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Varanda corre pela “Beirada” e surpreende em disco de estreia

A cena do que chamamos de “fora do eixo” do rock alternativo parece que sempre traz consigo um frescor para a música brasileira contemporânea. Juiz de Fora, em Minas Gerais, é a casa de ótimos artistas do segmento como, por exemplo, Basement Tracks e Baapz. Nos últimos anos estivemos acompanhando aos poucos o surgimento da banda Varanda.

“Somos uma banda de Juiz de Fora, então somos da ‘cena’ juizforana, mas temos contato com bandas de várias partes do país. No final das contas, essa coisa de cena é mais sobre conhecer as pessoas que estão fazendo algo parecido com o que você faz e criar algum tipo de ponte com elas”, reflete Mario, o guitarrista do grupo.

Eles chegaram tímidos, é bem verdade, com uma série de singles. Mas foi em 2022 que o EP Ode Ao Infinito foi disponibilizado.

“Num primeiro momento a gente optou por fazer um EP, até porque não sabíamos qual o rumo que a banda tomaria. Depois tivemos a fase dos singles, onde já existia essa vontade de gravar um álbum cheio, mas existia também uma certa urgência de produzir material novo. Mas neste momento já estávamos nos organizando e pré-produzindo o que viria se tornar o ‘Beirada’”, comenta o baterista Bernardo.

Como diz Maria Gadu, “Disco é uma coisa muito séria. É perpétuo”. Mas como Bernardo Merhy diz, os rumos de um projeto que começou despretensioso caminharam para que esse momento se materializasse. No independente gravar um disco é uma conquista. Não apenas por conseguir num som que acredite, mas também para conseguir financiar tudo que envolve esse projeto. Os desafios modernos incluem ainda conseguir construir uma base de fãs sólida para que as turnês sejam bem sucedidas. E quanto mais longe dos grandes centros as barreiras parecem ser ainda maiores.

“A vontade de gravar um disco é quase que intrínseca ao ter banda, na minha opinião, mas não é algo tão simples. Principalmente para artistas independentes”, completa o Merhy

Completam a banda Mario Lorenzi (guitarra), Amélia do Carmo (voz) e Augusto Vargas (baixo e voz).


Varanda lança seu álbum de estreia “Beirada” – Foto Por: Yan Gabriel

Varanda Beirada

No fim de agosto foi a vez do debut Beirada ser lançado. O álbum contou com a produção de Paulo Emmery nos estúdios LaDoBê (Juiz de Fora) e Pulo Home Recs (Rio de Janeiro). Uma curiosidade fica por conta da capa que foi confeccionada pela própria vocalista Amélia do Carmo.

“É um processo bastante coletivo em que a gente busca tanto colocar a cara da banda, quanto dar identidade a cada uma das músicas. Todas as faixas do disco passaram por esse processo em algum momento”, detalha Augusto

“Ele foi nosso produtor, nos ajudou a aprimorar esses arranjos, até pra criar uma unidade maior entre as faixas do disco. Algumas músicas sofreram mudanças bastante radicais nessa segunda etapa, enquanto outras se mantiveram bem fiéis às ideias originais”, completa

A vocalista Amélia ainda pontua sobre como foi a concepção da parte lírica.

“Acho que a gente tem uma dinâmica legal de composição justamente por contrapor visões diferentes que se complementam. O Augusto é muito bom em pintar paisagens lúdicas e fazer associações mais livres e poéticas, já eu curto às vezes levar pra um lado mais literal e objetivo, deixar a narrativa um pouco mais presente no cotidiano e tal.

Acho que esse nosso equilíbrio dá um tempero legal nas letras que construímos em conjunto ou que eu chego com uma proposta de modificação.”, reflete a vocalista

Comendo pelas beiradas…

Talvez o mais interessante no debut seja justamente como ele vai “comendo pelas beiradas”. O trocadilho não é por acaso, as curvas sinuosas que o material faz até te apontar os caminhos onde quer chegar se alinham feito uma grande estrada. “P.Q. P.Q” se parar para olhar bem, tem um pouco dos ares do lado mais canastrão do post-punk nacional dos anos 80 – este que sim sempre bebeu muito da música brasileira, o que dava um tempero a mais em algumas bandas.

As linhas de baixo de “Barcos no Mar”, por exemplo, fazem um pêndulo entre Talking Heads e a música brasileira. Um rock torto, divertido e sônico. A progressão de acordes em sua atmosfera caricata vai da psicodelia dos Mutantes a aspereza do Gang Of Four. O sentimento de se atirar e ver aonde pode chegar, algo inerente ao navegar pelo circuito independente, se traduz na composição.

“Cama de Vento” abaixa um pouco a poeira e traz o dueto de vocais em um tom mais sóbrio que vai agradar os fãs dos cariocas da Ventre. “Vida Pacata” é uma faixa que vem acompanhada de um videoclipe divertido com direito a campo de futebol e tudo mais. Ela tem cara de rádio. E isso é algo legal, daquelas que criam imagens para o ouvinte e uma boa dose de reflexões sobre os relacionamentos modernos. Tudo isso com referências do funk e do soul.



Sonhos e flerte com o pop

O lado mais sonhador e romântico do disco equaliza nas ondas sonoras de “Cê Mexe Comigo”, faixa que tem a participação especial da paulistana Manu Julian, que integra as bandas Pelados, Fernê e Pequeno Cidadão. Sua energia atemporal nos traz aquela falsa sensação de que já ouvimos essa música antes, o baixo também vai pontuando sua crescente. A vibe oitentista tem algo que dialoga de certa forma com o Tônus (2022), dos goianos do Carne Doce.

“Bahia e Aviões” chega com a brisa do mar, o sol, voz e violão e uma boa dose de nostalgia. O destaque fica para os vocais suaves de Amélia em uma música que faz passar um pequeno filme em p/b na sua cabeça. Se você gosta da MPB radiofônica e de acordes leves assim como os de João Gilberto, essa canção irá te abraçar.

Já “Tempo” tem um lado mais experimental, algo meio titânico, no quesito da poesia e de sua construção. Do duelo dos vocais aos efeitos de pedais para falar de um dos temas mais explorado dentro das artes. Ainda com a potência da poesia como centro, “Topo dos Prédios” soa como um poema musicado sobre as inconstâncias, incoerências, respiros e alegrias proporcionadas pela vulnerabilidade do ato de se permitir amar.

O lado psicodélico do disco

Imersiva, “Desce Já”, tem a participação de Dinho Almeida, dos Boogarins, e com ele, claro, vem acompanhada a lisergia da psicodelia. A intensidade vai se incorporando ao longo da canção que procura pelo encontro, seja ele físico como no plano das ideias.

A euforia dá lugar para a falsa calmaria em “Relâmpagos”. Nem por isso as tormentas e o vazio ficam de fora da sua narrativa, entre ondas de teclas embaladas pela psicodelia e algumas confissões de um coração em frangalhos. Os efeitos sonoros guiam o ouvinte nessa viagem e o aproximem ainda mais do seu interlocutor. As guitarras por sua vez se aproximam do post-rock em seu pico mais alto.

É difícil muitas vezes chegar num termo parecido. Mas tem músicas que parecem se encaixar perfeitamente como trilha de personagem. Seja ele de uma novela, de um longa-metragem ou de uma série. “Não Tem Hora” tem essa característica de canção de um casal que vê seus caminhos mudarem de direção. Misturando o lado violeiro que até lembram a atmosfera do duo amazonense Chapéu de Palha a guitarras setentistas, a faixa dilacera o ouvinte, ainda mais quando entram as teclas.


Capa Por: Amélia do Carmo

Show de lançamento em São Paulo

No dia 12 de setembro, a banda Varanda faz o show de lançamento em São Paulo, às 20h, no auditório do Sesc Vila Mariana (Rua Pelotas, 141 – Vila Mariana). Manu Julian (Pelados) e Dinho Almeida (Boogarins) participam do show.

Os ingressos começaram a ser vendidos online no dia 3 de setembro pelo site da Rede Sesc SP, a partir das 17h e nas unidades físicas da rede a partir do dia 4 de setembro.

“O show do Sesc é um grande marco para Varanda, tanto por ser o lançamento oficial do disco em São Paulo, quanto por ser nossa primeira entrada neste circuito. Estamos planejando um show incrível, com várias participações, arranjos especiais, algumas músicas que talvez não sejam tão recorrentes no repertório da banda.

O público de São Paulo sempre nos recebeu muito bem, sempre presente nas diferentes casas e comprando o nosso barulho. Isso tudo aumenta a responsabilidade de fazer essa noite ainda mais especial”, comenta Bernardo


This post was published on 11 de setembro de 2024 9:30 am

Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

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