Primavera Sound São Paulo: Beach House e Mitski entregam shows impecáveis, Arctic Monkeys e Interpol focam nos fãs no primeiro dia
A chegada do Primavera Sound São Paulo era aguardada há muitos anos, sempre com muitos boatos de sua possibilidade de realização, assim como acontece de tempos em tempos com o Coachella. E foram nos dias 5 e 6 de novembro que tudo se fez realidade. Com foco na experiência, na educação musical do público e em fugir da curadoria de algoritmos que seus principais concorrentes no Brasil tem buscado nos últimos anos, o evento tinha como proposta trazer um pouco do charme de Barcelona.
Com programação espalhada pela semana, o festival espanhol trouxe também a proposta de imersão e valorização da cena musical nacional, como foi o caso do Primavera na Cidade, realizado em casas de shows como Cine Joia, Auditório Anhembi e Audio. Ao longo destes shows externos do festival que quem tinha passaporte (ingresso válido para os dois dias do fim de semana) poderia conferir algumas da noite, ingressos externos também foram disponibilizados.
A organização estima que cerca de 10.000 pessoas puderam estar presentes nesta série de eventos que antecedeu o festival. Importante ressaltar que tiveram dias onde era difícil conseguir estes ingressos e em outros que os shows ficaram vazios. Um dos pontos que o evento poderia repensar sua dinâmica para a edição de 2023. Ao mesmo tempo, segundo apurado pela equipe do Hits Perdidos, houveram relatos de público que garantiu o early bird, que dava direito a todos os eventos, não conseguindo entrar por lotação.
O Primeiro dia de Primavera Sound São Paulo
Segundo dados da organização o primeiro dia reuniu cerca de 55 mil pessoas que compareceram ao Distrito Anhembi, localizado na zona norte da cidade. Ao longo dos dois dias os presentes tinham a possibilidade de curtir 64 atrações, ao todo, somados os artistas do Primavera na Cidade, o número de apresentações passava da casa dos 100 mostrando a grandiosidade proposta pelo festival.
Com extensão de 400 mil metros quadrados, o Primavera Sound São Paulo, exigia trajar roupas confortáveis e bastante energia para longas caminhadas. Aliás, este foi um dos problemas críticos que atrapalharam a experiência do festival. O Palco do patrocinador master acabou virando meme nas redes sociais por uma série de motivos.
O Palco Becks, que tinha como slogan o esquizofrênico “Primavera Amarga” exigia uma caminhada de 15 minutos para o Palco Primavera e estava a 17 do Palco Elo. Este palco além de distante ficou conhecido como “Palco das Árvores”, pois ao longo da sua estrutura muitas árvores atrapalhavam a experiência de quem ficava um pouco mais para trás. O som deste palco também variou bastante, no do Interpol, por exemplo, estava alto demais, já no Arctic Monkeys, dependendo de onde o expectador estava soava baixo.
Além dos palcos já citados, o festival ainda reunia a pista eletrônica BITS e shows reunindo artistas brasileiros e estrangeiros, como é o caso de José Gonzalez, no Auditório Barcelona. Algo que proporcionava experiência indoor dentro de um festival com 3 palcos abertos, onde o frio atípico de novembro acabou marcando os dois dias, tendo a temperatura variado entre 11 e 20 graus. Proporcionando sol e dias quentes durante a tarde e frio com ventania durante a parte noturna.
Outro palco que vale a pena comentar por sua estrutura diferenciada foi justamente o Palco Elo no qual foi montado utilizando a estrutura do sambódromo. A pista ficava no local onde os passistas acabam desfilando no carnaval, já a arquibancada permitia a possibilidade de assistir sentado, um ponto diferenciado e inédito dentro dos festivais brasileiros de mesmo porte. Já o Auditório contava com 2500 lugares para assistir de maneira mais intimistas apresentações que iam da MPB ao Jazz, mostrando o leque de diversidade da curadoria do festival.
Pontos que foram elogiados pelo público: torneiras de água de graça, boa distribuição de banheiros, preços embora com margem de lucro menores que do Lollapalooza ou Popload Festival mas sem perder a chancela de ótimos restaurantes em praça de alimentação e bares sem filas e organizados. Os caixas também eram rápidos. Ter opção de ônibus e metrô razoavelmente perto ajudou mas para quem optava por motoristas de aplicativo sofria com os recuos organizados pela polícia e CET. Foi comentado que a melhor opção era justamente ir de carro, um ponto que destoa até mesmo das edições européias. Pontos que precisam ser revistos para a próxima edição.
Algo que foi um pouco estranho foi a parte técnica de iluminação dos palcos que principalmente durante os shows noturnos pareciam um pouco apagados e em melhor resolução nos ótimos telões com qualidade 4K. Um ponto de chamou a atenção foi a falta de sinalização entre palcos, a organização recrutou o time para anunciar em tempo real onde eram os palcos e avisava que certo show estava começando durante as longas caminhadas.
Não ter chovido durante os dois dias de evento também foi um fator que contribuiu para a experiência. Entrar e sair do festival foi um desafio para quem fosse aos eventos, algo que seu maior concorrente com o dobro de público por dia já tem o know how mas que esperamos que também seja facilitado o acesso e saída em futuras edições.
Os Shows
Helado Negro
Com 7 discos de estúdio, em 13 anos de carreira, sendo o último, Far In, lançado no ano passado com.a chancela da 4AD, Roberto Carlos Lange, conhecido como Helado Negro, trouxe para o Palco Becks um pouco da sua leveza e contemplação em show realizado no Palco Becks. Com direito a caprichar no visual temático da banda que se assemelhava ao do corpo de bombeiros e um cinto com o nome do disco mais recente.
Do sul da Flórida, mas criado no Brooklyn, ele é filho de imigrantes equatorianos e por isso em suas canções mistura o inglês com o espanhol, além de trazer dancinhas para sua performance, dando a quentura latina para um indie divertido experimental, ora folk, ora eletrônico. Fato é que o show ainda com sol permitia a experiência de poder sentar no gramado ou até mesmo ver o artista de perto, Roberto fez questão de descer para interagir e agradecer a arte do encontro.
Björk
Aos 56 anos a islandesa Björk trouxe sua complexidade para o Palco Primavera. Musa do Art Pop, ela é referência quando o assunto é experimentação, fashionismo, coreografias e pelo seu humor peculiar e desta vez optou por um show em um formato mais intimista e menos eletrônico.
O show marcou a volta dela ao país após 15 anos e trouxe com ela a Orquestra Bachiana que deu um ar de grandiosidade intimista para a apresentação que focou mais na potência da sua voz. Esse show teve alguns poréns, como, por exemplo, o som baixo para quem não estava no miolo do palco e foi marcado por começar lotado e ir se esvaziando ao longo da apresentação. A artista liberou o telão, algo que não costuma fazer, entretanto não autorizou com que a apresentação fosse exibida no TikTok. E também não liberou o pit para fotógrafos tornando isso um desafio para os profissionais da imprensa.
Ao todo foram 13 canções executadas abrindo com “Stonemilker”, tocando pela primeira vez “Ovule”, lançada em seu último álbum disponibilizado há 2 meses, e fechando o BIS com “Notget” e “Pluto”.
Interpol
O Interpol foi uma das poucas bandas que programaram mais de um show no país durante a turnê que passa pelo Primavera Sound São Paulo. Ao lado do Arctic Monkeys o grupo liderado por Paul Banks, se apresentou no Rio de Janeiro, no dia anterior, e na terça-feira toca em Curitiba.
A banda fez um show bastante fan service, e não priorizou o novíssimo disco, o pouco aclamado The Other Side of Make Believe. Deste eles tocaram “Fables”, “Passenger” e “Toni”, e ao todo a apresentação reuniu 12 faixas.
Priorizando o aniversário do Turn On the Bright Lights, com “Obstacle 1”, “PDA” e “The New” e não deixando de lado seu maior sucesso, Antics, que carrega seus principais hits como “C’Mere”, o hino da pista de dança “Evil” e a emblemática “Slow Hands” que encerrou a apresentação.
Com o clássico clima soturno, o show se destacou por ter seu som alto e o telão com estética p/b se manteve assim como já ocorreu durante as outras vindas do grupo ao país. Com clima mais frio, a distribuição das músicas fez com que quem esteve presente pudesse curtir hits no começo, meio e fim da apresentação.
A nostalgia foi algo comentado pelos presentes durante a apresentação. Em uma próxima edição bem que Banks poderia vir para um show no auditório para um show solo, fica aqui a sugestão para a organização.
Mitski
Nascida no Japão, mas criada nos Estados Unidos, aos 32 anos, Mitski veio ao país para apresentar seu repertório extenso de quem estudou em conservatório e tem pleno domínio de técnica, expressividade e performance. Be the Cowboy (2018) deu ainda mais credencial para a artista que chegou a ser indicada como melhor disco do ano pela Pitchfork. Com certeza dá para ressaltar que fez um dos shows mais emblemáticos do primeiro dia e com destaque para o figurino, atuação e escolha das luzes para o palco.
O interessante é também foi a escolha do setlist pela diversidade rítmica, indo do pop ao metal em questão de uma transição de música mas sem perder a compostura. Naturalidade que evidencia sua técnica e estudo. Ela inclusive lançou neste ano Laurel Hell (2022) via Dead Oceans.
Em sua identidade ela traz um aspecto muito forte, e complexo, por se considerar “meio japonesa, meio americana, mas nenhuma das duas por completo”, o que ela traz para suas composições de forma intensa e com muita dramaticidade na hora de expressar no palco. Por mais tímida que ela seja em entrevistas, no palco ela parece pensar na performance como se estivesse em um filme de Lars Von Trier, lembrando mais a própria Björk do passado do que sua performance horas antes. Ela colocou no set 17 músicas e fez um dos shows com mais entrega do dia.
Arctic Monkeys
Depois de uma passagem repleta de críticas pelo “apagão de carisma” da apresentação de 2019, o Arctic Monkeys chegou para essa turnê para apresentar o sucessor, ou irmão gêmeo para alguns, do seu último disco, Tranquility Base Hotel & Casino (2018), The Car (2022). Em show marcado por fãs se amontoando e causando confusões na proximidade do palco e o som baixo para quem estava mais distante, as árvores do palco que fechavam a visão viraram piada no twitter.
Um dos shows mais esperados do primeiro dia, onde 70% das pessoas que iam afirmavam ter sido o motivo da compra do ingresso, a banda focou em entregar um show que passasse por todos os seus discos. O que para os fãs mais xiitas foi um presente daqueles.
Alex Turner e seus companheiros de banda chegaram trajados com terno no melhor estilo Serge Gainsbourg e na recém comprada rede de Elon Musk o meme de energia de “sexo, alcoolismo e divórcio” foi algo exaltado pelos fãs. Tecnicamente a banda veio em sua melhor forma se comparada com as apresentações de 2012 e 2019, por outro lado, carisma não é algo muito forte do vocalista inglês que até enviou um beijo ou outro para os fãs, em algum momento ou outro, porém visivelmente em alguns hits antigos ele não parecia muito feliz em ter que tocar mais uma vez. Uma excessão foi justamente “Crying Lightning” onde teve lampejos de felicidade
A dinâmica do show também trouxe anticlímax, entre uma canção ou outra o palco ficava escuro por quase 30 segundos para a transição de discos, o que permitiu com que muitos ficassem conversando e empolgasse mais durante os hits. O semblante de Turner ficava mais alegre quando tocava as canções dos últimos dois discos, sua maior entrega e performance duelando com seu microfone – feito uma apresentação em um karaokê – trazia uma energia canastrona e sedutora durante a execução destas.
Destaque para “505” e “Four Out of Five” que ganharam novos arranjos, a dobradinha do BIS com “I Bet You Look Good on the Dancefloor” e “R U Mine?”, além de tocar pela primeira vez no Brasil “Potion Approaching” e pela primeira vez em sua história a faixa título “The Car”.
Hits como “Why’d You Only Call Me When You’re High?”, “Arabella”, “Do I Wanna Know” e “Brainstorm” também trouxeram a sensação de nostalgia de uma banda que se apresentou no Brasil pela primeira vez ainda no começo da carreira de forma tímida há mais de 15 anos e desde então já veio 5 vezes.
Beach House
Pela terceira vez o Beach House veio para o Brasil e o Primevera Sound São Paulo teve a sabedoria de colocar eles no Palco Primavera e com bom tempo de show para que eles pudessem realizar seu show onírico e focado nas camadas de guitarra e na força vocálica intimista de Victoria Legrand.
O grupo veio para promover o álbum Once Twice Melody (2022) lançado no dia 18/02 via Sub Pop. Tendo “Once Twice Melody”, “Over and Over”, “Pink Funeral” e “Superstar” fazendo parte do set que reuniu 12 faixas. Claro que “PPP” e a icônica “Space Song” tiveram seu espaço dentro do set que trouxe ainda duas faixas do 7, “Dark Spring” e “Lemon Glow”.
O show por si só foi um suspiro para fãs de dream pop e shoegaze e a experiência do telão também foi um show a parte para trazer toda introspecção, tristeza e plenitude das canções intensas do duo de Maryland.
Boy Harsher
Boy Harsher subiu no palco já durante a madrugada, o grupo formado em 2013 na Georgia traz consigo a carismática e intensa Jae Matthews e o produtor Augustus Miller, para trazer EBM e darkwave para o Palco Elo. Bastante minimalista as luzes e momentos de explosão marcam a apresentação que transforma o sambódromo em uma espécie de festa de clube inferninho.
Lembrando que a turnê americana do duo conta com shows de Nine Inch Nails, 100 GECS e Yves Tumor. Nomes que poderiam facilmente ter integrado o line up do Primavera Sound São Paulo.