Ale Sater navega em mares nada calmos em “Tudo Tão Certo”

 Ale Sater navega em mares nada calmos em “Tudo Tão Certo”

Ale Sater lança seu debut. – Foto Por: Fernando Mendes | Design de Thais Jacoponi

Enfim chegou o grande dia de Ale Sater apresentar o seu tão esperado primeiro álbum solo, Tudo Tão Certo.

“Eu tô desde dezembro trabalhando no disco, mas é aquela coisa né, já faz anos que eu tô trabalhando nessas músicas, compondo elas aos poucos e juntou uma quantidade boa pra fazer os dois processos (novo disco do Terno Rei foi gravado em paralelo). Acho que a diferença é que no caso do solo você se sente muito mais sozinho, né?

Tenho sorte de ter o produtor, Gustavo Schirmer, que me ajuda muito, mas querendo ou não na banda tem um sentimento de unidade, o sentimento de todo mundo dividir as decisões e todo mundo ter que embarcar junto em ideias de músicas. Estou há quase um ano só na criação.”, disse o músico em entrevista para o Hits Perdidos (leia)

Nascido no Rio de Janeiro, mas residente em São Paulo há muitos anos, o músico lançou em 2016 seu primeiro EP solo como solista, Japão, e nesse meio tempo veio o disco que consolidou o Terno Rei no cenário nacional, Violeta (2019). Diferente do projeto ao lado da banda, em seu voo solo o artista explora as inúmeras possibilidades da música folk, acústica lo-fi, com violões e vozes acompanhadas por teclas e sintetizadores.

O Processo do álbum

Em relação à seriedade deste álbum, ele comentou: “É um pouco mais sério, eu fiz com mais afinco, com mais detalhe, mais produção, mais horas, com mais tudo. E com mais expectativa também. O EP tem esse lado né, tipo “Soltei, tá lá no mundo”. Foi bem legal, muita gente gosta, os shows rodam muito bem. E agora com o disco vai ser mais legal ainda de fazer show, essas coisas.”

O material, que assim como os discos da sua banda sai pela Balaclava Records, conta com 11 faixas autorais e foi composto, produzido e executado junto do supracitado Gustavo Schirmer (Terno Rei, Jovem Dionísio, Lou Garcia), entre dezembro de 2023 e abril deste ano, em Curitiba.

 “Bastante feliz que esse seja o meu primeiro álbum. Eu gosto de cada uma das músicas de uma maneira diferente e especial e estou bem ansioso pra lançar”, comenta Sater.


Ale Sater - Tudo Tão Certo_Foto de Fernando Mendes e design de Thais Jacoponi
Ale Sater lança seu debut. – Foto Por: Fernando Mendes | Design de Thais Jacoponi

Ale Sater “Tudo Tão Certo”

O material solidifica os experimentos dos EPs e traz consigo algo que já víamos durantes os seus lançamentos, o folk mais melancólico e tem o ganho do Indie Pop. Sim, os ares do rock alternativo dos anos 90, resvala da mesma forma que impactou a produção de Gêmeos, do Terno Rei.

Entre as referências ele cita referências como Everything But The Girl, Elliot Smith, Jeff Buckley e Radiohead. No campo das temáticas, as relações, seja de amizade como de amor confessional, ganham lastro, assim como a passagem do tempo, a nostalgia e o acinzentado da cidade que escolheu para viver, São Paulo.

Realizar um voo solo se confunde um pouco com uma explosão de sentimentos contrastantes. Entre o desfruto, da liberdade criativa, como também pela sombra da autocobrança. Toda escolha sempre vem com a sua responsabilidade, mas é perceptível como Sater se permitiu viver esse momento sem amarras.

“O fato de o mar estar calmo na superfície não significa que algo não esteja acontecendo nas profundezas.” Já diria, o norueguês Jostein Gaarder, em O Mundo de Sofia (1995). E essa frase sintetiza Tudo Tão Certo de forma cirúrgica ao longo da sua narrativa.

Imergindo nas profundezas

O lado mais confidente, que artistas como Iron & Wine sabem explorar para criar ambiências, aparece logo em “Anjo”. O drama dos acordes mais melódicos, e suas digressões, criam texturas para discorrer sobre os fragmentos que tentamos recolher pelo caminho.

“Ontem”, faixa título, foi lançada no começo de agosto, e de certa forma parece dialogar como um lado b de Violeta. O adendo do sopro deixa todo seu ar nublado repleto de reflexões se expandir no horizonte. A faixa chegou acompanhada de um videoclipe dirigido por José Tm e Lucas Justiniano

“Acho que ‘Ontem’ é um bom resumo do que vai ser o disco como um todo. É também a música mais cheia, no sentido de produção, e por essas coisas achei ela uma boa opção pra começar”, comentou Ale durante o lançamento



“Quero Estar” tem a aura de uma canção pop que você pode ter vários sentimentos a respeito a cada nova audição. Aquele mesmo elo que o The Cranberries ou The La’s conseguem imprimir em suas canções. A capacidade de transmitir a complexidade de sentimentos que parecem se contrapor de forma simples e ambígua. Ela acabou ganhando um clipe dirigido por Fernando Mendes e Gisah Estela.

“Ah, “Quero Estar” é minha música preferida do álbum todo. Acho que ela consegue ser melancólica, mas também traz uma esperança ao mesmo tempo, e gosto muito quando isso rola”, pontua Ale.

O DNA de projetos como City And Colour transparece em “Final de Mim”, tanto nas melodias, como também a relação com o ato de ser confessional e relatar experiências com álcool. Desta forma aflorando os sentimentos. Os arranjos de cordas meio Sigur Rós dão ainda mais dramaticidade e beleza para narrativa. Talvez fãs de The Shins e The Bright Eyes irão curtir a proposta. Aliás, quem lembra dessas pérolas do indie dos anos 2000?

Por acaso esses dias estive imerso na obra de Chet Baker e o trabalho do trompetista de certa forma dialoga com essas texturas que acabamos encontrando pelo caminho neste disco introspectivo de Ale. “Trégua” tem essa energia meio Radiohead desesperançosa, mas, ao mesmo tempo, entregue ao desenrolar dos cenários que parecem se empilhar feito Tetris.

“Girando em Falso” tem aquelas harmonias mais tristonhas de artistas como Grizzly Bear que o contemporâneo Chico Bernardes também se afoga. A sensação de estar perdido em relação ao tempo e se sentir deslocado, sentimento tão natural em meio a tanta atrocidade mundana, ressoam ao longo do resvalo de pouco mais de um minuto da canção.

“Cidade” podia se chamar “São Paulo”, mas poderia ser Londres, poderia ser Boston, poderia ser qualquer cidade cinzenta onde a relação é contraditória. Entre se sentir mais um a se perder entre letreiros, cheiro de chuva, desespero e o chamar da noite. A poesia se confundindo com a dor, algo tão Nick Cave se parar pra pensar.

“Ouvi Dizer” ressoa como uma carta. Daquelas que a gente escreve, apaga, reescreve. Depois vai para o celular, rascunha a mensagem, apaga, reescreve, envia sem querer e apaga antes de lerem. Confessional, ela permite o erro. Se colocando no ponto mais vulnerável na curva da estrada que Ale Sater tanto narra ao longo das canções. Desabafa sobre julgamentos, sobre receios, sobre manter a resiliência em tempos difíceis.

Já na parte final, “Vejo” traz consigo o sentimento de mágoa. De não se sentir contemplado e um tanto quanto perdido. Ela vai crescendo e deixando tudo ainda mais pesado, o que se contrapõe a linha acústica na teoria “leve”, mas com aquelas texturas dos discos acústicos do The Mars Volta. É com aspereza e versos cortantes que o ouvinte se vê num labirinto.

“Alguma Coisa” é das que foge do lado mais acústico e abraça a guitarra como apoio. Daquelas canções de cowboy triste imerso a ondas eletromagnéticas. Entre o lidar com a perda e o escapismo. O amor escoando pelos dedos e a consumação do fim em um cenário de campo aberto. Radiofônica por natureza, é difícil não cantarolar seu refrão.   

Quem fecha é “Desvencilhar”, com arranjos de uma mini orquestra que carrega consigo uma imensidade de emoções. Ela sintetiza o disco por si só. Inclusive, o título do álbum aparece em um dos seus versos. O desvencilhar dos corpos como uma questão de aceitação de algo que deixou, sim, saudade.


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