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Combover ironiza a dependência das redes sociais em “Modern Drugs”

O Combover enfim chega ao seu tão esperado terceiro álbum. Momento ímpar dentro da trajetória de Don Carlón e sua trupe. Ele que brinca que é uma espécie de Humberto Gessinger da banda que já passou por uma série de formações.

Nos últimos anos Carlón tem travado uma guerra aberta contra o uso exacerbado dos Smartphones. Pensado inicialmente como uma série de singles e EPs, desde 2016 composições com a temática tem ganho espaço no repertório do grupo.

Não é à toa que “Smartphones, Dumb People” é uma das canções mais pedidas e cantadas pelo público. No meio do caminho o que era para ser um EP, virou um disco, com direito a videoclipe, capa que veio de tirinha bem humorada e uma turnê de respeito pelo país!


ComboverFoto Por: Daniely Simões

Modern Drugs

Apesar do bom humor das letras e o jeito um tanto quanto “porra louca” das performances típicas do garage punk, nem (quase) tudo é piada. No registro há uma boa porção de seriedade e críticas relevantes ao nosso cotidiano.

Modern Drugs tem o DNA do grupo paulistano justamente por debochar de clichês do rock, misturar referências do punk rock, glam, rock’n’roll, hardcore e imaginário popular.

Mas também por entender que também há propósito além do campo do entretenimento. Através de uma reflexão mais profunda à respeito do uso abusivo, e muitas vezes desnecessário, dos aparatos tecnológicos.

Telecombover

A narrativa da bolacha. Até ela mesmo foi pensada. Um disco com introdução, começo, meio mas definitivamente sem fim. Ao menos no campo das discussões propostas ao longo de seus capítulos.

Sarcástico e pontual, desde a ligação que uma voz com sotaque argentino dá o tom do tenebroso telemarketing. De maneira passiva, o ouvinte é convidado a adentrar em cada um dos ramais que corresponde a cada um dos 8 problemas diagnosticados em nossa consulta.

Sendo assim seria de fato questionar a inteligência do leitor citar cada um dos problemas em uma resenha de forma detalhada. Basta dar o play e identificar nos amigos, familiares e até em si mesmo os sintomas.



“Fake Satisfaction” tem acordes que fazem aquele flerte entre Stones e Hellacopters, somadas a voz canastrona de Don Carlón. Ela que já chega tirando onda com a alienação dos smartphones – e seus dramas via wi-fi. Ego inflado e bateria descarregada.

“Just Another One” é ainda mais acelerada e raw seguindo a escola The Sonics de fuzz – e zumbidos. Selfie para Selfies sempre!

LIKE, LIKE, LIKE

A escravização do like, e uso desta moeda social, virou elemento chave para “Slave to the Like”. A faixa inclusive ganhou videoclipe feito com espírito D.I.Y. que teve Premiere no UDIGRUDI.



“Nothing Is Going To Happen” parece até brincar com o hard rock e mais uma vez debochar dos clichês do rock e da mediocridade humana em perder tempo com coisas e situações virtuais. Uma das que se destaca é “Oversharing” que chega com o peso do contra baixo para dar uma sensação toda Stray Cats das deep webs.

Já “Love on the Touchscreen” declara guerra ao Tinder, Happn, Badoo, Grindr ou qualquer outra ferramenta de relacionamentos. Com aquele punch motorheadiano heavy metal parking lot embutido. Menos línguas e mais telas com gorilla glass embutidas.

To Be Human Or Not To Be

“Selfie Esteem”, que poderia ser até um trocadilho esdrúxulo com o hit do The Offspring, poderia ser um lado B do DEVO <3. Robótica e ironizando até mesmo a mecanização do “novo” membro humano. E claro mais uma selfie para conta e para enviar via DM para o “contatinho” que nunca viu na frente.

Bad Brains, Black Flag, Gorilla Biscuits, Dead Kennedys, é esse espírito de “I Think I Lost My Password” que entretem justamente por imaginarmos uma rodinha de dispositivos travados enquanto ficam empilhados em uma mesa de um bar qualquer.

O álbum cumpre bem o seu papel de levar para o ouvinte uma série de indagações, auto-críticas e provocações. Provavelmente você está lendo este texto através de um smartphone, então você sabe que até na hora mais sagrada do dia, ele irá te acompanhar.

Se pudermos dar uma dica: se policie e tente valorizar os momentos desconectado. Vá a um show e peça uma selfie para a banda, eles com certeza farão com a melhor das intenções….mas antes….caia no circle pit!


Combover no Festival HackTownFoto Por: Jairo Fajer

ENTREVISTA: Combover

A partir de que momento decidiram produzir o álbum e quais outras motivações? Sei que cair na estrada com estilo era um sonho antigo, mas conte mais destes bastidores.

Don Carlón: “Modern Drugs” nasceu com o single “Smartphones, Dumb People”, que compus e gravamos durante a turnê europeia que fizemos em 2016.

Eu tinha o refrão dessa música na cabeça desde 2014 e já me incomodava, na época, como os smartphones e suas funcionalidades transformavam as pessoas em completos imbecis antissociais.

Bem depois que “Smartphones” entrou pro repertório, umas 26 formações depois, começaram a surgir uns riffs e, já com o Garga na bateria, começamos a trabalhar em músicas novas.

O Tinder

Como sempre acontece com as músicas do Combover, parto do refrão. Me incomodava tanto a compulsão de alguns amigos e pessoas próximas por aplicativos de relacionamento que pipocou “Love on the Touchscreen”.

As Selfies

Outra coisa que acho curiosa é essa galera que é viciada em fazer selfies. Sempre que vejo uma galera que só posta selfies nas redes, me pergunto: será que essa pessoa não tem amigos pra tirar uma foto pra ela?

Será que ela só se acha bonita por um único ângulo? Acho triste. Daí saiu o refrão de “Selfie Esteem”.

A Moeda Social

“Slave to the Like” foi inspirada por um desenho do designer e ilustrador Eduardo Foresti, com quem a Helena, minha namorada, trabalha. Eu mostrei pra ela umas músicas, falei dos nomes dela e ela me recomendou que visse uma série de desenhos dele que estavam na mesma vibe.

Um desses desenhos (que pode ser visto no perfil @rabiscos_do_foresti no Instagram) inspirou a ideia da letra sobre a mendicância frenética por likes.

Uma versão desse desenho virou a capa do single (logo abaixo) e o Foresti fez também a capa do disco. No fim, com tantas músicas falando sobre um universo tão próximo, achei que dava pra fazer um disco temático.



De onde surgiu a ideia de trazer para a narrativa do disco um narrador? Afinal, quem seria este misterioso personagem?

Don Carlón: “Não diria que há um narrador, mas sim um fio condutor bastante alegórico.

Eu tinha feito 8 músicas falando sobre celulares, redes sociais e seu mau uso. Martelei bastante na minha cabeça a ideia de que eu precisava amarrar essa história de algum jeito.

Não lembro quando surgiu a ideia do telemarketing, mas ter que usar qualquer serviço desse tipo é das coisas que mais me irritam na era da terceirização do atendimento ao cliente.

Oferecer um serviço para tratar de viciados em celulares em que as pessoas nunca serão atendidas e têm de abdicar de seu precioso tempo online no celular pra esperar pra ser atendido me pareceu um bom retrato da vida real. Mas pelo menos a Telecombover oferece uma trilha sonora melhor que a das esperas de qualquer telemarketing.”

Aparentemente o tema das músicas é revelado dentro da brincadeira da introdução, a ideia era preparar mesmo o ouvinte para o que estava por vir?

Don Carlón: “Exato. São dois minutos para refletirmos sobre questões e comportamentos que têm afetado a convivência humana. São 8 músicas, com assuntos bem diversos dentro desse universo.

Duvido que alguém consiga passar pelo menu inicial da Telecombover sem se reconhecer em alguma das opções. Mas que fique claro:

A ideia não é apontar o dedo pra ninguém. Muitas das músicas são auto-analíticas, uma tentativa de me policiar de alguns comportamentos que não são legais quando estou com celular nas mãos. Ou de relatar experiências que vivi ou observo ao meu redor e que prejudicam os mais diversos tipos de relacionamentos – amorosos, profissionais, sociais…”

O mundo digital, seu vícios e egos conectados via wi-fi parecem ser o grande ponto de partida da obra. Como tem observado a mudança de comportamento nas redes sociais?

Don Carlón: Especificamente nas redes sociais, tenho a impressão de que as pessoas às vezes esquecem que há outras pessoas do outro lado da tela. Escrevem as coisas sem pensar se as palavras vão magoar, escrevem sem pensar nas consequências. E acham que um “ah, não foi a intenção” vai deixar tudo bem.”



E porque creem que o contato humano tem cada vez sido mais superficial? Teríamos diminuído nossa capacidade de sociabilização 1.0?

Don Carlón: Talvez. Acho que as pessoas estão cada vez mais egocêntricas e imediatistas. Querem as coisas na hora, querem tudo pra ontem e não entendem que muitas coisas demandam tempo.

Por exemplo: quando eu era criança, nos anos 80, em muitas cidades era necessário ligar para uma telefonista pra conseguir linha e fazer uma ligação. Hoje, as pessoas mandam mensagens de Whatsapp e esperam a resposta imediatamente.

Ou te ligam pra perguntar se você viu a mensagem dela. Poxa, e se a pessoa estiver no cinema, dormindo, transando…?

As pessoas andam muito egocêntricas e casa vez pensam menos no outro. Retrato dessa geração que vem com um “i” na frente.

Como funcionou o processo de planejamento deste disco?

Don Carlón: Antes de estarmos com as 8 músicas prontas, a ideia é que “Smartphones, Dumb People” fosse o primeiro de uma série de singles sobre esse lance com os celulares.

Na medida em que as músicas foram ficando prontas, cogitei fazermos dois ou três EPs pra espaçar os lançamentos, termos assunto por mais tempo.

Na hora em que estávamos com todas as músicas prontas e uma história pra amarrá-las, fizemos tudo ao contrário do que o mercado atualmente tem dito pra fazer: lançamos um disco inteiro.

Pode até ser um tiro no pé do ponto de vista mercadológico, etc e tal, mas a história de “Modern Drugs”, pra mim, só faz sentido se for contada desse jeito.”

O Resultado

Eu tô feliz demais com o resultado e quem já ouviu tem adorado a piada, o que me deixa bem feliz. Outra mudança que rolou no meio do processo foi que eu queria fazer um disco BEM cru, sem muita firula.

Depois do disco Anticore!, da Danger City, e do disco novo da Cat Vids, que gravamos aqui no Aurora, repensei algumas coisas da produção e resolvi dar uma incrementada em algumas músicas.

Tanto que tem duas músicas com teclados gravados pelo Pedro Pelotas, da Cachorro Grande, tem participação da Geo e da Helena, da Quarteta, em duas música, do Gabriel do Poltergat, do Júlio do Orange Disaster e do Macalé, do Emicaeli, baixo de pau do Claudio Villa, do Sangue de Androide, e altas percussões – algo que, até outro dia, eu jamais pensaria em fazer no Combover.

Ah, e pra não esquecer ninguém, o disco tem baixos do Murilo Fonseca, nosso ex-baixista, em três músicas, além do Pedro Ishikawa no baixo em outras quatro, bateria do Rafael Garga, gravação e masterização do Aécio de Souza aqui no Aurora. E a produção e mixagem foram feitas por mim mesmo – a primeira vez em que meti a mão na massa de fato.”

Aliás, “Modern Drugs” é cheio de piadas e brincadeiras com clichês e até outras bandas de rock, quais podem revelar para nós?

Don Carlón: Piadas e brincadeiras com clichês são praticamente a marca registrada do Combover. Tem uma menção explícita a Deep Purple em “Just Another One”. “Fake Satisfaction” ganhou o nome por causa do riff picaretaço que lembra Stones.

Mas eu diria que no disco dá pra sacar que eu gosto muito de Devo, Motörhead, Bad Brains, Hellacopters, Sonics, Queens of the Stone Age, Nirvana… Em termos de produção, diria que as minhas referências pra esse disco são mais Butthole Surfers e Dead Kennedys. Adoro como essas bandas se transformam musicalmente para contar uma história específica. Isso me inspirou bastante.”

Com agenda lotada e uma turnê com várias pernas pelo país, acreditam que estão prontos para encarar as encrencas e ligar no modo offline?

Don Carlón: Nunca estivemos tão prontos! Muita gente muito foda já tocou no Combover, mas, como o único membro da formação original (tem quem me chame de Humberto Gessinger do Combover hahaha), diria que estamos no nosso melhor momento ao vivo e lançamos nosso melhor disco.

A banda já tem 7 anos e tá lançando o terceiro disco. É louco só agora estarmos excursionando o Brasil. Mas não poderia ser um momento melhor pra gente.

O Garga e o Pedro tão mandando muito e tê-los na banda me ajuda a tocar e cantar melhor. E, numa boa, nada melhor do que o modo offline. Viver a vida real é uma dádiva.”

Modern Drugs Tour 2019

7/9 (sab) – Santa Rita do Sapucaí/MG, no Hacktown, com Autoramas, King in the Belly, The Outs e Hey Pappa
19/9 (qui) – São Paulo/SP na Casa do Mancha com Disaster Cities
26/9 (qui) – Curitiba/PR no Cavern Club com Wi-Fi Kills
27/9 (sex) – Balneário Cambouriú/SC no Mercado Pirata
28/9 (sab) – Florianópolis/SC no Taliesyn com Menage + Bizibeize
29/9 (dom) – Porto Alegre/RS na Casa Obscura
2/10 (qua) – Pelotas/RS no Diabluras com Marinas Found e Reflexos da Fudição
3/10 (qui) – Montevidéu/URU no Rock es la Cultura com Ginebra
4/10 (sex) – Buenos Aires/ARG no Panda Rojo com Carne
10/10 (qui) – Curitiba/PR na Casinha
19/10 (sab) – Santo André/SP no 74Club com The Mönic
19/11 (ter) – São Paulo/SP no Estúdio Aurora
22/11 (sex) – Recife/PE na Caverna Combover com Cosmo Grão
23/11 (sab) – João Pessoa/PB (a definir)
24/11 (dom) – Natal/RN – Combover no Festival Dosol

This post was published on 20 de setembro de 2019 11:23 am

Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

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