Rebeca sobre “Espiral”: “Eu quis soltar mais a minha voz neste álbum”

 Rebeca sobre “Espiral”: “Eu quis soltar mais a minha voz neste álbum”

Rebeca lança seu segundo álbum solo, “Espiral” – Foto Por: Luisa Cerino

Nacionalmente conhecida pelo The Voice, e por integrar o Gragoatá, a cantora niteroiense, Rebeca, lança nesta sexta-feira (05), seu segundo álbum como artista solo, Espiral pela Deck. O material tem produção de Rodrigo Martins, que já teve produções indicadas ao Grammy Latino.

O material revela o momento onde ela se arrisca a compor, algo que anteriormente atuava como intérprete, e faz um passeio por diferentes vivências em busca da descoberta da sua identidade musical. Para isto ela teve a companhia de Manny Moura durante a escrita.

Com todos os ares pandêmicos, o material teve um longo processo de gravação entre 2020 e 2024, mediante todas as circunstâncias e limitações física e emocionais do momento. O que fez com que fosse gravado em diferentes lugares como Niterói, Rio de Janeiro, São Paulo, Boston e Los Angeles. De grandes estúdios ao lo-fi do quarto, o material traz consigo várias histórias que em entrevista exclusiva a cantora nos revela.

“O conceito das músicas evoluiu muito durante a produção, refletindo minha busca para entender quem sou e explorando meus relacionamentos, não apenas amorosos.

Abordei minhas reações diante de frustrações, reconhecendo-as e recalculando a rota. Falo sobre medo, desejo, vulnerabilidade, desistência e o espaço para o novo. É uma fase de transição entre os meus 24 e 28 anos, vivendo em três cidades: Niterói, São Paulo e Rio”, revela a artista

Chama a atenção a escolha de influências, em que ela mesmo nos revela que estava ouvindo predominantemente mulheres. Entre elas um leque variado de mulheres vanguardistas como Joni Mitchell, Phoebe Bridgers, Lana Del Rey, Bjork, Clairo, Adrianne Lenker (Big Thief) e Adriana Calcanhoto.


Rebeca lança seu segundo álbum solo, "Espiral" - Foto Por: Luisa Cerino
Rebeca lança seu segundo álbum solo, “Espiral” – Foto Por: Luisa Cerino

A Produção de Espiral

Sobre a produção, Rodrigo revela: “foi um interessante, porque foi longo e passou por vários momentos e lugares. Tem partes de músicas que foram gravadas em alguns dos melhores estúdios do mundo (Igloo, Burbank CA, onde se faz a trilha sonora de diversos filmes de Hollywood) e outras que foram gravadas com equipamentos de  baixo custo no meu quarto e no quarto da Rebeca.

Durante a produção houve várias fases de relacionamentos, desde as partes felizes até os finais frustrantes. Eu acho que tudo isso faz parte da estética e da temática do disco. A ideia foi tentar amplificar o sentimento que as canções traziam, e transmitir isso para as pessoas que estão sentindo a mesma coisa”.

A Capa

O conceito da capa surgiu a partir do clipe da faixa “Cada Amor”, e busca transmitir a essência do disco, que trata de sentimentos envoltos em melancolia.

“Pensei no azul escuro do céu para retratar esse sentimento. Por se tratar de um registro a respeito de transições, quis abordar o fim da noite, um ambiente escuro, caminhando para um ambiente com mais claridade. A flor queimando representa as dores sentidas no caminho, que de alguma forma, ao queimarem, iluminaram o meu caminho até aqui”, comenta Rebeca.



Entrevista: Rebeca

Conversamos com a Rebeca para saber mais detalhe do emaranhado de emoções que envolve os bastidores por trás de Espiral. A artista revela a intensidade que viveu a produção e como ele foi fundamental para alcançar sua identidade.

Você conta sobre a dificuldade de compor, muitas vezes se espelhando em outros compositores. Como foi para você o processo de descobrir a sua identidade musical?

Rebeca: “Eu acredito que minha identidade musical esteja na minha voz e a forma que eu uso esse instrumento. Descobrir outras facetas dentro de um processo criativo é super legal e acho que isso talvez se desenvolva pro resto da minha vida. A escrita foi a que eu demorei mais pra desenvolver.

Se você olhar pra minha história, eu comecei cantando um refrão de um hit de rap, passei por uma banda de MPB como vocalista e em “Corar” quis pesquisar mais como seria o meu próprio som. Daí vi que arranjava e produzia. Complementei letras e criava melodias em cima de letras existentes, de uma forma um pouco tímida.

Eu comecei interpretando música de outros compositores e desbloquear esse lado da escrita foi um pouco difícil. Acho que eu ficava intimidada de escrever algo meu, com medo que não fosse bom o suficiente. Tem uma questão de não querer escrever algo ruim, tosco, de se levar a sério demais, o que me fazia parar no primeiro verso.

Descobrir minha própria forma de criar letras e melodias se desenvolveu ao longo de todos esses anos, mas foi só quando eu entrei em contato com o que eu sentia e aceitei o que eu sentia que pude usar as ferramentas que vinha aprendendo.

Acho que o combo terapia + escrever 10 minutos todo dia ao acordar + compor com a Manny Moura (co-compositora de quase todas as músicas de Espiral) pelo Zoom toda semana foi o movimento que encontrei para esse álbum.”

O processo de produção foi longo, aliás o registro foi gravado em diferentes localidades, além da pandemia, qual foi a motivação para isso? Teve algum estúdio que ficou mais apaixonada?

Rebeca: “Eu comecei esse álbum como artista independente e terminei artista da Deck. Morei em Niterói, São Paulo e Rio de Janeiro durante esse tempo, e o Rodrigo Martins, produtor do álbum, em Boston e Los Angeles. Muitas mudanças, contratempos e esperas.

No início eu não sabia o que essas gravações iam se tornar, estava produzindo para ter algum norte dentro de toda aquela incerteza que pairava no ar da pandemia. O álbum tem gravação de home studio no auge de suas gambiarras (eu gravava voz de costas para meu armário, com meu macbook air 2015 que só ficava ligado quando plugado no carregador), produzimos e editamos as gravações pelo Zoom.

O fuso horário, a distância, o orçamento de artista independente demoravam ainda mais o processo. A Deck ter entrado nesse meio tempo fez o álbum acontecer, basicamente. Até o momento tínhamos gravado “Foge de Casa”, “Cada Amor”, “Diamante” e “Mapa” em dois anos.

Fui para Los Angeles e fiquei quase um mês produzindo o restante do álbum com Rodrigo. A pré-produção continuou acontecendo em home studio no quarto dele. Mas tivemos a chance de gravar “Flecha” e “Telepatia” no Igloo em Burbank, que é um estúdio onde são gravadas várias trilhas sonoras de filmes de Hollywood. Visitei também o Village e conheci o estúdio do Fleetwood Mac. Não gravamos nada lá, mas achei super especial.”


CAPA - Rebeca "Espiral" - álbum 2024


Como enxerga a sua evolução artística e pessoal nesse período de 5 anos entre discos?

Rebeca: “Corar foi uma descoberta de identidade sonora, por isso a presença de canções de tantos compositores amigos. As canções eram uma oportunidade de eu me aventurar nas possibilidades sonoras e trazer um universo em comum para todas elas. Foi um processo mais curioso.

Em Espiral eu tinha um universo sonoro já estabelecido, foi a vez de contar uma história. Nesse período, acredito ter aprendido a usar as ferramentas que eu tenho para me expressar com mais intenção, consciência e presença.

Acho Espiral um retrato muito fiel ao que eu estava vivendo. É um resultado de um processo de autodescoberta. Conseguir acessar o que eu estava passando e trazer para forma de música foi muito mais intencional do que em meus projetos anteriores, foi um movimento com mais clareza e transparência para comigo mesma. Quero levar essa coragem e vulnerabilidade para os próximos projetos.”

O disco tem como inspiração uma gama de mulheres muito diferentes, mas, ao mesmo tempo, com identidades muito fortes, o que sente que conseguiu aprender com elas?

Rebeca: “É muito gratificante estabelecer um som que as pessoas sabem que é o seu, só de ouvir uma frase ou uma forma de cantar a melodia. Eu quis conhecer a inspiração das artistas que eu estava ouvindo muito, e que possuíam essa qualidade. Na época, tudo me levava a Joni Mitchell. Foi aí que eu ouvi “Blue” de verdade e me conectei com esse teor confessional da canção e o poder que ela tem de ser boa em qualquer roupa.

O formato da canção te coloca na posição de ser direto através da letra e da melodia. A produção acaba girando em torno de uma estrutura já existente e faz de tudo para potencializar a mensagem que está sendo passada. Isso estava fazendo muito sentido para mim naquela época.”

No campo das composições, você diz que as relações interpessoais e os medos acabam transparecendo forte no entorno. Agora, após pronto, como sente que vivenciar essas histórias te preparou para quem você é atualmente?

Rebeca: “Sinto que toda arte é autobiográfica e até gosto que seja. Mesmo se eu estiver falando sobre algo que nunca vivi, ou cantando duzentos “vocês” nas letras, vai ter muito de mim ali. Acho que consegui me conhecer muito através dessas relações interpessoais, foi tipo um material rico de pesquisa sobre como eu funciono. Saber aproveitar essas oportunidades para crescer e criar é valioso, pra mim.”

Olhar pelo retrovisor lembrando das memórias boas e ruins do processo, ajudou a moldar o processo? Pensando nisso, como foi para escolher a ordem das músicas?

Rebeca: “Com certeza. É curioso ver como o processo de produção de “Cada amor”, uma música que reflete dificuldade de comunicação e insegurança, também passou por um momento de falta de direção, espera.

Um álbum que fala sobre sentimentos difíceis também passou por contratempos e momentos difíceis. O conteúdo do álbum moldou o processo. Foi demorado terminar o disco porque leva tempo viver e processar tudo até virar música.

Foi fácil escolher a ordem do álbum porque foi quase toda cronológica. Acho que “Concha” e “Cofre” foram as únicas feitas mais tarde do que refletem sua posição no álbum.”

O material tem duas participações especiais, o que as motivou?

Rebeca: “Eu basicamente só ouvi artistas mulheres, cantoras e compositoras durante o processo de criação do álbum. Observando minhas parcerias artísticas durante minha carreira, colaborei com muitos homens e pensei que isso não refletia tanto na minha forma de me relacionar com música naquele momento.

Sempre tive uma grande admiração pela Lio (da banda Tuyo) e nos conhecemos há muitos anos, desde quando a Gragoatá abriu um show da Tuyo. Acho a voz dela capaz de carregar um mundo de sentimentos que poucas cantoras conseguem, ela sempre me emociona.

Em “Concha”, existe um sentimento muito difícil posto em questão, e um incômodo entre tomada de decisões. A Lio ilustra esse sofrimento de forma impecável.

Convidei a Nina Fernandes para cantar “Flecha”, que fala sobre confiar em alguém novamente, abrir espaço na sua vida para alguém entrar. Ela foi a primeira pessoa que entrou no disco como colaboração.

Assisti alguns shows da Nina durante minha morada em São Paulo e eu sempre ficava impactada com as canções dela, e a força que ela trazia na voz para cantar suas histórias. Vi que nossos universos combinavam bastante e foi super especial o dia de gravação no estúdio do Pedro Serapicos. Fico muito feliz de compartilhar essas canções com artistas que admiro tanto.”

Sinto ouvindo que esse disco por mais arranjos elaborados que tenha, como “Flecha” que dialoga com a Phoebe, você quis mostrar a força do canto, como se fosse um livro cantado. A ideia era tentar trazer esse sentimento para estabelecer uma conexão próxima do ouvinte?

Rebeca: “Sim! Eu quis soltar mais a minha voz neste álbum, assim como soltar mais o que eu estava sentindo, não ter medo de me expressar. Acho que isso naturalmente te aproxima de quem quer te ouvir.

A produção foi criada toda em torno de canções que existiam antes no papel e a intenção foi dar essa ênfase na voz, na letra e conseguir ilustrar um universo íntimo e confessional.”

O álbum acabou sendo gravado de diversas formas, do faça você mesmo, aos mega estúdios, sente que isso deixou o resultado mais orgânico?

Rebeca: “Acho que, apesar de todos esses formatos, foi possível criar um universo específico. Eu tenho um grande carinho por músicas feitas em casa, acho que torna o processo mais íntimo e eu tenho mais espaço pra testar mil possibilidades que talvez não testaria em meio a uma grande equipe em um grande estúdio.

Tenho isso de desenvolver composições com pessoas mais próximas, produzir com amigos. Acho que o orgânico acontece quando você se propõe ser vulnerável e transparente, independente do formato em que ele acontece.”

Ouça Espiral agora em sua plataforma de streaming favorita

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