Fresno desmagnetiza algoritmos e reinventa sua forma de fazer pop em “Vou Ter Que Me Virar”

 Fresno desmagnetiza algoritmos e reinventa sua forma de fazer pop em “Vou Ter Que Me Virar”

Fresno – Foto Por: Camila Cornelsen

Fresno lança seu nono álbum de estúdio Vou Ter Que Me Virar via BMG

Na era dos algoritmos vemos diferentes estratégias de lançamentos e em alguns estilos o conceito de “álbum” parece cada vez mais distante. Os mais românticos preferem discos, alguns tentam equilibrar a balança produzindo discos cada vez mais curtos, outros aderiram a estratégias de singles. O mais interessante é ver como modismos passam mas nada como pegar um álbum e abraçar a proposta com unhas e dentes. Sempre vi a Fresno como uma banda perto mas distante ao mesmo tempo, cresci indo ao Hangar 110 para ver bandas de Punk, Ska, Psychobilly, Hardcore, Emo e adjascentes.

Quando assisti o documentário Do Underground ao Emo, do Daniel Ferro, me identifiquei por ver tudo aquilo acontecer mesmo que não fosse bem a minha. Talvez o contexto da época do rock nacional colocasse sempre tudo em conflito e no fim era uma cena muito prolífera.

Os anos passaram, a MTV tão importante como suporte para todas aquelas bandas encerrou suas atividades deixando um vácuo que a internet demorou para entender. Não que isso tenha limitado a capacidade dos grupos entenderem sua lógica e perspectiva de mercado. E com a Fresno eu sinto que sempre teve um esforço tanto para se articular nas redes, como para acompanhar o que estava acontecendo de novo, tanto por parte da cena independente no campo da produção artística.

Como dizem, não existe sucesso sem muito trabalho, não existe trabalho consistente sem muito esforço. Os lançamentos dos gaúchos sempre conseguiam se conectar com uma nova geração mas sem perder o contato com os fãs que os acompanharam desde 1999. E talvez esse seja um dos grandes méritos tanto por parte da simpatia como pelo viés comercial como um todo.


Fresno - Vou Ter Que Me Virar por Camila Cornelsen
A banda gaúcha Fresno lança seu novo álbum de estúdio “Vou Ter Que Me Virar” – Foto Por: Camila Cornelsen

Fresno Vou Ter Que Me Virar

O nono álbum de estúdio, Vou Ter Que Me Virar, tem um pouco de tudo que eles podem oferecer, tanto esteticamente como em sua plasticidade e gama de possibilidades que podem ser exploradas. Thiago Guerra até define como “Rock, direto, livre e com muita vontade”, mas vai muito além disso. O disco inclusive chega as plataformas digitais justamente depois de uma série de lançamentos que o antecederam chamado INVentário.

No campo estratégico e contra o algoritmo, podemos fazer um paralelo de Vou Ter Que Me Virar com a estratégia do disco de Anitta, no qual consegue a cada faixa explorando diferentes estéticas e estilos, contemplar diferentes nichos de público. Algo poucas vezes utilizado dentro do rock brasileiro. Desta forma eles reinventam sua própria forma de fazer pop conseguindo reunir parceria com nomes como Lulu Santos na love song, “Já Faz Tanto Tempo”. Faixa que tem aquela atmosfera do Fun., uma linha de guitarra leve e esperançosa e uma batida pop que deixa Lulu bastante confortável. Pronta para a rádio e para dialogar com alguém pouco familiarizado com o rock do grupo mas que cantarola quando toca o feat. de Gotye com a Kimbra.

A faixa título “Vou Ter Que Me Virar”, por exemplo, mostra a maleabilidade pop de Lucas nos vocais aliada a um instrumental que dialoga com a perspicácia pop de produtores como The Weeknd e Giorgio Moroder.

O disco não para de te surpreender e logo na segundo música, “FUDEU!!”, você sente como tivesse ouvindo um disco de alguma banda que funda Punk Rock com doses de Stoner Rock, sim, num disco da Fresno. Politizada, a faixa critica a epifania e o descontrole das redes – e ainda dá uma cutucada no presidente e sua turma.

“Casa Assombrada” já tem uma roupagem lo-fi e R&B que já podíamos ver no disco anterior, sua alegria foi cancelada (2019), mas aliada com um refrão pop-punk que facilmente irá grudar na sua cabeça. “ELES ODEIAM GENTE COMO NÓS”, revela o lado mais dançante do disco, trazendo para si elementos do post-hardcore mas sem esquecer do mergulho na música eletrônica que os acompanha já há algum tempo. Mais uma música que clama por esperança em tempos confusos, sombrios e cheio de inseguranças que assola o brasileiro médio.

A Variedade de Repertório

Baixando um pouco a poeira, “Agora Deixa” deixa as guitarras mais pesadas pontualmente em meio aos teclados e efeitos como elementos para trazer à tona toda a tensão. O interessante da sua construção é justamente isso, o saber dosar da força mesmo quando podia estourar.

“Caminho Não Tem Fim” trata fins como recomeços, dialoga sobre as quedas e toda sua jornada, com direito a teclados e uma balada de um coração que tem ainda muito a conquistar. Um alento a quem procura um lugar ao sol após longos períodos de sofrimento. E quem não quebrou de uma forma ou outra nos últimos dois anos, não é mesmo? Olha para o futuro sob uma perspectiva otimista com um horizonte aberto para voar. Em seu trecho final ela ainda carrega guitarras no melhor estilo post-rock de grupos como Sigur Rós e Mogwai.

“Essa Coisa (Acorda – Trabalha – Repete – Mantém)” nos faz refletir sobre as mazelas da rotina e como precisamos ter equilíbrio para estarmos felizes consigo mesmos. Tudo isso imerso a sintetizadores, no melhor estilo M83. Vale destacar a linha de bateria bastante delicada ao fundo e sua atmosfera meio trilha sonora de Stranger Things.

Os Easter Eggs de Vou Ter Que Me Virar

Já se aproximando para a parte final temos a faixa “Tell Me Lover” com participações de Alejandro Aranda, do Scarypoolparty e Yvette Young, que capta o zeitgeist do momento, de “ninguém estar muito bem”. Já os seus versos em inglês falam sobre as dores de um coração partido.

“6:34 (Nem Liga Guria)” nos surpreende mais uma vez com sua vibe semi-bossa nova semi-samba. Recentemente Lucas, que é bastante ativo no Twitter, revelou em sua sua paixão pelo pagode dos anos 90, seus versos e métricas, então imagino que tenha sido um experimento bastante interessante e particular por parte do músico e produtor.

Quem fecha o disco é “Grave Acidente” com direito a efeitos na voz, estética lo-fi e pronta para a pista de uma balada particular. Ela progride lentamente com direito a teclas, elementos que entram aos poucos, como guitarras melódicas ao fundo e o desafogo. Fechando o disco com leveza, variação de beats, berros no melhor estilo Bert McCracken (The Used) e experimentações eletrônicas.


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