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Forgotten Boys reverencia a própria história com uma dose de veneno em “Click Clack”

Click Clack é o primeiro álbum de inéditas em 14 anos do Forgotten Boys

Para quem viveu a cena de rock de São Paulo do começo dos anos 2000, o nome Forgotten Boys era sinônimo de garage rock com referências de proto-punk, punk rock e glam rock. O grupo ganhou notoriedade devido à intensidade, volume e explosão dos seus shows, seguindo a risca a atmosfera de grupos que os inspiraram como Iggy & The Stooges e MC5.

Outro dia mesmo estava listando algumas bandas que colocaria em uma playlist ao lado dos Forgotten Boys e vieram a mente nomes como: New York Dolls, The Sonics, The Boys, Sonic Youth, The Kinks, Alan Parsons, Tom Petty, 13th Floor Elevators, Television, Rocket From The Crypt, Hellacopters, The Animals, Wipers, Suicide, Rolling Stones, The Brian Jonestown Massacre, Dr. Feelgood, Teenage Head, Blondie, The Velvet Underground, Backyard Babies, Guns N’ Roses, Dead Moon, T.Rex, Dead Boys, The Saints, Wire, The Gun Club, entre tantas outras.

Quem sabe ainda disponibilizo essa playlist em algum momento. Mas a verdade é que ao longo dos anos eles foram desenvolvendo uma linguagem sonora própria, seja em canções em inglês ou em português, como no disco Louva-a-Deus (2008).

Formado em 1997, lançaram mais de 10 discos, tendo excursionado no exterior diversas vezes e trabalhado com produtores como o lendário, já finado, Roy Cicala (John Lennon, Bruce Springsteen), que viveu parte da sua vida no Brasil, e nomes importantes do mercado brasileiro como Daniel Ganjaman e Apollo Nove.


Forgotten Boys em sua formação atual. – Foto Por: Wilmore Oliveira (@youknowmyface)

Formação Atual do Forgotten Boys

O Forgotten Boys ao longo dos mais de 25 anos de trajetória passou por uma série de formações.

  • Gustavo Riviera (guitarra e voz): integra o Riviera Gaz, ao lado de Steve Shelley, do Sonic Youth, na bateria.
  • Dionisio Dazul (guitarra): fez parte do grupo SoulZé, fundou o 2 Coins & a Bombshell e trabalhou na produção de trilhas sonoras com S de Samba e Dudu Marote.
  • Chuck Hipolitho (bateria e voz): liderou o Estúdio Costella por 10 anos e está atualmente envolvido no TUM, projeto com sua esposa Lovefoxxx do CSS, onde também atua como baterista, além de ser o compositor por trás do Zarolcomzê.
  • Zé Mazzei (baixo): faz parte da A Magnífica Orquestra Paulistana de Músicas do Mundo, Alvimar e Zé Trabuco, além de tocar com Thunderbird no Devotos e em um trio com Lucinha Turnbull.

Forgotten Boys Click Clack

A volta do Forgotten Boys, em Click Clack, marca também o primeiro álbum de estúdio desde Taste It (2011), conta com 10 faixas inéditas. O registro também está sendo disponibilizado em LP (Läjä Records), CD (Läjä + ForMusic Records) e digitalmente pela ForMusic Records. Os materiais físicos podem ser adquiridos no site da Läjä Records.

As gravações foram realizadas nos estúdios Artsy Club e Jalapeño Verde em São Paulo, e o disco foi masterizado por Carl Saff em Chicago, nos Estados Unidos. Eles revelam que as músicas foram gravadas ao vivo em 2 ou 3 takes (cada canção). Desta forma, mostrando todo lado rebelde e selvagem que os consagrou ao longo da carreira.

O público pode conhecer antes mesmo de Click Clack chegar ao mundo os singles “Sway” e “Absurd Butterfly” que já revelavam um pouco do veneno por trás da cozinha dos paulistas. O fascínio pelo universo dos livros e filmes, que foi se consolidando ao longo da discografia dos paulistas, reverbera no novo álbum de estúdio.

“’Sway’ foi escolhida como o primeiro single, talvez por ser uma música que mostra vários trajetos que a banda escolhe. De alguma maneira representa o que vem de sortido no novo disco”, comenta o Forgotten Boys

Já “Absurd Butterfly” teve um riff de guitarra inspirado em Ratos de Porão, a música tem uma letra niilista, mas segundo os integrantes, é otimista, e foi inspirada em textos de ficção científica da escritora Ursula K. Le Guin.

“Assim como “Sway”, “Absurd Butterfly” também aponta para novas direções neste novo álbum dos Forgotten Boys e por isso foi escolhida como o segundo single. E assim como todas do disco, “Absurd Butterfly” é fruto de 2 ou 3 takes da banda tocando ao vivo”, disseram os músicos na época do seu lançamento

Durante audição exclusiva realizada, no Artsy Club, diretamente do vinil plugado nas caixas do estúdio localizado na Vila Madalena, eles disseram algumas palavras antes de posicionar a agulha na vitrola.

“O Chuck é muito responsável por trazer a banda para gravar um disco novo. Ele incentivou muito a gente a compor, a gravar… assumiu produção, mixagem do disco e… o Instagram (risos). Então, eu acho que foi algo que a gente fez muito unido. As composições nunca foram tão divididas.

Pela primeira vez acho que a gente dividiu muitas composições. Se eu chegava com uma ideia assim, ela se transformava em algo e depois no resultado. Eu acho que esse foi o grande lance também desse disco. E todo mundo gravou nessa sala aqui, todos juntos, ao mesmo tempo. Com todo mundo se olhando, coisa que é difícil fazer hoje em dia… nosso som sempre foi parte da música alternativa. Como uma alternativa para a música,”, disse Gustavo Riviera na ocasião

Click Clack Play!

Talvez seja essa dose de veneno que sempre me aproximou do Forgotten Boys. Lembro, aos 16, ter acabado de ler a parte 2 do Mate-Me Por Favor (1996, Legs McNeil, Gillian McCain) e me perguntar: quais bandas brasileira eu podia ver isso? O som deles caiu como uma luva em meio a um cenário recheado de bandas de punk rock e bandas de garagem que tocavam em inferninhos da Rua Augusta, Perdizes e Bom Retiro.

Mas uma coisa curiosa acontecia naqueles tempos. Nas minhas “playlists”, eles orbitavam como uma banda “fora da curva”, algo que também se traduzia nos shows. Raramente os Forgotten Boys dividiam o palco com bandas parecidas. O que, de certa forma, eu adorava, pois fazia com que meu repertório musical aumentasse progressivamente.

E é justamente esse caráter atemporal que a discografia do grupo, que nunca parou, só deixou de lançar discos (tendo lançado uma coletânea de cover na Argentina, em 2014), faz com que ainda queremos imaginar como seria um novo disco do Forgotten Boys em 2024. A ansiedade pelo play era tanta que gentilmente solicitei de ouvir com mais de um mês de antecedência.

Vinil na Agulha

“Voodoo” é o primeiro suspiro de Click Clack e catalisa toda atmosfera venenosa do rock dos anos 70, com guitarras que parecem saltar, distorções, peso, vocal rasgado e narrativa de curta-metragem em p/b. Se “Sway”, uma composição antiga, foi escolhida para entrar no disco justamente por ter mudado de trajetória ao longo da sua construção, e também para ser o primeiro single a ser revelado, sua natureza selvagem se traduz na forma lenta que chega… tão de mansinho que quando você percebe ela deu o bote.

Lampejos de punk rock ganham a pista em “Absurd Butterfly”, e não é à toa a referência de riffs do Ratos de Porão, mas não se limita a isso e traz consigo o fogo – e a fúria – de grupos californianos como Adolescents e do Agent Orange.

“Baby If You Hunt” é daquelas que você ouve e se pergunta: eu já ouvi essa música antes?

Foi essa a sensação que tive ao ouvir pela primeira vez e a forma como ela vai crescendo, vai te prendendo de uma forma, feito uma música que poderia entrar na trilha de um filme western ou estar nos fones de ouvido de caras como Anton Newcombe. A tensão que paira no ar cria toda uma expectativa para a chegada do refrão, assim como as músicas do Stooges. É o tal do veneno!

O Lado B… do Lado B!

Aquela atmosfera CBGB que comentei algumas linhas atrás, dessa mistura entre rock e blues, aparece em “Pretty One”, com guitarras que ganham protagonismo, feito uma colcha de retalhos powerpop, mas sem perder a natureza das trilhas sonoras de filmes de época que retratam os tempos de brilhantina.

O último single a ser revelado, a poucos dias do disco, foi justamente “The Watcher”. Com cenário de perseguição, caos e imagens de filmes de ação em alta rotação. A trama se resolve em pouco mais de 2 minutos com guitarras àsperas com a tenacidade de grupos como Dead Kennedys.



“Hitman” talvez seja a mais psicodélica dessa nova leva de canções dos Forgotten Boys, mas sem perder o espírito aventureiro e experimental do garage rock. Tudo isso em pouco mais de um minuto e meio. Algo meio Minutemen das ideias. O legal de vir na sequência de “The Watcher” é de certa forma serem músicas curtas que dialogam em sua estrutura de “Lado B” de discos. O que mostra como isso foi pensado justamente para uma experiência diferenciada ao ouvir o disco no vinil.

“Zig Zag Sleep” tem uma órbita toda própria. Ela é espacial em seu instrumental, o que guia sua narrativa que se envolve no campo do imaginário. Ela cresce de forma pulsante, mas sem perder o estilo High Energy Rock’n’Roll de grupos como The Hellacopters.

Já chegando na dobradinha final temos “Only A Picture” com direito a pedais distorcidos que guiam a história apocalíptica, e mundana, que é contada. Um jeito de compor que lembra até mesmo a abertura das letras de Evan Dando.

“Like Never Before” inevitavelmente leva para as referências de Glam Rock que permeiam as referências do Forgotten Boys, de Bowie passando por New York Dolls a T. Rex. Uma balada gostosa de ouvir. Sem medo de soar pop, sem medo de mostrar sua cara, apenas permitindo a viagem. E se o Lester Bangs não gostar, tá tudo bem!


This post was published on 25 de setembro de 2024 9:00 am

Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

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