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O último combate de Alexandre Strambio (1970-2021)

Obituário do músico Alexandre Strambio, produtor e agitador cultural do ABC paulista falecido em 7 de abril do ano passado.

Conheci Alexandre Strambio (“Poodle”) em algum show do Imminent Chaos, na época em que ele havia parado de tocar com o ROT, mas nunca nos tornamos amigos. Isso deve ter sido em 2003 ou 2004. Nos vimos poucas vezes nos anos seguintes e o mais provável é que sequer nos cumprimentamos.

Quando o conheci, lembrei daquele grupo que, alguns anos antes, na época do Planeta Rock, chamávamos de “a rapaziada do Move’s Bar”: uma galera que foi à Metal quando ela ainda era na Galeria do Carmo, que conheceu a Fucker e frequentou o Shock Bar, em Santo André. Eram verdadeiros heróis para nós que tínhamos entre 15 e 16 anos.

Alexandre pertenceu a essa primeira geração dos Headbangers ABC representada por bandas como Revenge, Hammerhead, Titânio, Esfinge, Slaughter, Desaster, Deflagração Atômica, Stage Driver, Atomic Thrasher e Guilhotine. Além, evidentemente, de MX, Necromancia, Cova e Blasphemer que, em 1987, lançaram a coletânea Headthrashers live consagrando a geração.


Alexandre Strambio ao vivo com o ROT no OBSCENE EXTREME em 2019 – Foto: Reprodução/Youtube

Em 1985, com apenas 15 anos, Alexandre Strambio começou a tocar na banda Detestation, mas foi em 1987, com o Warhate, que tudo mudou. O trio formado por Roger (baixo e vocal), Alex (guitarra e vocal) e Bill (bateria) lançou sua primeira demo em 1988, Thrash Ivasion, pela mesma Fucker Discos que havia lançado Headthrashers live. Eram sete músicas na linha pesada aberta pelo thrash mineiro, e que era seguida de perto pelas bandas da região.

Em 1990, pela mesma Fucker saiu o compacto em vinil 7”, Biological Decimate, com duas músicas: “Last Combat” e “Night Of The Strangler”. Na primeira já está presente seu característico uso dos harmônicos; na segunda, uma base e uma palhetada que ele repetiria de forma alterada durante décadas. Seu estilo estava estabelecido.

Pouco depois, em 1993, foi a vez da segunda demo, Action & Attitude, com quatro músicas e nova formação. Essa demo ainda seria relançada trazendo como bônus as duas gravações anteriores e mais 5 retiradas de um ensaio de 1994. Todo esse material foi reeditado nas coletâneas Destructive Years (2005) e Thrash Invasion – Complete War (2009).

O fim do Warhate e entradas no Social Chaos e Bandanos

Com o fim do Warhate, em 1995, Alexandre fez um teste para assumir o baixo da já reputada banda de grindcore ROT, e foi aceito. Gravou dois grandes álbuns, Sociopathic Behaviour (1998) e A Long Cold Stare (2003), lançou a coletânea Old Dirty Grindcores (2002), além de muitos EPs e splits. Essa produtividade do grupo levou-o a montar seu próprio selo, a Bucho Discos, em 1996, a fim de profissionalizar o processo de distribuição. Além disso, fez muitos shows e turnês, três delas na Europa. Até que deixou a banda em 2002.

Mas Alexandre não parou, tocou um tempo com o Social Chaos e, em 2004, ingressou no crossover do Bandanos, onde ficou até 2010: gravou o lendário We Crush Your Mind With The Thrash Inside (2007), tantos outros EPs e splits e fez turnês pelo Brasil, Chile e Europa. Até que em 2012 voltou a tocar no ROT e, aproveitando-se de dois integrantes do Nitrominds, retomou o projeto Cruel Face (duo com Marcão Melloni que existiu entre 1996 e 2000) transformando-o na principal banda de grindcore do ABC. Mais uma vez, não faltaram registros: um full length, um compacto, nove splits e a coletânea Eu Amo Desgraça… Por Isso Adoro Muito Tudo Isso! (de 2004, com 59 músicas).

A Volta do Cruel Face

É claro que eu nem sempre tive essa clareza a respeito de seu itinerário. Foi a retomada das atividades do Cruel Face, a qual eu acompanhei à distância, enquanto morei em Assis, no interior de São Paulo, que me despertou para a compreensão da relação entre pontos que até então estavam dispersos em minha mente. Só aí eu percebi que todos aqueles personagens – o baixista do ROT, o baixista do Bandanos, o guitarrista do Warhate e o guitarrista e vocalista do Cruel Face – eram uma única e mesma pessoa. Um sujeito comum, despojado e que atendia por muitos nomes: Alex, Alexandre, Poodle e Bucho.

Desde que voltei a morar no ABC, em 2017, Poodle foi um dos músicos que eu mais vi ao vivo: no Zapata, no Bar do Jé, no último show do ROT antes da turnê europeia (no 74 Club), no primeiro show do ROT assim que eles voltaram da Europa (no Sesc Belenzinho) e outras incontáveis vezes; sempre acompanhado do meu irmão Roberto.

No 74Club, aliás, Poodle organizou muitos shows, tendo sido responsável por trazer diversas bandas gringas para Santo André. Esse seu trabalho como produtor e agitador cultural responde por outra parte imensa de seu tão falado “legado”. Desde então, como nos víamos com frequência, começamos a nos cumprimentar, trocar algumas palavras, mas ainda assim nunca nos sentamos para conversar.

Alex estava no auge de sua produção, desde a retomada de ROT e Cruel Face em 2012, passando pelos álbuns lançados em 2015 (Nowhere do ROT e Smash, Kill and Erase do Cruel Face) e pelas turnês na Europa com ambas as bandas.


ROTFoto: Divulgação

Em 2020, mudanças na formação dos grupos geraram novas expectativas e, em fevereiro de 2021, o selo sueco Dark Archives relançou as duas versões da demo Thrash Invasion do Warhate em cassete, CD e LP duplo, tudo em altíssimo padrão: uma homenagem à altura. Poucas semanas depois essa ascendente seria interrompida por um vírus.

Em um artigo publicado em janeiro do ano passado, o qual Alex não teve tempo de conhecer, me referi a ele como “um dos maiores músicos do ABC”. Apesar de o artigo falar sobre heavy metal, nesse momento do texto eu estava pensando de uma maneira mais ampla, colocando-o junto a músicos como Vasco Faé, Bocato, Mimi Boêmio, Wilson Sukorski, Luciana Sayure Shimabuco e Pedro Cameron. Até então, todos desta lista estavam vivos. Agora, nos faltam dois, pois Mimi também foi pego pela COVID-19, em dezembro passado, aos 84 anos.

O Legado de Alexandre Strambio

Por sorte, algumas pessoas sempre tiveram consciência da dimensão de Alexandre, sobrando entrevistas, depoimentos e gravações de shows, como a apresentação do Cruel Face no 74Club, com Lalo e Edu Nicolini, registrada pelo Rising Power Estudio e pela Insanidade Filmes; ou o aperitivo mais antigo no Zapata 339, mas sem a mesma qualidade de som.

Na net também existem vídeos das apresentações de ROT e Cruel Face no Obscene Extreme de 2019, a participação do Rot no Fuck The World Fest (maio de 2021) e muitos eteceteras. Ainda em 2021, saiu Organic, o último (e incrível) álbum do ROT em formação única: Mendigo (G), Alex (B/V), Henrick (V) e Emiliano (D). Mas essa já é outra resenha…

Por mais que essas lembranças não sejam capazes de nos consolar, elas são uma maneira de não esquecermos o artista que tivemos e a falta que foi (e ainda é) sentida pelos muitos amigos, admiradores e interlocutores que ele conquistou em mais de uma dúzia de países, ao longo de 35 anos de incansáveis jornadas duplas. Perda irreparável para a cultura underground, Alex foi uma das 3.829 vidas brasileiras levadas pela COVID-19 em 7 de abril de 2021.

Nos vemos no além, camarada!

This post was published on 7 de abril de 2022 11:00 am

Leandro Candido

Leandro Candido é sociólogo, professor e pesquisador. Escreve sobre arte, música e história do Grande ABC. É autor dos livros A cidade dos pinguins: Santo André, memória e esquecimento (2020) e Entre a vanguarda e a arte: poesia concreta (2021).

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