Do punk ao presente: Steve Diggle reflete sobre 50 anos de Buzzcocks e nova fase criativa
Steve Diggle, do Buzzcocks. Foto Por: Ron Lyon
Com dois shows confirmados no Brasil, a nova turnê da clássica banda britânica Buzzcocks desembarca no país nas próximas semanas. Um dos pilares do punk inglês, o grupo se apresenta no dia 24/05 em São Paulo (SP), no Carioca Club, e em 25/05 em Curitiba (PR), no Basement Cultural. Os shows são realizados em parceria pela New Direction Productions e Agência Sobcontrole. A turnê também passa por México, Colômbia, Chile e Argentina.
Batizada de Buzzcocks Are Coming, a turnê acontece logo após a participação da banda no Cruel World Festival, realizado na Califórnia. O line-up do festival também contou com nomes como New Order, Nick Cave & The Bad Seeds, Garbage e DEVO.
Com 11 álbuns de estúdio, 6 discos ao vivo, 15 coletâneas, 10 LPs e 26 singles na bagagem, o guitarrista Steve Diggle revela, em entrevista exclusiva ao Hits Perdidos, que o grupo está nos estágios finais de produção de seu novo álbum. O trabalho mais recente, Sonics in the Soul, foi lançado em 2022. A última vez que os britânicos estiveram no Brasil foi em 2010.

Entrevista: Steve Diggle (Buzzcocks)
Conversamos com o guitarrista Steve Diggle, que nos presenteou com uma verdadeira aula de história da música. Na entrevista, ele fala sobre seu lado compositor, o processo criativo dos álbuns mais recentes após a perda de Pete Shelley e a relação afetiva com os grandes clássicos dos Buzzcocks.
Os Buzzcocks estão voltando ao Brasil com a turnê do disco Sonics in the Soul (2022), o décimo disco da banda. Como você se sente quanto a esse disco depois de três anos?
Steve Diggle: “A recepção desse disco foi ótima, sabe? Toda vida que tocamos “Manchester Rain” ou “Bad Dreams” ou “Senses Out of Control”, são músicas que lembram muito o início do punk rock. Me lembram muito de quando estávamos começando. Então todas essas músicas se encaixam muito bem com todas as clássicas da banda. E também tem o público.
Muitas pessoas da nossa idade vem ver o show, mas também tem vários jovens que gostam bastante das coisas novas da banda. Nós inclusive ouvimos muito de pessoas do Brasil e da América do Sul perguntando quando nós iríamos tocar nos seus países. No momento do lançamento, logo após o lockdown, ninguém sabia quando seriam esses shows. Eu estava sempre falando com a banda que precisávamos voltar ao Brasil e finalmente conseguimos ajustar isso!”
Fazem quinze anos desde a última turnê dos Buzzcocks aqui! A última vez foi em 2010.
Steve Diggle: “Eu sabia que fazia bastante tempo, mas não percebi que era tanto tempo assim. Durante essa última década infelizmente nosso empresário faleceu e nós contratamos um novo. Acho que ele não entendeu o quanto precisávamos ir para a América do Sul. Nós amamos as pessoas daí, são sempre shows incríveis. Espero que possamos ir mais frequentemente agora.”
Verdade! E agora com o disco novo que vocês estão gravando.
Steve Diggle: “Isso mesmo! Estamos bem no meio das gravações, estou falando com você do meu estúdio, na verdade!”
Ainda sobre Sonics in the Soul, é o primeiro disco lançado com essa nova formação da banda. Todas as músicas foram compostas por vocês do zero ou tem algo mais antigo?
Steve Diggle: “Todas as músicas eram novas. O processo foi todo feito durante o lockdown. Nós já tínhamos lançado um single antes, chamado “Gotta Get Better”, com uma faixa lado B chamada “Destination Zero” que tem sido incrível de tocar ao vivo. Eu sempre gosto de ter material novo quando saio em turnê para manter as pessoas engajadas com a nossa trajetória.
Então durante o lockdown eu comecei a escrever o Sonics in the Soul. Quando estava lá pela quarta música do processo eu comecei a entender o formato do disco e comecei a pensar: “Ah, preciso de uma música desse jeito, agora preciso de uma daquele outro jeito…” e assim o disco foi sendo escrito.
Dessa forma o disco se tornou uma jornada, um trabalho completo. Você tem que ler da primeira página até a última para entender o seu significado. Eu gosto muito da experiência do álbum. Hoje em dia as pessoas selecionam músicas específicas dos discos e só escutam elas nas plataformas, não escutam o disco inteiro. Eu ainda acho que é importante dar a experiência de um disco completo para o público. Quando eu escuto um disco inteiro eu penso: “Caramba, acabei de ter uma experiência!”. Isso é muito enriquecedor para a alma.”
Você já lançou vários discos Solo, mas esse é o primeiro álbum dos Buzzcocks que você compõe sozinho, já que infelizmente o Pete Shelley faleceu em 2018. Qual a diferença entre os seus trabalhos solo e este disco?
Steve Diggle: “De fato eu tive que vestir o meu uniforme de Buzzcocks. Como você disse, eu lancei quatro discos solo e há algum tempo juntei eles em um box chamado Wheels of Time. Mas nesse disco eu tinha em mente o tempo inteiro que precisava pensar como os Buzzcocks.
O que até eu não tinha percebido ao longo dos anos era a quantidade de músicas que eu já tinha escrito para a banda. Algo em torno de 80 ou 90 músicas!
Eu sabia que tinha escrito algumas, mas não tinha notado que eram tantas. Quero fazer inclusive um livro dessas composições, contando a história de todas elas. Eu também escrevi cerca de 100 músicas pro meu projeto solo, tem muito material para esse livro. Mas voltando para o que você disse, eu tinha sempre essa ideia de ter a mentalidade dos Buzzcocks.
Eu escrevi muitos dos riffs famosos da banda então pensei que enquanto eu estivesse colocando riffs nesse espírito, seria um disco da banda. “Bad Dreams” tem um riff bem abafado que eu acho a cara da banda, lembra “Autonomy” ou “Fiction Romance”. As outras tem riffs mais rápidos, como os que somos conhecidos por fazer, com as pequenas melodias.”
Você sempre foi o guitarrista da banda, que como você disse, é bem conhecida pelos riffs marcantes de guitarra. Mas nesse disco você também atuou como produtor ao lado do Laurence Loveless, cuidando de como o disco soaria no final. O que representa o som dos Buzzcocks para você?
Steve Diggle: “É esse som de guitarra distorcida, com vários riffs no meio. Mas também tem as letras intrigantes. Na composição eu estava muito à vontade com o processo porque já escrevi várias músicas assim. Mas em termos da produção, me juntei com um produtor inicialmente, David Allen, que produziu o single “Gotta Get Better”, mas infelizmente ele passou por problemas pessoais e não pôde trabalhar no disco.
Então chamei outros produtores com quem já havíamos trabalhado e também não conseguimos fazer funcionar. Daí nosso empresário sugeriu que fizéssemos com o engenheiro do estúdio onde costumamos ensaiar, e foi assim que o Laurence Loveless entrou no processo. Foi bem mais fácil trabalhar com ele, na verdade.
Eu fazia a direção criativa e falava pra ele o que queria na parte técnica, ele iria lá e conseguia os sons corretos. Foi algo bem “mão na massa” dessa forma. Dessa forma foi mais fácil e rápido produzir eu mesmo, com a ajuda do Laurence. Eu gravei nos mais diversos estúdios com vários produtores, então já entendia bastante do processo, mas ainda assim foi algo bem novo para mim. Mas eu tenho o meu amplificador HH antigo, que aparece na capa de vários dos nossos singles clássicos, e eu trouxe ele pro processo.
Esse amplificador hoje deve ter mais de 50 anos de idade e foi com ele que eu gravei todos os singles clássicos da banda. Então, para responder sua pergunta, eu acho que esse amplificador é o som dos Buzzcocks (Steve mostra o amplificador logo atrás dele no estúdio). Nós já usamos vários outros e eventualmente migramos para a Marshall nos nossos shows, mas acho que nenhum soa tanto como a banda quanto esse HH. Também usamos esse HH no disco que estamos trabalhando agora.”
Voltando para o início da banda, vocês nasceram em Manchester, cidade conhecida como o berço de vários artistas lendários há algumas gerações. Neste lugar tão importante, como foi o seu contato inicial com a música?
Steve Diggle: “Eu sempre fui um fã de música, mas não necessariamente estava pensando em me juntar a uma banda. Eu tocava guitarra e já compunha as minhas músicas há alguns anos, estava tentando me tornar um artista solo. Inclusive mandei uma fita para a rádio local para participar de um concurso, mas nunca obtive uma resposta deles. Eu entrei em contato com um jornalista que queria me entrevistar e quando fui encontrá-lo, por engano, acabei conhecendo Pete Shelley e Howard Devoto.
Isso foi antes até de eu ter ouvido falar dos Sex Pistols. Começamos a conversar e nós três concordamos que precisávamos de músicas mais rápidas e animadas no mundo. Naquele momento o rock progressivo era muito popular, com músicas bem complexas e lentas, muito psicodélicas. Então dessa forma nasceu a banda. Eu escrevi “Fast Cars” e pensei: “Preciso de alguém para tocar comigo essa música”. Dessa forma foi uma união maravilhosa, a minha com esses caras. Se aquele jornalista quisesse me encontrar em um lugar diferente, talvez os Buzzcocks nunca tivessem acontecido.”
A banda então lançou uma coletânea de singles e três álbuns entre 1978 e 1979, um período extremamente prolífico para vocês. Como era o processo criativo nessa época?
Steve Diggle: “Realmente fico impressionado também com a quantidade de coisas que lançamos nesse período. E quando você olha mais a fundo, nós também estávamos fazendo algo em torno de 80 a 90 shows por ano. Olhando para trás é um milagre que nós tivéssemos tempo para gravar essas coisas.
Mas o processo normalmente era eu ou o Pete escreviamos uma música e tocávamos para a banda em estúdio. Daí antes que pudéssemos perceber, a gente já sabia como a música terminava. Nós também tínhamos uma grande motivação para trabalhar rapidamente, que era o bar no fim da rua do estúdio.
O bar abria as 5 da tarde, então nós tínhamos que terminar tudo bem cedo para chegar lá o mais rápido possível (risos). Uma semana depois nós estávamos no Top of the Pops apresentando as músicas que gravamos na semana anterior.
Isso pra mim é um sinal de que não devemos ser tão perfeccionistas com nossos trabalhos. Algumas pessoas ficam muito indulgentes, produzindo demais as músicas ao ponto que elas perdem a vida. Não gosto de complicar as coisas. A vida não é perfeita, por que a música tem que ser?”
Depois de 50 anos, como você se relaciona com essas músicas clássicas?
Steve Diggle: “É de fato como se essas músicas fossem minha esposa em um relacionamento de 50 anos! Felizmente eu ainda acho essas músicas incríveis e me divirto muito tocando elas. Uma das forças dos Buzzcocks sempre foi escrever boas canções.
A diferença é que toda noite você toca para um público diferente, em um lugar diferente, então a reação sempre é diferente. Você até toca a música de forma diferente toda noite. Nós não as tocamos da mesma forma que tocávamos nos anos 70. Você toca com mais experiência, sabe o que dá certo nos shows. Eu mudei, todos mudamos desde aquela época, então as músicas mudam também. Mesmo que sejam as mesmas músicas, você reage com a plateia.
Para nós a troca com a plateia é muito importante. Por mais que todos saibam mais ou menos o que vamos tocar toda noite, é sempre uma hora e meia que temos juntos para construir algo novo. É como eu disse antes também. O motivo pelo qual escrevemos Sonics in the Soul é para termos mais material para tocar para o público. E é muito legal ver como as coisas novas se combinam com as antigas para criar novas experiências.
Eu nunca quis ter uma banda de Greatest Hits, sabe? Nós tocamos muitos dos hits, mas queremos sempre ter material novo. E quando você é fã de uma banda, você sempre está curioso para o que eles vão fazer no futuro.”
Com um catálogo tão vasto, tem algum disco da banda que você acha que não recebeu a atenção que devia quando foi lançado?
Steve Diggle: “Tem alguns discos. Os primeiros discos foram muito bem recebidos e tudo mais, mas tem um disco chamado Modern (1999) em que tentamos incorporar elementos eletrônicos ao nosso som, algumas pessoas falaram que aquilo não soava como os Buzzcocks. Então você tenta fazer algo diferente e as pessoas querem o que é conhecido. Mas é só um disco, sabe?
Você tem o que você gosta, a gente quer tentar essa coisa nova para esse disco específico. Mas acho que as pessoas hoje apreciam o disco bem mais do que na época em que ele saiu. E depois desse disco, também continuamos a mudar nosso som, sempre acabamos sendo uma banda nova a cada disco. E realmente acho que o público gosta de quase tudo que lançamos porque sempre que saio em turnê, eu não preciso cantar metade do show. O público canta bem alto o tempo todo, músicas das mais diversas épocas da banda.”
Eu vi você falando em entrevistas que não canta o refrão de “Everybody’s Happy Nowadays” há alguns anos porque o público canta mais alto.
Steve Diggle: “Eles me ajudam muito! Deixa que eles cantem (risos). Essa música deu uma ressurgida na internet de uns meses para cá. É engraçado como algumas músicas organicamente voltam ao longo do tempo.”
Ao longo dos anos vocês já se apresentaram com diversos artistas, muitos dos quais listam os Buzzcocks como grandes influências. Tem algum artista mais recente que você admire também?
Steve Diggle: “Nossas maiores influências vem dos anos 60, que foi quando eu estava crescendo e descobrindo a música. Coisas como The Kinks por exemplo. Daí eu cresci um pouco mais e descobri o Bob Dylan, que é uma grande referência também. Bandas como The Velvet Underground e MC5, as coisas que eu cresci ouvindo. Daí passam os anos e o Nirvana surgiu, eu amo Nirvana. E até o Pearl Jam, na verdade.
O Eddie Vedder frequentava os shows da nossa banda antes de montar o Pearl Jam, nós o conhecemos quando ele era bem jovem ainda. Quando a banda surgiu nós ficamos surpresos, “Você não nos falou nada sobre esse seu lado, Eddie!”. Nós até abrimos alguns shows deles há uns anos. Sempre é um prazer tocar com esses caras. Também o R.E.M. e o U2.
O Bono Vox lançou um álbum há alguns anos e disse que queria voltar as influências do início da carreira deles, como os Buzzcocks. Quando começamos a banda, nunca imaginamos que seríamos influência para tanta gente. E eu sei que muitas bandas começaram a ensaiar tocando músicas dos Buzzcocks. Esse é o maior elogio que eu posso receber, sabe?”
Você tem alguma mensagem para os fãs brasileiros?
Steve Diggle: “Faz muito tempo que não nos vemos, estou muito empolgado para tocar novamente nesse país!
Também estou animado para dar uma passada na London Calling Discos em São Paulo, comprar uns discos, ela é lendária não é?
É sempre bom ir ao Brasil porque o público é um dos melhores do mundo! Estamos muito animados, vamos tocar algumas das músicas mais novas e muitas das clássicas. Em breve teremos esse novo álbum pronto também, talvez esse ano ou no começo do próximo. Eu vou continuar lançando eles e vocês escutam!”
Buzzcocks em São Paulo
Data: 24 de maio de 2025
Horário: 18h (abertura da casa)
Local: Carioca Club (Rua Cardeal Arcoverde, 2899 – Pinheiros, São Paulo – SP)
Ingressos: https://fastix.com.
Valores:
1° Lote Pista: R$ 150 (meia-entrada e estudante); R$ 150 (meia solidária para não estudantes mediante doação de um quilo de alimento na entrada da casa no dia do evento); R$ 300 (inteira)
1° Lote Camarote: R$ 200 (meia-entrada e estudante); R$ 200 (meia solidária para não estudantes mediante doação de um quilo de alimento na entrada da casa no dia do evento); R$ 400 (inteira)
Venda antecipada sem taxa de conveniência em São Paulo: Loja 255 (Galeria do Rock)
Classificação etária: 18 anos
Buzzcocks em Curitiba
Data: 25 de maio de 2025
Local: Basement Cultural (Rua Des. Benvindo Valente, 260 – São Francisco, Curitiba – PR)
Ingressos: https://meaple.com.
