagem racista e homofóbica dentro de padrões ridículos! As pessoas tem que se amar pelo que são todos somos lindos e especiais e não deve ser a opinião de ninguém que deve mudar isso!
Padrão é o Caralho!”
Duas conquistas incríveis de vocês foram ter participado de um dos maiores festivais do circuito metal/punk do mundo, o Download Festival, e do icônico Afropunk sendo a primeira banda de rock pesado a representar o país. Contem mais sobre essas experiências e a importância que tiveram dentro do amadurecimento e crescimento da banda. Isso refletiu no número de fãs no exterior? Tem planos de voltar com o novo disco para lá?
Charles Gama (Black Pantera): “Foi um momento mágico pra nós da banda que tínhamos apenas poucos anos de formação!
O medo a ansiedade tudo foi vencido quando subimos naqueles palcos maravilhosos! Foi um sonho se tornando real pra 3 garotos de Minas Gerais, estávamos no mesmo palco com grandes bandas que amamos desde jovens!
Fomos até lá cantando em português e dava pra ver nos olhos de todos o quanto estavam conectados à nos…em breve temos planos de levar esse novo álbum a todos os lugares do planeta! Já temos muitos fãs esparramados pelo mundo, e claro, isso ajuda muito nessas turnês!”
Falando em grandes festivais vocês vão tocar em Setembro no Palco Sunset do Rock In Rio convidado o Devotos. Como vai funcionar isso? Será um show especial? De onde veio a ideia de unir duas gerações no palco? Planejam estender isso para outros shows pelo país?
Charles Gama (Black Pantera): “Finalmente chegamos até o Rock in Rio e com certeza estamos multo felizes! Será um grande show e uma grande oportunidade pra chegarmos a pessoas que não nos conhecem! Será um show especial vamos deixar claro em surpresa por enquanto mas garanto a vocês que será inesquecível!
Chegarmos até os Devotos foi fácil afinal além de grande influência pra gente se tornaram grandes amigos! Ter duas bandas pretas de rock no mesmo palco será maravilhoso!
Quando perguntado sobre quais bandas gostaríamos de dividir o palco e citamos várias! Ao chegar nos Devotos o produtor do Palco Sunset, o incrível Zé Ricardo, achou maravilhosa a ideia de juntar a velha geração com a nova num super show no Sunset!
E posso garantir que desse show sairá muitos frutos! Até mesmo uma tour juntos pelo Brasil! Será incrível!”
Black Pantera Ascensão
O terceiro álbum de estúdio do Black Pantera, Ascensão, foi lançado no dia 11/03 via Deck.