C6 Fest: 3º dia celebra a música brasileira, vai do experimental ao indie e fecha com chave de ouro com jazz
Quando o line-up do C6 Fest foi divulgado as lembranças na timeline foram de festivais icônicos e com curadorias ousadas que misturavam a vanguarda com o que era o próximo Hit (ainda perdido). Tais como Free Jazz Festival e Tim Festival que marcaram época em edições que apresentaram muitos artistas que alcançariam o topo das paradas dentro dos seus respectivos nichos.
Com ingressos elevados e bem distante da realidade do brasileiro, o festival contou com as vendas em modalidades de palco, algo que muitos estranharam e gerou um espécie de incômodo por parte dos fãs que teriam que desembolsar mais de R$3000 para usufruir da experiência completa. Tendo o Parque do Ibirapuera como sua casa, o festival marcado para os dias 19, 20 e 21 de maio teve sua estrutura dividida entre o Auditório do Ibirapuera (Plateia interna), a Plateia externa com outro palco, além da Tenda Heineken e além do Pacubra (subsolo) para sets eletrônicos.
O domingo (21/05) contou com as apresentações de Black Country, New Road, Weyes Blood e The War On Drugs, na Tenda Heineken. 1973, Tim Bernardes Canta Gal Costa e Caetano Veloso no Auditório do Ibirapuera (Plateia Externa), Samara Joy, DOMi & JD Beck e The Comet Is Coming no Auditório do Ibirapuera (Plateia Interna). Além da Cremosa Vinil, Selvagem e Deekapz no Pacubra (Subsolo).
De longe foi o dia mais cheio com muitos indo conferir os shows do Caetano Veloso, Black Country, New Road, Weyes Blood e The War On Drugs. O que não atrapalhou a experiência. Os shows no Auditório do Ibirapuera sofreram um atraso significativo entre as apresentações.
Terceiro Dia: C6 Fest
Tim Bernardes Canta Gal Costa
Normalmente homenagens a artistas cantando repertório de outros soa como “um show cover disfarçado” só que esse em específico tem um elemento diferente já que Tim Bernardes esteve com Gal Costa no palco do último show dela. Pouco mais de 6 meses depois da partida da baiana aos 77 anos, o festival escalou o show em homenagem a estrela da música brasileira para às 17 horas, um pouco antes do show de Caetano Veloso que também faria homenagem a uma das suas melhores amigas, “Baby” que foi composta por Caetano Veloso em 1968 sob encomenda de Maria Bethânia mas que imortalizou na voz de Gal Costa. A artista chegou a regrava 5 vezes a canção ao longo dos mais de 52 anos da existência da vida da música.
Presente no show de Caetano, a música foi escolhida por Tim Bernardes para abrir o show. Eles chegaram em 2021 a gravar um webclipe cantando juntos a canção, por isso a simbologia de abrir logo com ela.
A estética do show é toda minimalista, mesmo tocando ainda antes do pôr do sol, seu palco sem cenário e apenas com 4 holofotes fortes, que ofuscavam a lente das câmeras dos fãs que queriam tirar fotos, ele chegou tendo a sua disposição apenas com microfone a postos, caixas de som e um par de violões. Em determinado momento a pedido dos fãs, Tim pede para a produção abaixar um pouco a luz para a melhor experiência para quem estava assistindo a performance.
Na terceira música ele aproveita para interagir com o público antes de tocar “Realmente Lindo”, de sua autoria e que foi gravada pela Gal Costa em álbum lançado em 2018, lembrando da sua história por trás. Conta que o produtor Marcus Preto que produziu o disco de Gal pediu uma música especialmente para Gal e ela acabou escolhendo esta entre tantas outras enviadas.
Ele lembra também que não achou que iria conhecer Gal, diz que é sua heroína dedicando o show a uma das vozes mais belas da música brasileira e admite que nunca imaginaria que ela gravaria uma música sua. Algo que aconteceu também com Teago Oliveira, da Maglore, que viu “Motor” ser regravada por Gal Costa, Pitty e Erasmo Carlos.
O show ainda passa por vários hits da carreira da artista como “Indie”, “Volta”, “Que pena (ele já não gosta de mim)” e fecha com “Vapor Barato”, as duas últimas que ganharam arranjos de uma orquestra na Sala São Paulo em apresentação de Tributo a Gal Costa realizado ainda durante o derradeiro novembro do ano passado, onde Tim Bernardes toca com sua guitarra (Assista as versões orquestradas para “Vapor Barato” e “Que pena (ele já não gosta de mim)” feat. com Lívia Nestrovski).
Setlist Tim Bernardes cantando Gal Costa no C6 Fest
Baby (Gal Costa cover)
Minha voz, minha vida (Gal Costa cover)
Realmente lindo
Negro amor (Gal Costa cover)
India (Gal Costa cover)
Vou recomeçar (Gal Costa cover)
Esotérico (Gilberto Gil cover)
Volta (Gal Costa cover)
Sua estupidez (Gal Costa cover)
Flor de Maracujá (Gal Costa cover)
Jóia (Gal Costa cover)
Que pena (ele já não gosta mais de mim) (Gal Costa cover)
Vapor barato (Gal Costa cover)
Black Country, New Road
Muito se falou sobre lançar o primeiro disco, For the first time (2021), sendo este muito aclamado e logo após lidar com a saída do vocalista Isaac Wood. O próprio baterista Charlie Wayne admitiu e chamou o episódio de “Choque Tremendo” e sua importância para a banda. Visto que o primeiro álbum foi considerado uma fusão entre post-punk, klezmer, post-rock, jazz e art-pop, levando eles a serem comparados com o Slint e o black midi. Entretanto é importante lembrar que ele saiu devido a problemas com sua saúde mental, e que é um problema sério que deve ter prioridade sempre em nossas vidas.
Optando por permanecer como um sexteto eles lançado no ano passado o álbum Ants From Up There, tendo uma boa repercussão também da mídia. Porém quem estava penando que eles tocariam canções de ambos os discos, se enganou. Devido ao respeito que tem a Wood eles têm optado por não tocar músicas que o integrante participou e por isso 7 das 9 canções do setlist pertecem ao álbum ao vivo Live At Bush Hall (vale a pena assistir ao álbum visual) apenas “The Boy” e “The Wrong Trousers”, ficando de fora. As faixas que entram no lugar são justamente “Horses” e “Nancy Tries to Take the Night”, faixas que não foram oficialmente lançadas.
Bastante animados eles não esperavam ter tantos fãs por aqui que os receberam aos berros. Entram inclusive ao som de “Crazy In Love” da Beyoncé. Algo que podemos ressaltar nos dois dias que pudemos acompanhar os shows na Tenda Heineken era o fato de alguns shows estarem muito baixos e outros com o grave das caixas estourando, fato é que era possível ver a violinista pedindo em vários momentos para subir o som do seu instrumento.
Com tantos integrantes no palco, até o mapa do palco era um desafio para os fotógrafos, visto que com o revezamento de vocalistas, muitas vezes eles se postavam longe do pitch. Por outro lado o talento era algo que era possível sentir de longe entre as inúmeras quebras de estrutura, experimentação e alternância entre momentos de calmaria e explosão. Destaques para as performances de “Laughing Song” e “I Won’t Always Love You”.
Uma cena inusitada foi quando em uma faixa mais delicada onde apenas teclado, violino e voz se fazem presentes na maior parte da música, o resto da banda senta no chão, como se estivesse em um picnic, e aproveita para tomar uma cervejinha enquanto assiste as companheiras. Como se eles também fossem parte do público. Algo meio surrealista? Bom isso também faz parte do show onde até mesmo o saxofonista entra com um bermudão jeans já quebrando todo o protocolo desde o pisar no palco.
A evolução das faixas é bastante interessante e conversa muito com a música do Reino Unido no geral, é possível ver a influência da música celta e galesa em detalhes, como o banjo, os violinos e o bandolim, que nos levam para bandas do indie como os canadenses do Broken Social Scene e dos galeses do Super Furry Animals mas também vão ao encontro de bandas clássicas da região como Dubliners e The Pogues. No fim uma hora de show foi pouco, e fizeram falta as músicas mais antigas do grupo, mas temos que respeitar a decisão deles e exaltar o show incrível que entregaram. Agora é torcer para uma volta em show solo fora de festival.
Setlist Black Country, New Road no C6 Fest
Entram ao som de: Crazy in Love (Beyoncé song)
Up Song
I Won’t Always Love You
Across the Pond Friend
Laughing Song
Horses
Nancy Tries to Take the Night
Turbines/Pigs
Dancers
Up Song (Reprise)
Weyes Blood
Natalie Laura Mering, tem toda aquela energia da California, e é até possível imaginar ela cantando “San Francisco” do Scott McKenzie, lançada em 1967, fica a dica que uma versão na voz dela ficaria algo precioso e bastante delicado. Vai muito de encontro com as suas referências que passam pela literatura, o pop e o folk psicodélico. Ela veio ao país para promover o seu quinto álbum de estúdio, And in the Darkness, Hearts Aglow, lançado pela Sub Pop no dia 18 de novembro.
Com roupa branca e ar leve ela já chega com direito a canções com arranjos minimalistas de teclas e seu jeito nos transmite sua religiosidade e influência latente do country dentro do seu trabalho. Lembrando em certos momentos a mesma energia da fase Gospel do Elvis Presley. Imersa em luzes rosa e roxa em um cenário repleto de candelabros, feito uma igreja, o piano e os arranjos nos levam direto para a década de 70. Se os fãs temiam um show muito calmo e blasé, ela divide o ato em momentos entre a introspecção, brincadeiras com seu vestido, elegância, muita calma….mas no fim tem até espaço para dança.
Antes de tocar a terceira faixa do seu show, “Grapevine”, Weyes Blood, agradece ao público e diz que viu capivaras na estrada ontem e achou o máximo porque é muito fã. Ela aproveita para trazer a tona uma curiosidade dizendo que compôs a canção quando estava viajando por uma estrada na Califórnia.
Pronta para tocar um dos seus hits, “Andromeda”, Natalie pergunta se os presentes acreditam em astrologia e pede para levantar a mão para quem acredita e também para quem desacredita nos astros. Depois diz para imaginar se fosse de outro signo, de uma galáxia distante, e começa a cantar. Um momento gracioso envolvendo uma troca íntima com os fãs para apresentar um pouco mais do contexto da sua composição.
Na sétima música, “A Lot’s Gonna Change”, lembra que viria ai Brasil em 2020 mas por conta da pandemia teve que esperar. Após ela dizer isso os versos da canção “… A lot’s gonna change / In your lifetime / Try to leave it all behind / In your lifetime” até ganham novos contextos para os presentes mesmo a música integrando o álbum Titanic Rising (2019), o que mostra como a turnê mundial foi frustrada devido a todo cenário.
Já na reta final ela diz que vai tocar 2 músicas novas (toca “Twin Flame” de 2022), e frisa que vai cantar umas dançantes, vibe do próximo disco que revelou para gente em entrevista exclusiva que já está gravado. Completa dizendo que significa que vai ter que voltar pro Brasil o quanto antes.
A vibe das últimas canções que fecham o show se traduz em algo como se a Enya fizesse dance music. Ela escolhe para encerrar o espetáculo, “Movies”, e com um buquê em mãos arremessa cada ramo de flor branca, assim como seu vestido, para o público em canção recheada com guitarras estridentes, teclado trazendo tensão e vocais suaves.
Assim que ela encerra, os fãs atiram DVDs no palco, ela pega 2 e leva para o camarim. Algo no mínimo curioso foi ver Tim Bernardes que acompanhava o show do Pitch de fotógrafos, abaixando a cabeça para desviar da dezena de capas que eram tacadas em direção ao palco. Fãs de Weyes Blood, se puderem nos contem de onde vem essa história de arremesso de DVD’s.
Setlist Weyes Blood no C6 Fest
It’s Not Just Me, It’s Everybody
Children of the Empire
Grapevine
Andromeda
God Turn Me Into a Flower
Everyday
A Lot’s Gonna Change
Something to Believe
Twin Flame
Movies
The War On Drugs
Não dá para começar essa resenha de outra forma que não seja dizer que era um sonho antigo assistir a uma apresentação do The War On Drugs, meu primeiro contato mais íntimo foi com o terceiro álbum de estúdio, Lost in the Dream, ainda em 2014. Até triste ler que durante a turnê daquele disco o vocalista, Adam Granduciel, sofria com a solidão e foi diagnosticado com depressão clínica.
Uma curiosidade é que o projeto nasceu do encontro de Granduciel com Kurt Vile, que logo após o primeiro trabalho largou a banda e foi se dedicar exclusivamente a sua carreira solo, Kurt Ville and The Violators. Outra é que Deeper Understanding, o quarto disco do The War On Drugs, levou em 2017 o Grammy de Melhor Disco de Rock.
Entre as referências a escola do indie rock vai de encontro com a americana rock n’ roll, então nomes como Tom Petty, Sonic Youth, Bruce Springsteen, Talk Talk e até mesmo o Wilco, a “banda moderna” favorita de Adam como já relatou em entrevista. Até por isso tudo é grandioso e rebuscado no show, são sete integrantes no palco e uma parafernalha extensa que ocupa praticamente todo o palco, o vocal ainda reveza sua Fender branca com uma vistosa Gretsch, e o show é arte pela arte, sem muitos diálogos com o público, ele só vai dizer que é a primeira vez no Brasil na quinta música, “Strangest Thing”.
Até por isso tudo é muito grandioso na proposta, já que as referências de jam band com muitas camadas e pedais deixam tudo parecendo uma trilha de um filme que a gente gostaria de assistir, daqueles com mais baixos do que altos e uma série de dramas da vida real. Uma espécie de indie rock para tocar em estádio com aquela chancela do Bruce Springsteen e o lado perspicaz do Neil Young.
A atmosfera imersiva do show se dá pelas luzes brancas que se confundem com a fumaça, a alegria e descontração entre a tecladista Eliza Hardy Jones e Adam, ele chega até a jogar palhetas em sua direção para ver se ela estava esperta para desviar. Muito ensaiados, Jon Natchez, traz elegantes arranjos no saxofone, ele ainda se divide nas teclas, e consegue emular a atmosfera oitentista da E Street Band. A bateria é seca, duelos de guitarras, solos de sax e vocais ásperos imersos a letras tristes beirando o o nihilismo dão todo o calor para a apresentação.
A sequência mais matadora do show foi de “Harmonia’s Dream” e “Red Eyes”, onde era possível ver fã fazendo passinhos tímidos indies e outros levantando as mãos para acompanhar, sendo o momento de catarse antes de adentrar as últimas. Na seguinte, “Eyes to the Wind”, Adam saca uma gaita do seu pedestal e sola tirando sorrisos e palmas do público.
Já na parte final eles tocam “I Don’t Live Here Anymore”, faixa homônima do quinto álbum de estúdio do grupo da Filadélfia lançado em 2021 e aproveitam para apresentar um a um a grande família que compõe a banda. Para terminar o show no melhor estilo eles tocam “Under Pressure” resgatando para este que vos escreve um turbilhão de memórias da juventude.
Setlist The War On Drugs no C6 Fest
Pain
An Ocean in Between the Waves
I Don’t Wanna Wait
Victim
Strangest Thing
Harmonia’s Dream
Red Eyes
Eyes to the Wind
I Don’t Live Here Anymore (Com introdução estendida com a introdução da banda)
Under the Pressure
DOMi & JD Beck
Ainda no ano passado após um amigo indicar pude assistir a apresentação do duo DOMi & JD Beck no Tiny Desk Concert. Formado pela francesa, Domi Louna, atualmente com 23 anos, e o texano JD Beck, de 20 anos, a história do encontro é interessante visto que os vídeos de DOMi tocando projetos autorais ganharam notoriedade e chegaram a artistas como Anderson .Paak, Louis Cole e Thundercat, que acabaram trabalhando com ela em projetos musicais e em performances ao vivo.
Já JD Beck teve mentoria de Cleon Edwards, da banda de Erykah Badu, Robert “Sput” Searight e do músico de soul Jon Bap. Com muito talento desde muito novos, eles foram considerados crianças prodígio. O primeiro encontro entre eles aconteceu mo Nacional Association of Music Merchants Show e um mês depois eles se conheceram basicamente na festa de aniversário de ninguém menos que Erykah Bady, a partir disso começaram a produzir música juntos.
No ano seguinte eles tiveram a oportunidade de abrir apresentações para artistas como Thundercat e Anderson .Paak e realizaram uma turnê ao lado do Chon. Depois disso muitas outras portas foram se abrindo, tendo tocado ao vivo no período da pandemia com Thundercat e Ariana Grande no festival virtual Adult Swin apresentando a faixa do músico, “Them Chances”.
Em 2021, DOMi and JD Beck, co-escreveram “Skate” ao lado de Anderson .Paak e Bruno Mars, especialmente para o projeto Silk Sonic. A carreira em estúdio com projeto em parceria mesmo teve oficialmente o pontapé inicial em 2022 com o álbum de estreia que foi lançado através do selo de Paak, Apeshit, em parceria com a Blue Note Records. Além da participação de Paak, o disco reúne colaborações com Mac Demarco, Thundercat, Herbie Hancock, Snoop Dog, Busta Rhymes e Kurt Rosenwinkel.
É neste contexto que com 20 minutos de atraso eles adentram o Auditório do Ibirapuera dentro do C6 Fest. Muito jovens para um Auditório que carrega consigo uma estrutura muito séria, e um som impecável, eles se preocuparam desde o primeiro momento em quebrar o gelo com seu jeito mais juvenil de brincar com as pequenas situações envolvendo a apresentação.
O cenário é pré-montado em um palco pequeno centralizado no palco gigante da arena, tendo dois teclados para DOMi que tira o tênis para tocar as teclas com os pés, arranjo de flores para criar uma ambiência e a bateria pressão de JD Beck.
Após a introdução instrumental eles cravam logo no primeiro diálogo direto com o público que a melhor parte do show é a que não cantam porque segundo eles “cantam mal” e tentam lembrar de letrar que eles não escreveram. O senso de humor contribui para a leveza e aproxima o público de um som muitas vezes inacessível para muitos.
Logo depois DOMi volta a brincar novamente dizendo: “Espero que gostem do show e se não gostarem, melhor ainda.”
JD Beck também gosta de fazer piadas, o que deixa o show deles bastante divertido, solto e fugindo dos clichês da seriedade costumeira do estilo. Fazem medleys, solos de bateria e em certo momento DOMi fala que tá quebrado seu fone de ouvido e ri afirmando que vai contornar isso.
Após tocarem “Endangered Species”, cover de Wayne Shorter, apresentam “Moon”, parceria com Herbie Hancook, e falam que arruinariam os vocais e que teriam que cantar mas que era felizmente uma parte curta. Eles até justificam que o Jetleg é uma das principais razões pelo cansaço, possíveis erros e humor abalado. Afinal de contas, a viagem foi longa de Tóquio para Dubai, depois de Dubai para o Rio de Janeiro e depois finalmente chegando em São Paulo (“Tokyo to Dubai, Dubai to Rio, we’re jetleg as fuck”, diz JD Beck).
Quando chega a hora de tocar “TWO SHRiMPS”, eles falam que a música é com o Mac DeMarco mas que eles não vão cantar porque…” (“This Song Is with Mac DeMarco and we’re not going to sing his part because…”). Fica subentendido.
Já na parte final eles tocam primeira música que escreveram juntos (“Duke”) e dizem que amam ela na mesma proporção que odeiam ela. É a penúltima música do set. Em “SNiFF”, teoricamente a última, agradecem e lamentam já estar acabando depois de ouvir pedidos de quero mais por parte do público presente – e se apresentam formalmente.
Depois do público aplaudir de pé o que seria a última música, eles se animam e puxam um BIS com “Havona” (versão de Weather Report) para fechar. Daqueles shows para lavar a alma de quem pesquisa e quer conhecer artistas desde seu estouro, algo cada vez mais raro no Brasil e geralmente bastante oneroso para os produtores. Através de festivais grandiosos como o C6 Fest, com apelo em mostrar o amanhã, ganhamos todos a oportunidade de ver isso se materializar e estar alinhados no mesmo timing com o resto do mundo.
Setlist DOMi & JD Beck no C6 Fest
LOUNA’S iNTRO
WHATUP
SMiLE
BOWLiNG
Endangered Species (Wayne Shorter cover)
MOON
Figaro / All Caps / Rhinestone Cowboy / Raid / Meat Grinder / Accordion (Madvillain cover)
Raise It Up (Slum Village cover)
DUKE
TWO SHRiMPS
SNiFF
Havona (Weather Report cover)
The Comet Is Coming
Com 10 anos de projeto o The Comet Is Coming é uma banda de Londres formada pelo saxofonista Shabaka Hutchings (“King Shabaka”), o tecladista Dan Leavers (“Danalogue”), e o baterista Max Hallett (“Betamax”) e em 2016 após lançar o álbum Channel the Spirits eles foram indicados ao Mercury Prize tendo em 2018 assinado com o selo Impulse!.
“O nome do grupo vem de uma peça do BBC Radiophonic Workshop com o mesmo nome. Assim que ouvimos esta peça, com suas alusões à ficção científica, lembranças cósmicas e espaço geral, ela instantaneamente tocou um acorde. Estamos explorando um novo som mundos e com o objetivo de destruir todos os ideais musicais que são impróprios para nossos propósitos, então o nome pegou.”, disse King Shabaka em uma entrevista
“Eu e Danalogue the Conqueror tocamos como uma dupla psicodélica de sintetizadores eletrônicos e bateria ao vivo chamada Soccer96. Começamos a notar uma figura alta e sombria presente em alguns de nossos shows. Em determinado momento ele apareceu na lateral do palco com o sax na mão. Quando ele subiu no palco para tocar conosco, criou uma onda explosiva de energia que nos surpreendeu. Algumas semanas depois, King Shabaka me ligou e disse ‘ei, vamos gravar’, então reservamos três dias nos estúdios do Total Refreshment Center. Tudo aconteceu em uma velocidade incrível. Tocamos e gravamos em 1/4 de fita sem material pré-escrito. Ao final de três dias tínhamos gravado horas de música.”, relatou Betamax em entrevista para a M Magazine
Tudo isso para quem não conhece entender mais sobre a atmosfera e amplitude sonora que eles levam para o palco. O universo que permeia a criação é justamente o do espaço sideral, a ficção científica e os filmes B, levando a abstração e as possibilidades a outro nível. Algo embora bastante calculado que dá espaço para o improviso e o peso. O Nu Jazz que produzem vai em encontro com o Funk Rock, o Space Rock, o Rock Psicodélico e o Eletrorock criando camadas de peso e experimentações que deixam o público imerso a um show em muitas horas ensurdecedor.
O show no C6 Fest começou com cerca de 35 minutos de atraso, a culpa não era deles em si, desde o show da vencedora do Grammy, Samara Joy, que abriu o palco, os atrasos foram se acumulando. Então dá para cravar que eles começaram o show já na madrugada da segunda-feira (22/05).
O próprio palco lembra uma espaçonave e eles se esforçam com seu visual futurista a passar justamente essa mensagem. Sax, bateria, sintetizadores e teclados, é tudo que eles levam consigo em sua viagem sonora que começa calma mas logo mais se faz experimental. Não demora muito para o encontro com a jazz nos direcionar para uma rave que joga para si uma imensidade de referências sintetizando o DNA do line-up do festival que é justamente ir do erudito a música eletrônica.
O lado inovador também os conecta e o show que passa da 1 hora e meia de apresentação nos leva para diferentes universos. É bem verdade que com espaço para firulas em solos, som ensurdecedor e distorções cósmicas embriagadas por experimentação nos efeitos dos sintetizadores.
Daquele tipo de show que gostamos, onde chegamos sem conhecer absolutamente nada e saímos colocando no Top 10 de melhores shows da vida. O melhor do festival foi aos 45 do segundo tempo e eles assim como a FIFA tem determinado: cumpriram com facilidade os 10 minutos acréscimos solicitados pelo quarto árbitro para compensar as firulas.
E que venha a segunda edição do C6 Fest, quem sabe com preços mais acessíveis e conseguindo manter um line-up e experiência para o público de alto nível, como foi o da primeira edição que aconteceu simultaneamente em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Em breve publicaremos algumas entrevistas com artistas que se apresentaram no festival, fique ligado!