Com ritmo “caliente” e ondas flamejantes The Raulis encara o pipeline de seu primeiro disco
Caliente e reverberante! Esse é o espírito dos H-A-O-L-E-S ou melhor dizendo The Raulis. Pude conhecer o som dos caras através de uma entrevista no trabalho diário de pesquisa por novas bandas deste país. Tanto é que chegou a estrelar algumas edições do Dezgovernadoz e Hits Perdidos na Mutante Radio.
O que me pegou de surpresa mesmo foi ouvir singles que já rascunhavam do que seria este primeiro álbum cheio dos pernambucanos. Não é apenas mais um disco de surf music reto e direto mas sim um trabalho que abraça outros estilos populares latinos como chicha e cumbia. Obviamente os riffs do rock’n’roll não ficariam de fora.
É claro que Chuck Berry, Dick Dale, The Ventures, The Surfaris, The Trashmen e tantos outros mais modernos estão no escopo do som do grupo mas há uma ousadia e pesquisa em trazer este ar dos trópicos para “La buena onda” do grupo.
Em 2015 foi lançado o EP The Raulis este que foi um bom aperitivo para apresentar a banda. 15 minutos e vontade de quero mais. Altamente conectados com suas raízes mesmo morando em São Paulo eles mantém fortes laços com sua terra natal.
Sua identidade visual é mais uma prova disso. Um dos símbolos da banda é seu guitarrista mascarado. Com máscara de “Lucha Libre” mexicana, o personagem foi composto ainda no primeiro lançamento oficial da banda que teve a máscara na arte criada pelo designer Caramurú Baumgartner.
O primeiro EP contou com 5 canções e já continha alguns traços que mostravam que a experimentação poderia dar liga. “Paiva” por exemplo já tem ares de um “tecnobrega”, as latinidades e o lado western também tem espaço em “Pedra do Xaréu” e o Ska tradicional transcende nos sopros de “Pipeline” feito uma composição dos jamaicanos do The Skatalites.
Mas voltando a capa, depois do guitarrista misterioso mascarado, Arthur Soares, virar figura carimbada do grupo com o adereço de sua mascara estilizada e única eles chamaram a atenção de uma grife.
A marca em questão é OUSH! que tem enfoque em camisas. Eles decidiram traduzir o conceito da banda em uma coleção, assim nos shows eles são de certa forma garotos propaganda. O que tem tudo a ver, né? Uma boa camiseta florida, praiana, latina e “en fuego”.
O grupo nasceu em 2012 e tem em sua formação Arthur Soares (Guitarra, synth e samples), Rafael Gadelha (Baixo), Antônio Marques (Bateria), Gabriel Izidoro (Guitarra e teclados) e Rafael Cunha (teclados, percussão e samples). O primeiro EP rendeu com que fossem chamados para tocar em festivais como o tradicional Coquetel Molotov, o PicNik (Brasília / DF) entre outros.
The Raulis – The Raulis (02/10/2017)
O disco foi gravado em Recife e São Paulo nos estúdios: Estúdio Casona (Recife/PE), Estúdio Abacateiro (São Paulo/SP) e Estúdio Pompeia 1895, onde residem atualmente. O guitarrista Arthur “Dossa” Soares assina a gravação, edição, mixagem e masterização, sendo assim um projeto completamente D.I.Y.
Para a onda dar caldo o álbum conta com a s participações de Chiquinho Moreira (Mombojó) e Felipe S (Mombojó), Gustavo Cék (Bixiga 70), Rômulo Nardes (Bixiga 70), Yuri Queiroga (Elba Ramalho), Jhonny Crash (The Dead Rocks), Bruno Luíz (Os Aquamans), Luizinho Nascimento (Di Melo e Mato Seco), Thiago Menezes (Cosmo Grão) e Claudio N (Chambaril), que fizeram uma gravação complementar separadamente. A selvagem arte da capa foi feita pelo tecladista da banda, Rafael Cunha.
No dia 26 foi a vez do single “Gabriela, Rainha da Selva” ser lançado através das redes sociais da banda de Recife. A faixa que tem a responsabilidade de abrir o trabalho conta com as percussões de Gustavo Cék e Rômulo Nardes, ambos integrantes do grupo Bixiga 70.
Esta que já chega com muita selvageria, literalmente. O riff rebuscado combinado com a percussão envolvente já te chamam para bailar em seus primeiro segundos. Conforme a canção progride entram sons de animais como elefantes, macacos, leões, tigres e toda a fauna.
É como um grande passeio em uma selva desconhecida mas pouco amistosa. É o caldo fervendo logo no primeiro som do disco. O alagoano Figueroas, aquele mesmo da balada quente, aprovaria num piscar de olhos.
Na sequência somos surpreendidos por um convite inesperado na voz de Claudio N. (Chambaril) que anuncia a matinê que está por vir, salva o gongo é hora de se deliciar com a “Matinê Dançante”. Esta que também conta com Johnny Crash (The Dead Rocks) na guitarra e Chiquinho Moreira (Mombojó) e Bruno Luiz da ótima banda de surf music do interior de Pernambuco, Os Aquamans, nos teclados.
O papel da chamada é introduzir de maneira “lúdica” e com bom humor a proposta sonora da banda. Assim entram os riffs de surf rock e a atmosfera praiana, uma faixa hipnótica com trechos sendo ecoados e muita distorção nas guitarras. O baixo segura as pontas de toda essa loucura e deixa o caminho livre para riffs mais ousados comandarem o pipeline. Por horas a canção flerta com o garage rock e a psicodelia, afinal de contas o rock’n’roll está no DNA desta praia.
Não é que o ar dos campos andinos não iam reverberar no horizonte? Pois bem a terceira faixa do disco é justamente “Amor Andino” essa que conta novamente Gustavo Cék e Rômulo Nardes (Bixiga 70) na percussão. Apesar de não ter instrumentos como ronroco (uma espécie de Ukulele Andino) ou outro instrumento regional a canção consegue reunir elementos inerentes da cultura latina.
As guitarras da canção são mais açucaradas e os samples tem aquele ar de tecnobrega e misturas comuns na América Latina. Eu não deveria estar explicando isso porém sabemos como infelizmente o som latino ainda sofra resistência do ouvinte brasileiro, mas é um exercício que vamos de pouco em pouco alcançando. O crescimento de grupos como Francisco, El Hombre deve ser visto como algo extremamente positivo nesta longa caminhada. “Despacito” o mundo vai redescobrindo a lambada, a rumba, a salsa, o reggaeton, o mambo, o bolero, o merengue, a bachata, o rocksteady e tantos outros.
Foi só falar em latinidade que o The Raulis nos convida para bailar juntinho um Tango argentino em “Goul Tango”. Claro que mesclado a vitalidade da surf music o que dá um fôlego ao ritmo centenário. Então ao ouvir a canção já vai treinando, dois passinhos para cá, dois passinhos para lá…e não esqueça de conduzir sua/seu parceira (o)!
O ar pistoleiro e faroeste está presente na seguinte, “Além da Culpa do Trovão”. Esta que chega de mansinho com um assobio que reverbera através de uma guitarra baixa e some na escuridão.
A canção serve como introdução para “La Niegra” esta que conta com Felipe S (Mombojó) no Sintetizador e Luizinho Nascimento no trompete, este último que integra projetos como Di Melo e Mato Seco.
“La Niegra” chega de mansinho com samples, guitarras cheias de distorção e energia crescente. O trompete dá um tom sonhador e espacial a canção que parece estar hipnotizada pela lua cheia de uma noite escura de verão. De certa forma essa canção saúda os mariachis mexicanos.
A ordem das canções é algo a se elogiar e a experiência sensorial de ouvir o disco de cabo a rabo sem interrupções faz toda a diferença. Se a anterior tem ares de México e de arena, “São Lourenço de la muerte” tem os ares de um espetáculo tradicional mexicano. Uma canção para ouvir no 5 de Mayo (data de quando o povo de Puebla derrotou os franceses em uma mini-guerra) ou até no dia de los muertos no fim deste mês.
As celebrações por lá começam no dia 31 e vão até dia 2 de Novembro. Segundo a crença popular, nos dias 1 e 2, chamados de Días de Muertos, os mortos têm permissão divina para visitar parentes e amigos. Por isso, as pessoas enfeitam suas casas com flores, velas e incensos, e preparam as comidas preferidas dos que já partiram. As pessoas fazem máscaras de caveira, vestem roupas com esqueletos pintados ou se fantasiam de morte.
Depois de celebrar os mortos claro que viria a pobre da viúva chorar as pitangas. Com ritmo ainda caliente e já voltando para a cumbia (ritmo bastante popular no país hermano) temos “Viuda Blanca”. Esta que novamente tem o auxílio na percussão da dupla do Bixiga 70.
A guitarra milonguera carrega toda emotividade da dor da morte e os tambores dão o tom nefasto e fúnebre da alma que neste momento em quanto sua amada chora, sua alma caminha em direção aos portões do inferno. É lá que a próxima canção desemboca, afinal de contas chegamos a casa de “Satanás”, nona faixa do disco.
A tensão paira no ar, estar de frente com o senhor das trevas exige uma certa destreza. O cenário pega fogo e as guitarras soam como combustível da barca neste outro plano. As curvas são sinuosas e o tinhoso está prestes a tirar a alma de nosso pobre luchador. Para quem curtir um bom rockabilly garageiro que flerta com surf music a canção é um prato cheio. No fim da canção é claro que o tinhoso vem cobrar o que é seu por direito!
“Desalmada” nosso personagem chega a este ponto sem mais nada, é o fim da linha. É nesse ritmo perverso e solitário que chegamos a canção que tem a função de fechar o álbum.
Ela tem contornos de riffs alá The Trashmen entrelaçados com um ar tenso no ar, é uma canção cheia de culpa, medo e desolação. Ela que conta com a participação de Yuri Queiroga (Elba Ramalho) e Thiago Menezes (Cosmo Grão) nas guitarras.
O interessante de se observar é a progressão que a faixa caminha com muita vitalidade, desta vez quem dá as coordenadas são as parrudas linhas de baixo. Com muito ritmo, groove e consistência o álbum se encerra.
O surf rock de Dick Dale, The Trashmen e The Ventures ainda está presente, o lado bluseiro e rock’n’roll sessentista também mas é essa alegria latina que traz todo o “charme” ao disco. As participações de membros de bandas como Mombojó, Bixiga 70, Os Aquamans, Cosmo Grão, The Dead Rocks, Elba Ramalho, Di Melo, Mato Seco e Chambaril trazem novos ares para que o conceito forte do disco não se perca. Um álbum para se ouvir com seus headphones no fim de tarde ou até mesmo em volta de uma fogueira com outras “cositas más”.
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