As vezes tentamos rotular muito e esquecemos da essência de um disco de rock’n’roll que está muitas vezes em sua construção orgânica. No fim das contas a mistura de estilos só funciona se for algo sincero.

Não adianta buscar referências em algum artista ou banda que tem “bombado” naquele ano que por mais que a resposta seja “rápida” e agrade alguns ouvidos naquele instante….o tempo depois dirá que aquele foi apenas um disco mediano daquela onda.

Quem acompanha o cenário independente brasileiro sabe bem como a cada 3 meses surge algo novo e fica difícil acompanhar a velocidade como esse turbilhão se movimenta.

É tanta coisa boa sendo produzida que ficamos muitas vezes sem tempo de apreciar uma obra como ela deveria ser vista. É até comum ver artistas que acabaram de sair do estúdio já sonhando com o próximo lançamento e não sabendo curtir aquele momento.

Por outro lado é interessante ver os artistas que tentam seguir o caminho oposto. Que trazem referência de uma vida toda e que na hora que entram no estúdio: tudo se encaixa.

Pude conhecer o trabalho da Britônicos recentemente. Inclusive já chegou a tocar no Dezgoveradoz (programa diário com direção do Hits Perdidos na Mutante Radio).

Como o próprio nome já diz o som tem tudo a ver com a British Invasion ou melhor dizendo Britpop. Mas não somente preso ao som noventista de grupos como Primal Scream, Pulp, Suede, Oasis, Stone Roses, Kasabian, The Verve, Radiohead, The Charlatans, Stereophonics, Placebo, Spiritualized e tantos outros mas também os anos 60 e 70. Tem Pink Floyd, Black Sabbath, The Who, Led Zeppelin e tantos outros na panela.


Com texturas do rock inglês aliadas ao rock alternativo Britônicos faz uma passeio nostálgico em seu álbum de estreia. – Foto Por: Marina Morena

Isso não quer dizer que eles pararam no tempo, em entrevista para o Pacóvios eles até citam que também curtem ouvir Arctic Monkeys, Stone Temple Pilots, Silverchair, Jeff Buckley e estarem ligados com o que acontece no cenário do rock independente local.

Algo bacana é que mesmo que as inspirações sejam da terra da rainha e do tio Sam o grupo não abre mão de cantar em português. O álbum como poderão conferir pode ser dividido em partes ou mini EP’s onde as transições de referências podem ser absorvidas.

Mas antes disso vamos contar um pouco mais sobre a Britônicos. A bada é composta por Felipe Gonçalves (voz e guitarra), Lennon Fernandes (guitarra), Claudio Froncillo (baixo) e Gustavo Scripelliti (bateria) e está na ativa desde 2010.

Britônicos – .…Ou Não (15/10/2017)

…Ou Não é o primeiro disco cheio do grupo paulistano. Antes disso em 2015 eles tinham lançado o EP Cinco – que literalmente tem cinco canções – e Onde a Estrada Vai (2015). O disco de estreia da Britônicos foi gravado no estúdio do guitarrista da banda, Lennon. 2015 como podem ver foi um ano mais do que produtivo para a banda, visto que como comentado na entrevista para o Pacóvios: o álbum começou a ser composto ainda lá.

A faixa “Constelações” por exemplo segundo a banda é totalmente inspirada em um trecho do livro On the Road, do Jack Kerouac e no do astrofísico Neil deGrasse Tyson, que através de sua equipe autorizou usar um trecho de seu trabalho na canção.

O lado cômico e descontraído também transparece logo no título do disco. “…Ou Não” veio de uma brincadeira interna do grupo que sempre quando parecia ter certeza sobre algo…alguém simplesmente completava: Ou Não!



O disco abre com “Já Não Sei Mais” essa que tem em sua percussão – e experimentações – um “q” de Primal Scream indo de encontro com uma energia um tanto quanto western. Não deixa de ser uma passeio pelo rock’n’roll com guitarradas bluseiras que me lembram artistas como Joe Cocker e Cream.

“Continuo Procurando” já começa mais acelerada e flerta com o stoner rock. Se você já ouviu os discos do Arctic Monkeys que Josh Homme produziu conseguirá sentir a levada mais pesada que dispensa até introdução. Os riffs são mais pesados e a canção funciona bem para quem espera algo com quebras e viradas alá Black Sabbath.

“Id” em si consegue contrastar pesos do rock alternativo do fim dos anos 80. Com muitas guitarras tem rock progressivo, cavalgadas do metal e um trabalho interessante na bateria. E olha que ela começa mais calminha e vai progredindo para algo mais pesado.

Aí que somos surpreendidos pela introspectiva “Hoje” que navega pelas ondas do post-rock/experimental. De certa forma ela tem um pouco de triphop antes de entrar as guitarras mais ardilosas. Os beats e o raciocínio de crescer da faixa me lembram as investidas do Nine Inch Nails se em algum momento encontrasse o Slash. A faixa começa como “baladinha” e vira uma fritação para rockeiro não colocar defeito.

Uma que começa toda estranha e robótica é “O Último Hausto”, esta que já embarca em uma levada progressiva. Aliás o rock progressivo é base para a maioria das composições. Cream, Pink Floyd, Rush, King Crimson fazendo escola.

Por mais que esta canção consegue flertar com o hard rock e outros devaneios setentistas. O solo de sua metade é praticamente impossível não ouvir e não pensar em caras como David Gilmour e Eric Clapton.

A próxima, “Feedback”, até ganhou um clipe muito bem humorado. Simples mas interativo, as dancinhas de quem não se leva a sério mescladas a explosão de cores e energia.

Algo me lembrou The Smiths em seus riffs iniciais porém um Smiths psicodélico. Então digamos que a música é meio que como se o Morrissey fosse cantar com uma pastilha de LSD na boca.


 


“High” já começa com um riff sexy de guitarra daqueles bem derretidos e conforme vai crescendo ganha o recurso dos teclados. Sim me lembrou muito a inteligente fusão de estilos que o disco AM faz.

As melodias dos vocais também são marcantes, o que faz com que a canção tenha uma levada mais de “balada” mas uma balada canastrona, se é que você me entende.

Os riffs de seu último minuto voltam a trazer o progressivo/psicodélico a tona. Sabe aquela canção que se tivesse sido feita nos anos 70 teria até espaço para sing-a-longs em estádios? Pois é, é dessa dose de energia que “High” consegue te envolver.

“Inevitável” é uma canção que ao menos para mim destoa um pouco das outras. Não só por ter o elemento do violão de cordas, mas por sua estrutura também mais melódica que desemboca – com língua e tudo – no hard rock.

Num é que os vocais de seu refrão ficam grudados feito chiclete na sua cabeça. Daquelas canções que poderiam até ganhar um clipe para mostrar toda sua densidade e transições. Ela tem sim seus altos mas também seus baixo, algo inevitável – como o próprio nome diz – em quase 5 minutos de canção.

A canção mais mística do álbum definitivamente é “Constelações”. Esta que conta com um trecho tirado de uma fala do astrofísico Neil Degrasse Tyson. Ele que bastante conhecido na internet por vídeos no qual discorre sobre mistérios do universo e religião. Assim como o Spiritualized a faixa enxerga o cosmos e o universo como uma extensão do nosso corpo.

Tanto é que seu tom sinfônico e espiritual é bem trabalhado em seus backin vocals. Os acordes mais delicados do post-rock mais uma vez ganham espaço, assim como os teclados que tem o papel de deixar o clima mais intimista. A canção é a minha favorita dentro do disco exatamente por sair da zona de conforto e experimentar.

A abstração claro que ia ficar para o final. “…Ou Não” é como aquela faixa final + bônus track e tem quase 11 minutos de duração. É uma epopeia e claro que tem toda uma narrativa, clímax  e anti-clímax, riffs pegajosos, solos, backin vocals e tudo que há direito.

O legal mesmo é isso, ela começa devagar, vai se entorpecendo e ganhando corpo para explodir. Volta para a abstração, vira uma ópera rock delicada e cheia de emoções, da raiva passando para a calmaria, da perda de controle a dissipação no cosmos. Ela vai diminuindo seus solos progressivamente até seu fim. Feito um pião perdendo força.



O disco de estreia da Britônicos consegue reunir muito da força do rock progressivo com o psicodélico. Sem esquecer das bandas que deram origem ao nome da banda, o tal do Brit Pop que arrasta multidões aonde quer que vá. De Primal Scream passando por Oasis, Arctic Monkeys e Pink Floyd podemos ver que “…Ou Não” é criativo e por muitas vezes alucinógeno. Diria até que é um disco sensorial, feito para ser sentido em doses homeopáticas. Suas “brisas” encaixam aos poucos e para mergulhar de cabeça na obra é necessário prestar a devida atenção nos detalhes.

This post was published on 20 de outubro de 2017 10:30 am

Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

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