Em um mundo onde oceanos criam fronteiras, a música vem na contramão e une todos através de uma linguagem universal. Não tendo limites por onde estes voos podem alcançar. Talvez esta seja a beleza por traz dos acordes, loopings e percussão.
O Lucky Lupe surgiu como um duo ainda em Lisboa tendo em sua formação David Ferreira (Guitarra/Baixo/Synts) e Tiago Salsinha (Bateria). Em 2014, David saiu de Portugal para morar na capital paulista. Um grande desafio afinal de contas a adaptação a um novo país com condição de vida e cultura diferente sempre demanda tempo e paciência.
Inclusive no cenário underground que mesmo com similaridades em dificuldades – e desafios – é um território novo a ser explorado. Como Tiago ficou em Portugal, aqui no Brasil ele arranjou um parceiro para tocar junto, assim recrutando para o projeto o brasileiro Adriano Radael.
David Ferreira e seu Double Neck. – Foto: Divulgação
Em 2016 chegava a hora de lançar o primeiro material de estúdio da banda, o EP Lucky Lupe. Este que foi composto e gravado em Lisboa junto de Tiago. Para o show de estreia foram feitos dois shows um tanto quanto especiais: um durante a SIM São Paulo ao lado de Adriano e outro em Lisboa ao lado de Tiago.
O som da banda é a soma das vivências de David que passou sua vida toda apreciando músicas dos mais diversos estilos, o que agrega na rica mistura e gama de sons que o projeto carrega. Você sente o post-rock do Mogwai, o psicodélico do Pink Floyd, a dance music, o Jazz, o indie pop, rock progressivo e o rock alternativo.
Tudo isso soa muito natural ao ouvir o disco. A magia está justamente em como ele consegue explorar esses estilos que se fundem e carregam sua alma nos mais pequenos detalhes. Ferreira utiliza do recurso de um double neck (guitarra + baixo no mesmo instrumento para leigos) e ainda toca sintetizador, utiliza de diversos pedais de efeitos e explora loopstations.

Lucky Lupe Lucky Lupe (2016) 



O EP conta com seis faixas e elas são ricas e plurais desde seus primeiros acordes a busca por recursos parece ser algo insaciável para o duo. As sensações ao ouvir o EP são diversas, tem horas que tem espaço para a contemplação, em outros momentos para a dança, já em outras traz uma doce sensação de calmaria e paz. É tudo muito orgânico e tudo se soma e casa muito bem.
A canção que abre o trabalho é “Quarto Zimmer” está que carrega um alto astral evidente e revigorante. Este som flerta com a dance music e com a psicodelia setentista, é como se estivéssemos à bordo de uma espaçonave com destino incerto. A progressão de acordes não te deixa parado, ao mesmo tempo que te leva para o campo da abstração.
“Delay Song” tem aquele espírito Pinball Wizard (The Who) abraçando as guitarras do Rush. São 7 minutos de devaneios em uma atmosfera alucinante e hipnótica. A maneira como a música progride e o recurso dos synths e riffs de guitarra fazem com que sua atenção não se perca. É neste momento que o brilho do post rock se evidencia. É tudo muito matemático e flerta por alguns momentos com o math rock. O mais legal é que isto é atemporal e poderia ter sido feito nos anos 70, 80 ou em 2017.
Antes de tecer comentários sobre “Herbie Hancock Wannabes” gostaria de apresentar para quem não conhece: quem é Herbie. Herbie Hancock é um pianista e compositor norte-americano considerado um dos mestres do jazz. Nos anos 60 tendo até tocado com outro gênio, Miles Davis.
Durante esta parceria ele foi apresentado ao piano elétrico Fender Rhodes o qual mudou sua vida. Ele logo improvisou este com uma adaptação de um pedal de wah-wah e uma câmara de eco (um Echoplex) o que fez com que ele encontrasse novas possibilidades e sonoridades.
Sendo amante do jazz nada como David homenagear o músico e compositor com uma canção. A faixa conta com um baixo pegado com as métricas do jazz e utiliza da bateria eletrônica para dar um beat que casa com os riffs de guitarra um tanto quanto cibernéticos. Se você pirar em Kraftwerk, Jazz Punk e No Wave meu amigo essa será sua canção favorita no disco. Ela tem swing, levada e te conduz direto para a pista de dança.
Se tem uma canção que te desconecta da órbita certamente é “Desabafo”. Ela concilia sintetizadores a riffs do funk e do rock progressivo. Feito uma viagem intergalática, com espaço até para solos de guitarra. Gosto da onda um tanto quanto surfadélica que me remete ao clássico Surfer Rosa (1988) do Pixies somado aos tempos quebradiços do At The Drive-In.
Aqui no Brasil em 1993 o Second Come do Rio de Janeiro lançou You um disco que vale o play em seguida que escutar essa faixa pois creio que dialoga de maneira incrível com esse som em específico.
Já caminhando para o fim do EP nos deparamos com “Itqb” essa que vai agradar a fãs de Explosions In The Skies, Tortoise, Pelican e Melies por seu tom matemático e progressivo. Ao mesmo tempo que ela voa através de arranha céus, ela carrega uma sensação de angústia e magnetismo em suas linhas de guitarra. Algo a se destacar são os efeitos de pedal e riffs complexos que servem como combustível para a canção.
A faixa que tem a responsabilidade de fechar o EP é “Funk Song” que sintetiza o conceito de não se prender a estilosos musicais na hora de criar. Ela é criativa e soma vários elementos em camadas que abraçam tanto o funk, o post-punk, como o synthpop do Depeche Mode e o rock alternativo. Uma canção com good vibes que deveria ganhar um videoclipe com direito a um pôr do sol.


O EP de estreia do Lucky Lupe é plural e orgânico. Condensa através de experimentações influências adquiridas ao longo de toda uma vida. Tem post-rock, psicodelia, jazz, rock progressivo, No Wave, dance music, eletrônica, pop, rock alternativo, kraut rock e muitas outras influências que a cada audição ganham outra dimensão e peso. Através dos pedais, do double neck, sintetizadores, baterias e riffs potentes de guitarra que David e Tiago conseguem mostrar através de sua sensibilidade – e ouvido apurado – suas emoções.
No ano passado eles lançaram a primeira faixa gravada no Brasil, “Phased Tripping” esta que foi gravada no Family Mob, em São Paulo. Eles agora em abril gravaram uma faixa inédita para o projeto da Levi’s então em breve teremos muitas novidades sobre a Lucky Lupe!


É interessante ver a camada psicodélica de “Phase Tripping” que viaja também pelas ondas magnéticas do post-rock e shoegaze. A faixa ainda com a bateria no melhor estilo jazz. Mostrando que a busca por referências nunca para. Caso gostem dessa viagem alucinante da faixa, procurem pelo disco dos Molodoys que resenhamos aqui no Hits Perdidos.
Depois de ouvir o EP, nada como conversar um pouco com o David Ferreira para saber mais sobre o projeto, origens, adaptação do país, cenário underground e futuro.

[Hits Perdidos] A banda surgiu em Portugal entre 2012/2013 porém o primeiro material lançado oficialmente já foi em solo brasileiro e com outro baterista local. As canções já eram antigas ou na hora de gravar começaram do zero?

David Ferreira: Na verdade lançamos o disco com um Show na SIM (semana internacional da música em SP) e com um show em Lisboa.

No show da SIM tocou o Adriano Radael na bateria e no show de Lisboa tocou o Tiago Salsinha, que é o membro fundador da banda juntamente comigo. Todos os temas que estão no nosso disco de estreia, foram compostos e gravados em Lisboa por mim e pelo Tiago.
Antes de vir viver para São Paulo fiz questão de gravar os temas que eu e o Tiago escolhemos para o disco.

[Hits Perdidos] Como foi a adaptação ao país?

David Ferreira: Não foi fácil, ainda não está a ser fácil, há muitas diferenças, quer a nível social ou cultural, as desigualdades sociais são bem evidentes aqui em SP e isso chocou me um pouco. Por outro lado toda a gente que conheci aqui me acolheu super bem, toda gente me tratou super bem e isso ajudou na integração. É um processo continuo de adaptação, acho que não tem fim…. Não tenho o que falar mal do Brasil, antes pelo contrario, é um país em mudança e no pouco tempo que tenho de Brasil já consegui fazer muita coisa com o Lucky Lupe, então nesse sentido tenho de estar grato.

Recentemente o duo gravou um single para o projeto Casa Levi’s. Em breve teremos novidades – Foto: Divulgação

[Hits Perdidos] Como observa o cenário independente por aqui e que paralelo faria com a cena em Portugal? São realidades bastante distintas?
David Ferreira: O cenário independente aqui é similar ao de Lisboa, tirando a diferença de tamanho, para poder ter uma ideia, só na cidade de São Paulo vivem mais pessoas que em Portugal inteiro. Nesse sentido acredito que hajam mais oportunidades aqui.
As dificuldades são as mesmas e existe público interessado em ambos os locais. A diferença é que em Lisboa tu estás a 6 horas de Madrid indo de carro, estás a 50 € de Londres, Paris ou Berlim indo de avião…. O circuito na Europa na minha opinião é bem melhor que na América do Sul e para quem tem uma banda talvez seja mais interessante a Europa. Não é á toa que varias bandas brasileiras querem ir para lá…

[Hits Perdidos] Algo a se destacar é que você utiliza um double neck e acumula a função do baixo e guitarra. Como funciona isso na prática?

David Ferreira: Bom, eu uso de fato o Double Neck de Guitarra e Baixo e toco também os Synths, foi uma questão de necessidade, precisava ter um som de Guitarra e Baixo, daí ter mandado construir esse instrumento.
O Lucky Lupe é uma banda que usa Loopstations, na pratica eu vou gravando os riffs nos Loopstations e criando camadas de som, sobrepondo os sons e tocando em cima desses sons. Se você for ver um show nosso vai reparar que é bem “esquizofrênico” pois nós não usamos nenhum som pré gravado ou sequenciado. Desta forma fica bem complicado executar tudo, mas é uma opção nossa, dá trabalho, precisa ensaiar bastante mas o fato de o público escutar os sons tocados na hora e gravados nas loopstations em real time também tem o seu impacto e torna a banda bem diferenciada.


Lucky Lupe em ação. – Foto: João Baptista Lago

[Hits Perdidos] O virtuosismo é algo notável nas composições. Mas as referências não conseguiria encaixar apenas em pós rock, progressivo, tem um pouco de dance music e elementos de outros gêneros como jazz e psicodelia. Qual o background musical?

David Ferreira: Virtuosismo não existe 🙂 o que existe é trabalho, ensaio e estudo. Não há virtuosos, há pessoas que se esforçam muito para atingir o nível que pretendem. Toda a gente consegue tocar um instrumento, basta estudar.
O meu background musical vai desde o Metal ao Jazz instrumental, passando por música POP, Rock, Indie, Alternativo e Psicodélico.
Tudo junto acho que soa ao Lucky Lupe, e de fato penso que você pode encontrar um pouco de tudo no nosso disco, é como você falou tem uma pegada de Dance Music, Jazz, Rock Alternativo e Psicodélico porque esse foi o som que eu escutei e escuto ainda.
É como você falar uma língua, se você for do interior tem um sotaque, se for do Rio tem outro sotaque e assim em diante, você quando se expressa seja a falar, escrever ou a compor uma musica, inevitavelmente você vai usar “expressões” que você aprendeu ao longo da sua vida, você vai utilizar o seu vocabulário.

[Hits Perdidos] Acredito que para os músicos de post-rock algo que sempre desperta curiosidade é em relação aos pedais e seus efeitos. Quais utiliza e quais tenha adquirido recentemente e já tenha começado a brincar de tirar novas sonoridades? Falando nisso teremos material novo em breve?

David Ferreira: Na verdade não uso nada de muito diferente, uso pedais de delay, overdrive, phaser, whammy, reverb e um compressor. Recentemente comecei a usar menos overdrive e mais um fuzz, o fuzz tem um caráter muito louco e diferente do overdrive, isso tem me agradado bastante.
No meu set a diferença são as Loopstations, que como falei servem para gravar e reproduzir os sons, eu no Lucky Lupe uso 3 Loopstations.
O Synth que uso também confere uma estética diferente ao som e isso também me agrada bastante. Sim, teremos material novo muito em breve, estou a compor o segundo disco do Lucky Lupe, em breve haverá uns previews para vocês.

[Hits Perdidos] Quais discos fizeram querer abrir o leque de influências? E como funciona o processo criativo?

David Ferreira: Acho injusto falar de 2 ou 3 discos, as influências são como falei toda música que escutei ao longo da vida, todas as minhas experiências enquanto ser humano, e todas as minhas vivências. Tudo junto e misturado torna se então a força motriz da minha criatividade.
Eu não tenho nenhum método para compor, por vezes começo com uma linha de baixo, ou uma guitarra, ou um synth, ou até mesmo um beat e vou experimentando, as vezes no final da coisa, o que fiz em primeiro lugar ja nem existe porque acabou por se tornar noutra coisa.
Sendo sincero vou compondo conforme me vem as ideias, não tenho uma sequencia, um método ou algo do gênero, é algo bem livre e despretensioso, procuro fazer no Lucky Lupe a musica que gosto, dentro daquela estética de som.

Lucky Lupe

This post was published on 26 de abril de 2017 7:44 pm

Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

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