Série de apresentações do Interpol em São Paulo trouxe repertório dos seus primeiros discos
A mais inglesa de todas as bandas de uma cena de rock nova-iorquina do fim dos anos 90. Tão inglesa que até mesmo seu álbum de estreia foi lançado antes no Reino Unido do que no próprio país. Seria uma boa forma de tentar descrever o DNA e o legado do trio liderado pela menta acinzentada e perfeccionista do seu vocalista e guitarrista, Paul Banks.
Para quem pode assistir ao documentário Meet Me At The Bathroom (2022) que conta a história de uma cena musical proeminente formada por bandas que se conectavam pelo faça você mesmo em uma fase onde a pirataria, a popularização das gravações caseiras e a internet possibilitou o surgimento de muitas bandas que trouxeram de novo a atenção para a Big Apple. Interpol, The Strokes, Yeah Yeah Yeahs, LCD Soundsystem, TV on the Radio, ganham neste documentário uma narrativa que tem como plano de fundo os ataques do 11 de setembro, mas que mostra a gradual evolução em estúdio de cada um dos projetos.
De todas as supracitadas, chego a conclusão que o Interpol foi a banda que envelheceu melhor. O aperfeiçoamento do trio que além de Banks, que tem uma ótima carreira solo, conta Daniel Kessler (guitarra, vocais) e Sam Fogarino (bateria), conseguiu manter um padrão de qualidade ao longo da sua discografia e estabelecer uma alta fidelidade no padrão de qualidade sonoro das suas apresentações. É quase como ir ao McDonald’s, você sabe o que esperar e a expectativa da experiência costuma sempre satisfazer o cliente. A grande diferença é que o “sanduíche” oferecido pelos nova-iorquinos é realmente igual o da foto.
Foram assim durante todas as passagens pelo país e pude estar presente em três oportunidades nos últimos 15 anos. Desta vez eles vieram ao país em turnê com três datas, sendo uma no Rio de Janeiro e duas na capital paulista, nos dias 7 e 8 de junho, na Audio, com produção da Move Concerts Brasil.
Essa turnê pode se dizer que é digna de colocar na categoria “para colecionador”. Afinal de contas, os norte-americanos escolheram tocar na íntegra os dois primeiros álbuns de estúdio, Turn On The Bright Lights (2002) e Antics (2004).
O som desses discos em específico, dentro de toda a discografia, são os que mais representam a identidade do Interpol. O acinzentado da arquitetura das megalópoles, tão presente no feed do Instagram pessoal de Paul Banks, as questões de saúde mental, o carnal, o olhar no retrovisor e a frieza do despertar fazem daqueles discos tão simbólicos, e únicos, para uma geração.
Durante o aniversário de 15 anos do Turn On the Bright Lights, em 2017, o guitarrista Daniel Kessler, revelou que a faixa “Untitled” foi escrita especialmente para abrir os shows da banda. No show desta turnê, ironicamente, foi a canção escolhida para o BIS. Sobre a canção, Paul Banks revela que o riff de guitarra tem a assinatura de Daniel.
Uma curiosidade fica por conta de “Specialist”, faixa escolhida para abrir o show de São Paulo. Ela foi apresentada no EP autointitulado de estreia do trio – e acabou posteriormente entrando como faixa bônus do debut nas versões australianas e japonesas do disco. Já “PDA” foi licenciada para o jogo Rock Band 2, em 2008.
Em 2018, em entrevista, Banks confessou que Antics é o seu disco favorito da discografia da banda. “Eu realmente coloquei muito sangue, suor e lágrimas neste disco” e que “parecia uma busca muito justa”. Banks também afirmou que sua confiança na qualidade do álbum funcionou como um antídoto perfeito para a “maldição do segundo disco”.
Comparações com Joy Division, The Charmeleons e Bauhaus são comuns quando falamos sobre o Interpol. Assim como bandas que ganhariam destaque anos mais tarde, como The Killers, Editors, the xx, She Wants Revenge, assumem a importância de Turn On the Bright Lights, como uma grande influência em seus trabalhos.
Ao longo do show temos um contraste que só apresentações em países como México, Brasil e Argentina conseguem fazer. No México, recentemente, inclusive, reuniram 120 mil pessoas em uma praça para uma apresentação gratuita. Uma plateia dedicada, que vibra a cada música, por mais melancólica que seja, e se contrasta com os tons azulados e identidade gélida dos estadunidenses com alma inglesa. São raras às vezes que o vocalista dialoga com o público.
A primeira quase no fim da primeira metade do show onde executam Turn On the Bright Lights, em que conta a dinâmica de tocar um disco, sair e voltar para tocar o outro. Na segunda, já durante a execução de Antics, ele se rende e agradece pelo calor humano do público brasileiro. Até isso a apresentação tem um toque inglês. Cada parte do show com 45 minutos cravados. Um show tão exaustivamente ensaiado que surpreende até quem assiste pela quinta ou sexta vez por seu perfeccionismo.
É notório como os hits são ímpares dentro do repertório apresentado, a comoção dos presentes quando canções como “Obstacle 1”, “PDA”, “Evil”, “C’mere” e “Slow Hands” faz com que uma Audio lotada, sem ter para onde andar, chegue a tremer um pouco as estruturas.
A direção de arte e luzes, por sua vez, também tem seus momentos de glória. Quando, por exemplo, Paul Banks canta o trecho “Turn On the Bright Lights”, os canhões de luzes explodem em sintonia. Quando temos uma música mais dançante, globos espelhados de discoteca, na parte de trás do palco, criam uma ilusão de balada de um homem só entre luzes azuis e vermelhas piscantes em meio a uma sensação de noite nublada. Nada mais Interpol que essa introspecção.
Embora muitas vezes perfeito demais o som, e sem chance alguma para o erro ou improvisação, e até soando um pouco robótico, a proposta sonora é essa. A estética é justamente essa. Já foram até chamados pela crítica internacional como previsíveis, mas que trazem consigo em sua fórmula “o gosto de quero mais”.
Até por isso a analogia ao McDonald’s do começo do texto. As linhas de baixo continuam servindo como fio condutor, os vocais ásperos e melodramáticos de Banks ainda hipnotizam os fãs e o clarão de luzes reflete toda uma era de uma banda que apesar de muitas vezes previsível, é competente. Uma estética que antecedeu tendências como a ótima combinação entre o post-punk e o indie rock.
Em tempos de revival dos anos 2000, fica a esperança de que ele não seja superficial. Provavelmente será, mas que a pesquisa por referências e grupos que mesmo não tão populares não fique apenas nos grandes nomes. O mesmo vale para produtores e donos de baladas com festas indie.
Outro dia mesmo viralizou uma história em Belo Horizonte onde uma DJ fez um set digno do que foi o auge do estilo nas pistas de dança, e injustamente, sofreu retaliações por não tocar uma banda que não ornava o estilo e a época. Enquanto outras que movimentavam inferninhos, e formaram muitos casais, foram rechaçadas. Acabou sendo expulsa do próprio set e festa.
Poder assistir 20 anos depois canções como estas dos dois discos é um presente para aqueles que nunca deixaram de acompanhar o grupo e uma oportunidade única aos novos fãs de vivenciar aquilo pela primeira vez. Afinal, rejuvenescer o público de rock é um dos grandes desafios do gênero nos últimos anos.
Turn On the Bright Lights
Specialist
Say Hello to the Angels
Obstacle 1
NYC
Roland
Hands Away
Stella Was a Diver and She Was Always Down
Leif Erikson
PDA
Antics
Next Exit
Evil
Narc
Take You on a Cruise
Slow Hands
Not Even Jail
Public Pervert
C’mere
Length of Love
A Time to Be So Small
Encore:
Untitled
This post was published on 8 de junho de 2024 5:26 pm
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