Fin del Mundo: “Entre nós sempre falamos da importância que tenham mulheres no palco”
A banda das “chicas” argentinas Fin del Mundo está furando a bolha da cena independente argentina e esgotando os ingressos na sua primeira passagem ao Brasil no mês que vem (até agora foram duas datas sold out em São Paulo).
Julieta Heredia, Lucía Masnatta, Julieta Limia e Yanina Silva conformam o grupo que teve origem no ano 2019 em Buenos Aires, mas de raízes no fim do mundo – Patagônia (por duas de suas integrantes), veio chamando a atenção da cena independente latino-americana de maneira completamente orgânica desde que lançaram o primeiro EP homônimo no meio da pandemia.
Com a notável habilidade de criar atmosferas que nos submergem em diferentes cenários sonoros, atingiram rapidamente os corações isolados espalhados pelo mundo, rendendo até um convite especial para participar da famosa live session da KEXP, consolidando ainda mais o público fiel de várias partes do continente e de fora dele também. No ano passado lançaram o primeiro disco de longa duração, Todo Va Hacia el Mar, que rendeu uma turnê pela Europa.
Agora a banda se prepara para sua primeira passagem no Brasil no mês que vem, com shows em São Paulo, São José dos Campos, Brasília e Goiânia.
Tivemos uma linda conversa com a Lucía Masnatta, vocal e guitarra da banda, onde ela nos explica um pouco da origem da banda, e de como estão as expectativas da primeira vinda delas ao Brasil em turnê.
Entrevista: Fin del Mundo
Bom, para começar, gostaria de saber um pouco sobre como a banda surgiu, porque sei que alguma de vocês é da Patagônia, vocês começaram a banda lá?
Lucía: “Na Argentina sucede algo, que não é tão bom em um ponto, que é que as províncias (estados), toda a Argentina tende a centralizar-se muito. A pessoa termina a escola e tem que eleger a carreira universitária. A maioria das ofertas universitárias estão nas grandes cidades como Buenos Aires, Córdoba, Rosário e La Plata.
Então muitos que estamos em outras províncias, migramos a essas cidades, e aqui começamos basicamente uma nova vida como estudantes, e depois decidimos ficar para viver depois formadas. Nós somos 4 garotas de mais de 30 anos, assim que estamos meio nessa etapa da vida.
Além de mim, também está Juli, que é a outra guitarrista, que foi criada em Rio Grande, que é uma cidade ao Sul, Sul, Sul. Bem ao Sul, no fim do mundo da Argentina. E eu em uma que está um pouquinho mais acima, mas segue sendo Patagônia. Então nós fomos a Buenos Aires, e como somos músicas iniciamos nossos projetos musicais. Eu estava em um projeto musical que se chamava Versus Meteoro, e os integrantes dessa banda conheciam algumas das meninas. Tita e Juli vinham já tocando juntas em uma banda que se chamava Boedo, e faziam indie, e essa banda se desmanchou em 2019. Elas quiseram seguir tocando juntas, então chamaram a Yanina, a baixista, para que toque o baixo, e eu fui a última a entrar pra tocar guitarra e cantar.
O primeiro ensaio juntas
Elas já vinham ensaiando e fazendo algumas coisas, e necessitavam alguém que se animasse a cantar porque nenhuma delas se animava. E eu, o sonho de toda a vida era ter uma banda de mulheres. Tentei toda minha vida. E bom, fui fracassando constantemente. Quer dizer, não fracassando, mas é muito difícil sustentar um projeto artístico aqui na Argentina. E bom, me meti em uma banda mista, mas quando me chamaram pra tocar com 3 mulheres disse, óbvio.
Fui a um ensaio e comecei a tocar com elas, eu fui a última a entrar. Me recordo que a Tita me mostrou uns stories destacados do Instagram, e que ali elas colocavam as canções que estavam fazendo, e eu escutei, e adorei. Ali tinha um pedacinho de “La Noche”, tipo um esboço, e eu amei, amei! Quis tocar com elas.
Em 2019 começamos a ensaiar, fazer músicas, tocar, até que gravamos o primeiro EP em 2020. Em Abril já estavam todos os másteres, a arte, e tudo preparado para publicar. Daí aconteceu isso da COVID-19, e começou a quarentena, e tudo ficou muito complicado. Não podíamos ensaiar, não podíamos apresentar o disco ao vivo, então tivemos que tomar a decisão de publicarmos ou não nesse contexto. Resolvemos publicar, e a quarentena se alargou muito, durou muito tempo. As pessoas começaram a escutar nossas canções nesse momento estranho para todos, temos gente que nos escuta desde esse momento.”
Sim, isso foi muito rápido, essa conexão, não sei. Tenho a impressão de que se difundiu muito rapidamente o EP, de maneira muito orgânica.
Lucía: “É que quando estávamos todos trancados em casa havia um consumo muito grande de todo o audiovisual. Então isso de alguma maneira nos ajudou um pouco… Todas as pessoas estavam em suas casas, ou escutando música ou vendo séries e filmes.
E esse EP tem a particularidade de que as canções são bastante introspectivas, reflexivas, e foi meio que o match perfeito para esse momento.
Muita gente nos escrevia e nos agradecia. Nos diziam que com nossas músicas se sentiam um pouco mais acompanhados, que choravam com elas, diziam obrigada. Para nós, haver passado a quarentena dessa maneira foi o que nos manteve vivas. De verdade. Porque o mundo todo estava colapsando, mas nós estávamos tendo um retorno maravilhoso do nosso trabalho. Mais tarde se abriu um pouco a quarentena, saímos para tocar, muita gente sabia nossas músicas, e era incrível. E depois lançamos o segundo EP, e já terminou tudo isso e começamos a viajar e tocar por todos os lados.”
Tenho muita curiosidade de saber como foi que chegaram como grupo, a essa sonoridade que possuem agora. Vocês fazem um som que nos recordam várias bandas conhecidas, mas têm uma identidade muito particular. Não tem como se entediar…
Lucía: Sim, somos pessoas que se entediam muito rápido (risos), então quando fazemos uma música não podemos… já tentamos… mas não podemos fazer uma música que seja normal. Não podemos fazer um refrão, ponte, estrofe, refrão, não sai! Nos entediamos, não gostamos.
Então desde o primeiro momento, as músicas saíram assim, e desde o primeiro momento quisemos que a banda fosse na maior parte instrumental. E que a voz seja um instrumento que guie um pouco a imaginação. Que você escute, submergido na atmosfera e que de repente haja uma pequena história, e que seja um disparador, queríamos conseguir isso. E também queríamos dar muita importância a tudo o que são os efeitos da guitarra, que nossa música seja envolvente, em um mar onde as ondas vão e vêm.
Paisagens que se sucedem. Assim que nos encarregamos de que as composições sejam assim. E tenham isso também.
Todas nós compomos, as quatro. Então, quando nos sentamos para fazer uma canção, é totalmente colaborativo. Talvez alguma de nós traz uma pequena frase de algo ou de um instrumento. Um pequeno padrão rítmico, melódico, e em base a isso construímos. Então terminam sendo essas canções que se parecem a muitas coisas, porque temos muitas influências, mas que terminam tendo uma identidade própria, porque cada uma de nós escuta muita música. Então se forma mais ou menos uma salada de um monte de coisas, e que tentamos que não seja tanto uma salada, que tenha um fio condutor. Que não sejam quatro músicas em uma, e sim que as partes vão se sucedendo. Então que bom que me diga que não te entedia… (risos)”
Vocês fizeram muitas coisas relevantes em anos relativamente curtos, lançaram o disco ano passado, fizeram turnê pela europa, tiveram a Live Session com o KEXP. Como foi para vocês que tantas coisas se sucedam ao mesmo tempo?
Lucía: “Por um lado, como te contava, eu sou a mais nova e tenho 34 anos. Somos mulheres que estamos fazendo música e com projetos musicais há 15 anos. Então são coisas que sempre quisemos que nos suceda, que sempre aspiramos. E com esse projeto se deu. Ou seja, se lograram todas essas coisas tão sonhadas para nós.
Ainda que sejamos uma banda jovem que tocamos faz poucos anos, cada uma de nós tocamos faz muitos anos. Então, eu acredito que era essa vontade que tínhamos de apostar tudo na música. Que se uniram e nos jogaram pra frente. E bem, aconteceu tudo isso. Sempre trabalhamos muito para a banda. Não tomamos como algo relaxado, tomamos como nosso trabalho, além dos nossos trabalhos como seres humanos normais. Trabalhamos muito, estamos todo o tempo pensando na banda.
Estamos todos os dias, inclusive nos domingos, todo o tempo pensando em coisas. Cuidamos de tudo, da imagem, das ilustrações, dos flyers, das fotos, das bandas com que tocamos juntas, as coisas que fazemos. Cuidamos de tudo… As pessoas que trabalhamos. Somos muito donas do projeto. E sempre tratamos de aspirar o melhor. Pelo menos no sonoro. Sempre que gravamos investimos inclusive o que não temos, para que nossa música soe linda, que a pessoa escute e que goste do que escuta, que chegue a gerar essas paisagens, essa conexão consigo mesmo que buscamos.
A live session na KEXP
E acredito que essa forma de trabalhar fez que nos coloquem atenção para coisas como por exemplo a live session da KEXP. Nós não temos contatos na música nem nada, e nos aconteceu isso, que nos abriu as portas a tudo o que aconteceu depois. Porque o que fez KEXP com a gente foi dar visibilidade que não teríamos nunca como banda argentina. Nos abriram as portas para poder estar nesse canal, e pessoas de todo o mundo nos escrevem constantemente faz dois anos, dizendo que gostam da nossa música, que querem que vamos ao seu país, que sentem coisas com a gente. E é incrível. viajamos pela Europa e lançamos um vinil graças à KEXP, porque o dono do nosso selo é da Espanha, que se chama Spinda Records.
Ele nos descobriu através da KEXP, nosso booker no Brasil também, e devemos muitíssimo a eles realmente. E sempre quisemos estar ali, porque era nossa rádio dos sonhos, nos juntávamos para ensaiar e depois comíamos e colocávamos uma sessão.
Sonhávamos, uau, que louco seria estar ali. E de repente aconteceu! E quando nos chamaram aproveitamos ao máximo, sabíamos que ia ser uma oportunidade única, e que tínhamos que estar à altura, e ensaiamos todos os dias, cada uma em sua casa e duas vezes por semana juntas. Levamos muito a sério isso. Pensamos muito bem que músicas tocar, queríamos aproveitar ao máximo, mas jamais pensamos que ia ter a repercussão que teve. Jamais. Sabíamos que ia ser importante, mas não pensávamos que ia passar tanto, que tanta gente ia conectar-se com a nossa música. Só o fato de ter estado ali e ter conhecido a Cheryl (Cheryl Waters) e ter conhecido todas as pessoas da KEXP era um sonho, tudo o que veio depois foi mágico.”
Sim, isso criou uma conexão, inclusive para que tenha formado um público por aqui, que normalmente é um país mais fechado em sua cultura musical. Poucas bandas da América Latina de língua espanhola conseguiram criar uma conexão com o Brasil, e vocês conseguiram criar isso e me parece incrível. Gostaria de saber como está a expectativa para vir pela primeira vez.
Lucía: “A verdade é que nós admiramos muito a música brasileira. Nos parece que vocês têm uma riqueza e uma bagagem cultural e musical incrível. Os ritmos cruzados, os acordes que usam, a maneira de cantar. Tudo nos parece muito lindo, e é incrível que tenha gente que tendo nascido nesse lugar e escutando essa música incrível, goste de nossa música. Me parece uma honra. Tomara que estejamos à altura, e que gostem dos nossos shows, vamos super contentes e agradecidas de poder ir. Todas nós conhecemos o Brasil porque fomos de férias, e dessa vez vamos pela música, então estamos super, super na expectativa.
Não falta nada, 10 dias só. Vemos que estão crescendo os ouvintes do Brasil nas plataformas digitais, mas não temos ideia de organicamente quantas pessoas vão. Então, tudo é uma grande surpresa e uma aposta também. Porque queremos ir e queremos conhecer e queremos tocar aí, e sentimos que sempre é bom levar propostas de mulheres que sejam novidades.
Entre nós sempre falamos da importância que tenham mulheres no palco, para que outras mulheres saibam que sim é possível. Todas nós estamos fazendo música graças a alguma mulher que vimos tocar e pensamos “ah, eu também posso”. Andamos vendo que também tem bastante hate (risos)… Em algumas publicações vimos coisas como “Ah, uma banda toda de mulheres? Minha ausência está confirmada”.
Depois muitas que falaram da nossa franja, algo do tipo, que se você tem franja é feminista (risos), então não tenho ideia de como vai ser, mas estamos entusiasmadas de poder ir. Espero que não faça muito calor (risos).”
Falando um pouco da cena independente da Argentina, se nota que está muito favorável, não? Algumas bandas estão surgindo, e é uma cena muito relevante. Como vocês vêem isso?
Lucía: “Quando começamos em 2019 vimos que havia como um auge de tudo o que é a música urbana, muito trap, reggaeton, e que estava comendo toda a cena. E o rock estava bastante tranquilo, e tínhamos medo que que realmente acabassem as bandas.
Depois veio a pandemia e começaram a ressurgir novas bandas e velhas bandas que já não tocavam mais, voltaram a todas e agora tem um público jovem que ama o rock e escutar música, guitarras fortes, está cheio de banda de meninas em cima do palco, a maioria das bandas têm mulheres, as bandas que queira, do gênero que queira, e tem público para todos os tipos.
Todo dia tem show, realmente estamos em um momento de muita música, e nós amamos porque temos essa forma de compor, que pode ser qualquer coisa, indie, shoegaze, pode ser isso ou aquilo, então adoramos tocar com todo mundo. Tem um monte de bandas que amamos e vimos crescer.”
E quais bandas que você pode nos indicar?
Lucía: “Cursi no Muere, Bb Estas Muerto, La Real Academia, Warren, Atras Hay Truenos, Mi Amigo Invencible, Buenos Vampiros, Dolores Prats, Plenamente, Montegrande, do Uruguay Niña Lobo, Apoyo Emocional que é uma banda de meninas, Nadar de Noche, Isla Mujeres, 57000, Cyano, Marina Fages… Bom… Muitas, se colocam essas no Spotify já tem bastante pra conhecer. E todas são propostas lindas, que colocam muita garra e muito trabalho.”
Para finalizar, como estão os próximos planos? Vão fazer outra turnê pela Europa, não? E como visualizam o próximo ano?
Lucía: “Vamos tocar na Europa, em um festival da Espanha “Canela”, vamos tocar no Lollapalooza Argentina, e vamos gravar o disco esse ano. Vamos focar-nos na composição acima de tudo. É o nosso objetivo deste ano poder trazer novas canções, renovar um pouco também o repertório. Tem várias canções novas que já tocamos bastante ao vivo e seria bom que as pessoas as tenham também gravadas de forma linda. Então estamos colocando tudo a isso. Creio que será um disco que vão gostar muito.”
Fin del Mundo no Sesc Avenida Paulista
Data: 1 de março de 2024
Ingressos Esgotados
Fin del Mundo no Sesc São José dos Campos
Data: 8 de março de 2024 (sexta)
Fin del Mundo no Bar Alto (SP)
Data: 9 de março de 2024 (sábado)
Horário: 16h (abertura da casa) | 17h30 (show)
Endereço: Rua Aspicuelta, 194 – Alto de Pinheiros, São Paulo/SP
Ingressos Esgotados
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