A paixão por colecionar vinis virou negócio para o carioca Nicholas Lopes (30), fundador da Romaria Discos (site), e o produtor cultural curitibano Gabriel Bernini (26), fundador do Amigues do Vinil. Eles decidiram juntar forças na produção executiva dos projetos, no licenciamento, na curadoria, nas estratégias de mídia, imprensa e seeding, além do embalo e despacho dos pedidos. O espírito D.I.Y. (faça você mesmo) está no DNA empreendedor do projeto.
“Existe um mercado musical gigante que opera debaixo dos narizes de grande parte das pessoas, e sinto que temos um papel bacana no desvendar deste universo”, comenta Gabriel
Até o momento eles já lançaram 44 vinis em parceria entre os selos, com um catálogo que vai do mercado indie ao mainstream. A parceria se consolidou no final de 2021, com uma média de um lançamento de um novo disco de vinil por mês desde março de 2023.
A Romaria Discos surgiu como uma lojinha online no início de 2021. Com o mercado virtual aquecido por conta da pandemia, o contador Nicholas Lopes, que já era colecionador de discos de música brasileira, viu no hobby uma oportunidade de renda. À época, o perfil no Instagram revendia raridades e discos novos, produzidos por outras empresas.
Em setembro de 2020, o produtor cultural Gabriel Bernini, colecionador de vinis de cantoras brasileiras desde a infância, sofreu um episódio de homofobia em uma comunidade virtual.
Fundou então o grupo Amigues do Vinil como um espaço seguro para colecionadores pertencentes a grupos minoritários, e rapidamente identificou tração comercial na comunidade do Facebook.
Em 2021, entrou em contato com a gravadora japonesa Disk Union e firmou uma parceria que viabilizou o primeiro lançamento do agora selo: o álbum Janelas Imprevisíveis, da pianista paulista Flavia K, financiado por Gabriel por meio de uma rescisão trabalhista recebida.
Foi no fim de 2021 para o lançamento do álbum Mormaço Queima, da cantora carioca Ana Frango Elétrico, em formato vinil. Foram vendidas 150 unidades as primeiras horas de vendas, o que serviu para impulsionar a manutenção da parceria.
A parceria entre a Romaria Discos e o Amigues do Vinil já resultou no lançamento de 45 vinis lançados.
Entre eles artistas consagrados como Zeca Baleiro, Luedji Luna, Gilsons, Fresno e Letrux.
Novos artistas de pequeno e médio porte também tiveram lançamentos realizados como Julia Mestre, Dora Morelenbaum, Mateus Fazeno Rock, EBONY, Sophia Chablau E Uma Enorme Perda de Tempo.
Esse é o caso da amizade com a cantora Letrux que resultou em não apenas um vinil mas dois. Em 2024, eles celebraram dois projetos especiais com a artista.
O primeiro foi uma coletânea exclusiva em vinil idealizada pelos selos em parceria com ela: Letrux Entreatos: Músicas do Período Pandêmico, uma coleção de faixas lançadas por Letícia durante a pandemia, em 2021.
O segundo foi o envolvimento das marcas no retorno do Letuce, histórica banda da artista, que entrou em hiato em 2016 e que retornou em 2024 para dois shows de lançamento do álbum Plano de Fuga Pra Cima dos Outros e de Mim, lançado originalmente em 2009 e que ganhou uma edição comemorativa de 15 anos em vinil, realizada pelos selos.
Ser fã de um artista antes de trabalhar junto com ele é uma das coisas mais prazerosas que podem acontecer, como relata a dupla. Eles puderam realizar o lançamento de dois álbuns icônicos da discografia da banda gaúcha Fresno: Sua Alegria Foi Cancelada (2019) e Ciano (2006).
Fã há mais de 20 anos, Nicholas revela emoção ao falar de projeto um em que esteve à frente da produção executiva junto da BMG: “São os primeiros projetos de gravadora major que fazemos por aqui.”
O ano passado também foi importante para a expansão dos trabalhos e eles decidiram apostar no trap.
Apesar do hip-hop ser um dos gêneros mais ouvidos no país, o lançamentos dos LPs das appers Afreekassia, Slipmami e EBONY — lançados pela Romaria Discos e pelo Amigues do Vinil, respectivamente, em maio, junho e setembro — figuram entre os primeiros lançamentos de trap em formato físico no Brasil.
Sobre o fato, Gabriel comenta: “O mercado de vinil no Brasil ainda é bastante higienista.”
“Não estamos acostumados a consumir esses gêneros no vinil, pois a experiência do toca-discos e do disco físico no Brasil está resumida ao sentimento de fineza, de taça de vinho à meia-luz”.
Para superar esse sentimento e tirar o disco das prateleiras cult, o vinil precisa cair na mão do grande público; por isso que fico muito feliz em ver discos da Pabllo Vittar, do Jão e de outros artistas pop sendo lançados nos últimos tempos”, completa o responsável pela Amigues do Vinil
Conversamos com o Nicholas Lopes, da Romaria Discos, e Gabriel Bernini, da Amigues do Vinil, para entender mais sobre o trabalho que fazem, momento do mercado e suas oportunidades.
Gabriel Bernini: “A minha opinião é de que o vinil só vai se tornar parte de uma indústria sustentável quando o mainstream brasileiro adotar esse objeto como parte dos planos de carreira desses artistas gigantes.
Fiquei muito feliz quando soube que Pabllo Vittar, Jão e Anitta lançaram vinis recentemente. Quando eu era mais novo, eu consumia o trabalho desses artistas e já colecionava LP, mas a probabilidade dessa galera considerar um lançamento físico naquela época era nula.
É difícil comparar o consumo cultural do Brasil com o do exterior, mas se a gente olha para os EUA, por exemplo, o mainstream é o nicho de mercado que mais lucra com a mídia física. Aqui rola esse paradoxo de somente os mercados alternativos independentes (que detêm menos poder aquisitivo) se importarem com vinil, então é um eterno risco, mas as coisas estão mudando.”
Nicholas Lopes: “Por o vinil ser um item, hoje, colecionável, entendo que precisamos valorizar o produto na totalidade, com projetos gráficos inéditos ou revisitados, faixas bônus, pôsteres, e tudo mais que possa agregar na experiência do fã. Dentre todos esses pontos, acho que explorar o projeto gráfico faz do vinil um produto exclusivo, uma vez que esse material não tem valorização dentro das plataformas de streaming.”
Gabriel Bernini: “Acho que temos duas questões aqui.
A primeira é de que a imagem do vinil na internet, principalmente num contexto latino-americano, não está necessariamente associada a um lançamento físico que as pessoas podem clicar num link e comprar.
Existem casas de shows que fazem montagens com vinis para anunciar concertos, existem playlists que são divulgadas usando imitações de vinil. Então quando vamos pensar em soluções de design e divulgação, sempre pensamos no melhor formato para burlar essas pegadinhas visuais e conseguir converter venda, mas é sempre um desafio.
A segunda questão é que o feed do Instagram do artista virou um espaço sagrado, altamente preservado. Ano passado, um artista pediu um cachê de publi para divulgar o vinil dele que nós mesmos estávamos lançando. A influência digital e o impacto das marcas deixam um rastro de noções perigosas para todos os mercados, e aqui não é diferente.”
Como sente que isso tem mudado? E qual é o melhor caminho para os artistas que tenham interesse em lançar discos com vocês?
Nicholas Lopes: “O custo de fabricação nacional realmente é uma questão, principalmente por conta de materiais essenciais que são, hoje, importados. Mas existe um movimento das fábricas para uma produção menos dependente de importações, além de uma maior flexibilização da tiragem mínima.
Uns anos atrás, só era possível fabricar a partir de 300 unidades, mas hoje já conseguimos fazer tiragens de 100 cópias. Isso torna mais acessível à produção para artistas independentes e pequenos selos.
Por aqui, temos uma curadoria interna, mas também recebemos muitos contatos de artistas interessados em lançar seus projetos.”
Gabriel Bernini: “Claro que a gente busca ter uma curadoria sustentável e com retorno financeiro real para o selo, mas sempre lançamos artistas que amamos e álbuns que somos fãs. É uma eterna busca de equilibrar relevância de mercado com afeto, gosto pessoal. Nessa ideia, lançamos vários vinis que acho que ninguém mais lançaria. E sinto que ter conseguido tornar tudo isso sustentável é o grande diferencial da Romaria Discos e do Amigues do Vinil.”
Nicholas Lopes: “Os grupos do Facebook tiveram um papel muito importante durante a pandemia, criando um espaço de trocas. Os nossos selos, inclusive, nasceram a partir desse movimento. Mas acho que até hoje os grupos fortalecem a cena do vinil, reunindo debates sobre os lançamentos no Brasil e no mundo, fora as trocas e revendas.”
Gabriel Bernini: “Nesse ano voltamos a olhar para o mercado indie alternativo, então podemos esperar alguns lançamentos nessa linha. Dia 15 de abril, lançamos um compacto da Julia Mestre, do EP Do Meu Quarto, só com versões lo-fi que ela gravou no quarto dela. O compacto tá um luxo, com capa dupla e arte gráfica nova, uma beleza.
Aqui no selo, somos só 2 pessoas. Então fazemos tudo: curadoria, prospecção, licenciamento, produção, assessoria e o pós-venda também. Bastante coisa!
Estamos na segunda tiragem do primeiro álbum do Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo, fizemos uma reedição “deluxe” com faixa bônus e pôster, porque a primeira tiragem, que fizemos em 2022, esgotou após uns 2 anos. Lançamentos do mercado indie vendem devagar, mas têm constância de venda.”
Nicholas Lopes: “Acho que hoje existem colecionadores de raridades e primeiras edições e, por outro lado, um público mais jovem, interessado em lançamentos de artistas e álbuns contemporâneos.
Dentro desses grupos, além de outros, existem diversas ramificações, gostos, preferências, etc.
Houve uma tendência no mercado para artistas independentes, mas, com a crescente do vinil no Brasil, vejo que hoje o mercado se diversificou muito, com a entrada de grandes selos e também artistas mainstream.”
Gabriel Bernini: “No Brasil, esse momento passou por conta do surgimento da Rocinante. O primeiro disco do Amigues demorou 16 meses para ser entregue, pois foi feito durante a pandemia e em outra fábrica.
A Rocinante surgiu no final de 2021 e desafogou a demanda. Neste ano eles estão começando a fabricar compacto também, então a situação está bastante normalizada.”
Nicholas Lopes: “Apesar de crescente, ainda é um mercado bastante nichado, com um público específico de consumidores.
No Brasil, ainda é difícil fazer tiragens de mais de 1000 cópias, a não ser os clubes de assinatura, que já têm vendas garantidas antes da fabricação.
Antigamente, ter um vinil era a forma de escutar uma música. Hoje, é um produto colecionável, para pessoas que gostam da experiência como um todo, desde colocar o vinil para rodar e apreciar as artes gráficas, até conhecer sobre todas as pessoas envolvidas no projeto através dos créditos, que muitas vezes são cortados/ocultados nas plataformas de streaming.”
o catálogo completo dos selos Romaria Discos e Amigues do Vinil:
Flavia K – “Janelas Imprevisíveis”
Fernanda Branco Polse – “Bicho Branco Polse”
Ondas Sísmicas – “10 canções de cantoras brasileiras do séc. XXI”
Ana Frango Elétrico – “Mormaço Queima”
Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo
Antonio Neves “A Pegada Agora É Essa”
Letuce “Estilhaça”
Gilsons “Pra Gente Acordar”
mãeana – “mãeana2”
Francisco el Hombre – “Soltasbruxa”
Letrux – “Letrux Aos Prantos”
Dora Morelenbaum – “Vento de Beirada”
Danilo Cutrim – “Azul”
Castello Branco – “Serviço”
Selvagens à Procura de Lei (2013)
YMA – “Par de Olhos”
Bebé Salvego – “Bebé”
Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo – “Música do Esquecimento”
Julia Mestre – “ARREPIADA”
Luedji Luna – “Bom Mesmo É Estar Debaixo D’Água (Deluxe)”
Zeca Baleiro – “Vô Imbolá”
Letrux – “Letrux em Noite de Climão”
Gilsons – “Várias Queixas”
Mateus Fazeno Rock – “Jesus Ñ Voltará”
Afreekassia – “SOU + EU”
Slipmami – “Malvatrem”
Letrux – “Letrux Entreatos: Músicas do Período Pandêmico”
Thiago Elniño “Pedras, Flechas, Lanças, Espadas & Espelhos”
Gilsons – “Pra Gente Acordar” (reedição)
Josiel Konrad – “Boca No Trombone”
Jovem Dionisio – “Ontem Eu Tinha Certeza (Hoje Eu Tenho Mais)”
Fresno – “Sua Alegria Foi Cancelada”
EBONY – “Terapia”
Josiel Konrad – “Boca no Trombone”
Esteban Tavares – ¡Adiós, Esteban!
Pelados – “Foi Mal”
Letuce – “Plano de Fuga Pra Cima dos Outros e de Mim”
Fresno – “Ciano”
Esteban Tavares – “Saca La Muerte de Tu Vida”
Rico Dalasam – “Escuro Brilhante, Último Dia no Orfanato Tia Guga”
Sophia Chablau e uma Enorme Perda de Tempo Deluxe
Ana Frango Elétrico – “Mormaço Queima”
Ana Frango Elétrico – compacto “Mama Planta Baby / Mulher Homem Bicho”
Julia Mestre “Dentro do Meu Quarto”.
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