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Letrux como Mulher Girafa evidencia nossa natureza instintiva, selvagem e vulnerável

Abriram as portas do zoológico e levaram os animais pro sítio. A responsável por isso foi Letícia Novaes, a Letrux, que lançou dia 30 de junho seu terceiro álbum solo, Letrux como Mulher Girafa. A artista, que sempre tratou de maneira tão autêntica e precisa sobre as complexidades das emoções e das situações vividas por nós, seres humanos – tanto em suas músicas como nos seus textos -, dessa vez amplia o horizonte do animal (teoricamente) racional, abraça as particularidades do mundo selvagem e reconhece que nós também fazemos parte dele. O resultado dessa reunião multiespécies é um disco em que Letrux se supera e faz, talvez, um (futuro) novo clássico da música independente brasileira.

Produzido por João Brasil – parceiro de Letícia na sua antiga banda de música eletrônica, a Menage a Trois, e produtor do disco Estilhaça (2015), do duo Letuce, que era formado pela artista e por Lucas Vasconcellos -, Letrux como Mulher Girafa pode não ser tão assimilável já nas primeiras audições, afinal, é um disco que a princípio tem um tema sobre o qual não estamos acostumados a ouvir na música pop.

Além disso, ele conta com intervalos – alguns servindo como pequenas e poderosas pílulas de reflexões (como em “{introdução ao reino animal}”)  e questionamentos (como em “{intervalo do ovo ou da galinha}”) e outros como sobras de ensaios e de músicas que ficaram de fora da obra, o que pode causar um estranhamento inicial. Mas Letrux como Mulher Girafa cresce conforme processamos que ele é um disco tão humano quanto os anteriores – Letrux em Noite de Climão (2017) e Letrux aos Prantos (2020) -, abordando características de alguns animais para na verdade evidenciar a nossa essência mais instintiva, selvagem e vulnerável. E reconhecer que fazemos parte de um universo maior traz beleza e potência especiais para o trabalho. As músicas “As feras, essas queridas”, “Formiga”, “Aranha” e “Leões” são exemplos disso.


LetruxFoto Por: Julia Rodrigues

Entrevista: Letrux

Em entrevista exclusiva por e-mail, conversamos com Letícia sobre o despertar animalesco, falamos do processo criativo mais empírico para esse disco (Letrux como Mulher Girafa), citamos Rita Lee, comentamos sobre a participação especial de Lulu Santos e refletimos um pouco mais sobre os bichos que somos e que queríamos ser. Bem-vindos à Arca de Letrux.

A gente aprende na escola que o ser humano também é um animal, mas ao longo da vida muitas vezes a gente acaba esquecendo disso. Houve um momento que te fez relembrar que você também é um animal e, por consequência, te despertou a vontade de fazer um disco sobre isso?

Letrux: “Posso ser bem animalzinha, na pandemia isso ficou mais forte, porque tinha dias que eu não abria a boca, não tinha interação humana, tinha preguiça de lavar a louça, comia com a mão dentro da panela (que minha mãe não saiba, vai se horrorizar). Parecia bicho mesmo.

Eu tenho uma vida muito mental, cerebral, então toda noite faço uso de cbd e às vezes thc e isso é de grande importância pra minha vida. Nessa hora fico bem bichinho, paro de racionalizar tanto, fico mais “comer beber dormir”, que eu amo também. Amo ser um ser pensante mas também amo desligar um pouco da cabeça e ser mais corpo, nessa hora me sinto animal mesmo, e amo.”

Como foi feita a escolha dos animais “homenageados”?

Letrux: “Acho que o único bicho que realmente foi estipulado foi a hiena. Arthur queria porque queria que a gente fizesse uma música pra hienas. Ele é muito figura e acha esse bicho curioso e aí fizemos essa música, que eu estou amando. As outras escolhas foram mais naturais, aconteceram espontaneamente no processo de composição. Tem gente que fica “por que não tem a música dos peixes?” Ora, porque tudo que faço na vida envolve água, sempre. Então nem preciso fazer uma música para os peixes, sabe assim? Eles estão sempre presentes na minha vida. E tem a galera que delira e queria música pra escorpião, só porque é o signo das pessoas! Hahaha, mas o álbum não é sobre astrologia, então segui minha intuição e usei os bichos que cabiam nas composições.

Falando em homenagem, seu disco foi dedicado à Rita Lee. Como é a influência dela no seu trabalho?

Letrux: “Ah, a Rita Lee é (ainda é sempre será) uma das mulheres que mais admiro na vida. Amo a solenidade da Bethânia no palco, o respeito, admiro o jeito mais cool da Marina Lima mas não posso negar que também sou palhaça, que a palhaçaria está presente no meu trabalho, e quando vejo Rita Lee fazendo graça de si, fazendo graça nas letras, no jeito no palco, dançando, rindo, doidinha, penso “gosto disso, isso é bom, isso é natural”, tenho atração imediata. Acho que fiquei com isso entranhado pra sempre.”

Nesse disco você voltou a trabalhar com João Brasil, que foi seu parceiro de banda no Menage a Trois e produziu o Estilhaça (2015), na época do Letuce. Queria que você falasse um pouco sobre essa parceria que já vem de um tempo.

Letrux: “Sim, somos amigos há muitos anos e João sempre me trouxe muita alegria. Depois dos prantos, quis trazê-lo pra perto, com sua alegria e sua visão de DJ, porque a figura do DJ tem uma visão de fora curiosa, vê e sente a atmosfera, e ele veio e trouxe tudo isso, fiquei muito feliz com o olhar dele, suas ideias, ele entrou de cabeça total no mundo animal comigo e piramos em sons pra abraçar essa selva.”

Eu vi que o processo de produção desse disco foi um pouco diferente. Foi feito sem ensaio com a banda e com muito espaço pra improvisação, né? Conta mais sobre isso.

Letrux: “Sim, eu e João fazíamos uma pré-produção, mandávamos pra banda e íamos pro estúdio sem ensaio. Foi diferente dos nossos outros processos, no 3º disco queria tentar coisas novas, brincar.

Foi divertido, muito espaço pra improvisação sempre, mas João e eu também sabíamos o que queríamos porque passamos um tempo antes só nós 2, confabulando.”



A faixa “Zebra” conta com a participação especialíssima de Lulu Santos. Como foi a feita a escolha de Lulu para o feat. e como foi trabalhar com ele?

Letrux: “Lulu Santos é dos maiores gênios da música pop brasileira, e ele consegue harmonizar um som popular com uma sofisticação, acho isso raro e difícil. Admiro muito desde sempre. Lulu elogiou minha ex-banda Letuce há mais de dez anos no Twitter e aí começamos uma paquera virtual, em 2021 ele me chamou pra ser uma cigana no clipe dele, fato que foi motivo de muita alegria pra mim, imagine, em plena pandemia sem show, de repente eu estava com o Lulu gravando um clipe, sonho.

E aí fomos trocando figurinha, e senti que era hora de convidá-lo para uma parceria musical, um feat. E ele topou, para minha alegria absoluta. Compus essa música com Thiago Vivas, meu parceiro. Nos divertimos muito fazendo e acho que Lulu também se divertiu gravando (além da voz, ele gravou um cítar elétrico), e sinto que a música ficou tudo que acho dele: um bom pop sofisticado. Sou fã demais. Ele é um lord, talentoso, querido, generoso, ser humano incrível.” 

Na música “Teste psicológico animal”, você confessa que queria ser uma girafa, mas no que no fundo é um flamingo. Com que características da ave você se identifica e do que mais gosta nela?

Letrux: “A girafa é de boa, tranquila, parece mais pacífica. Claro que pode dar uma bela pernada num predador. Eu não sou tão tranquila. Queria muito ser, mas sou fruto do capitalismo, sofro de ansiedade, etc. Tenho bons dias mas com práticas de cuidado bem intensas. Isso envolve mar, cbd, thc, natureza, análise, terreiro, enfim. O flamingo já tem uma neurose que me identifico mais. Voa, pousa na água, come, bebe um salzinho, voa, migra, volta, fica pra trás, sofre hahahaha tem mais drama na vida do flamingo que na da girafa, acho que sou mais assim, mas meu sonho ser girafa.”

Para finalizar, seu trabalho de forma geral fala muito da complexidade das emoções e das experiências dos e entre os seres humanos. Levando isso em consideração e relacionando com o novo disco, o que você mais gosta no bicho GENTE?

Letrux: “O que mais gosto no bicho GENTE é a capacidade de rir de si mesmo, cuidado com a pessoa próxima, acho essas duas características admiráveis.”

Letrux como Mulher Girafa

Letrux Como Mulher Girafa tem produção de João Brasil e mix e master de Paulo Emmery. A foto de capa é de Katja Tauebert com arte de Giulia Fagundes.

O espetáculo “Letrux como Mulher Girafa” tem direção musical da própria artista, que vem acompanhada mais uma vez pela sua banda companheira, formada por Arthur Braganti (teclados), Navalha Carrera (guitarras), Jessica Zarpey (percussão), Thiago Rebello (baixo) e Lourenço Vasconcellos (bateria).

Sobre o título do disco ela comenta: “Tenho 1.85 de altura e por um tempo ‘girafa’ foi um apelido pejorativo que ganhei…mas logo percebi que a girafa era um bicho lindo e quem me chamasse assim, estava, na verdade, me elogiando”.


This post was published on 18 de julho de 2023 10:00 am

Ananda Zambi

Mestranda em Comunicação, apresentadora do Ananda Entrevista, assessora de imprensa e cantautora. Também colabora com o site Scream & Yell.

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