Ombu reflete sobre o amadurecer em “Certas Idades”

 Ombu reflete sobre o amadurecer em “Certas Idades”

Ombu – Foto e Styling Por: João Rocha e Luisa Cerino

O Ombu é uma das bandas tão queridas pelo cenário independente paulistano, o grupo que reúne amigos que estão juntos desde os tempos do colégio, completa em 2022 seus 10 anos de atividade. E nada como celebrar com enfim um álbum cheio, após lançar dois EPs, Mulher (2012) e Pedro (2015). Até por isso, Certas Idades carrega em seu título uma visão sobre esse momento dentro da trajetória do power trio formado por João Viegas, Santiago Obejero Paz e Thiago Barros, e faz uma espécie de “pente fino” sobre o amadurecer mas não necessariamente cravando em quais idades ele veio. Um acerto neste sentido pois na longa jornada que temos na vida cada um parece ter seu tempo para amadurecer e estabelecer planos, seja lá quais forem eles.

O material conta com a produção do renomado produtor musical carioca, Alexandre Kassin, e tem uma história peculiar ao longo da sua produção. Assim como muitas bandas, o material começou a ganhar forma ainda naqueles primeiros dias de pandemia naquele esquema remoto cheio de limitações, tendo sido assim compostas e gravadas as 12 faixas presentes no disco pela primeira vez. Foi aí que entrou a dedo da gravadora, Balaclava Records, que foi procurar o produtor para ter um parecer e buscar quem sabe um acabamento ainda mais refinado.

Foi a partir daí que ele que já trabalhou com nomes como Caetano Veloso, Los Hermanos e Vanessa da Mata, sugeriu que os integrantes viajassem ao Rio de Janeiro para regravar as músicas em fita. Neste processo Kassin teve a companhia na captação do engenheiro de som Mauro Araújo no estúdio Marini. Já a mixagem e a masterização foram realizadas posteriormente por Fernando Sanches, no estúdio El Rocha, em São Paulo.

Entre as principais referências o Ombu afirma que discos do Wrecking Crew, “Pet Sounds”, dos Beach Boys e o homônimo do Clube da Esquina serviam de guia para a criação das camadas, por mais que o registro traga ainda outras nuances e bagagens musicais de toda uma vida.


Ombu_ Certas Idades - crédito e styling - João Rocha e Luisa Cerino 2
Ombu – Foto e Styling Por: João Rocha e Luisa Cerino

Ombu Certas Idades

Esse lado de tratar o tempo como uma timeline abstrata e sem aquela pressão de um disco sério transparece na arte do disco. Para ela, eles convocaram o pintor argentino Elias Santis, radicado no Chile, que fez um quadro que traz uma paisagem lúdica e onírica para ilustrar a capa. A obra foi pensado exclusivamente para o registro.

Cordas, sopros, piano, órgão e mellotron acabam sendo grandes adendos do material que mesmo com esse aspecto leve e despretensioso em sua construção lírica, tem nos arranjos e nas experimentações um ganho significativo que servem para te colocar para dentro do universo do disco, feito uma segunda tela.

Certas Idades aborda as mudanças da vida, fala sobre enxergar o mundo de maneiras diferentes, atribuindo pesos diferentes a cada fase, mas sem estabelecer uma idade específica para experiências e desejos.”, conta o trio Ombu

O material ainda conta com uma série de participações especiais, como o próprio Kassin no baixo de “Reclama” e “Insolação” e contrabaixo acústico em “Pintar”, Heloisa Cleaver, voz em “Reclama” e Fernando Dotta no baixo de “Mudança”.

“Pare”, faixa que abre o registro, é inclusive a primeira a ser revelada com videoclipe que já traz em seu roteiro uma realidade íntima da Ombu. Transitando entre o delírio e a realidade, o clipe mostra uma jovem que busca ficar bem consigo mesmo. Uma metáfora com a história da banda que começou ainda nos tempos da escola e adentrou a vida adulta enfrentando todos os desafios que isso proporciona. O vídeo acabou até parando na nossa lista de Melhores Clipes Independentes de Junho.

Os arranjos delicados orquestrados aparecem em uma letra reflexiva que em detalhes recria imagens inerentes aos conflitos desta fase marcada por constantes questionamentos, conflitos internos e mudanças profundas.



“Prático” é uma faixa conflituosa e pode remeter a tantos fins, sejam eles de relacionamentos ou até mesmo de fases, a letra, inclusive, parece poeticamente brincar com isso.

“Tudo”, por outro lado, já traz a tônica de tentar entender a tormenta que passou e como certas coisas não tem volta pois o desgaste, às vezes, é maior que qualquer corda que possa ser esticada. Nela os sopros trazem a melancolia oriundos da profunda transformação e mostram como novos direcionamentos muitas vezes são inevitáveis.

As idas e vindas do amor, ganham ondas nada tropicais, e sim amargas, em “Deu”. Até por isso suas curvas mais distorcidas quase solares dão um tom quase western para essa balada de um coração partido em mil.

“Reclama” conta com uma curiosidade a parte visto que é a estreia de Thiago Barros, baterista da banda, enquanto compositor, e conta com vocais de Heloisa Cleaver. Pop por natureza e daquelas com todo apelo radiofônico, de FMs de outros tempos, vale frisar, carrega uma atmosfera intimista e conflituosa, e na beleza dos seus arranjos acaba sendo um dos pontos memoráveis do disco. Entre melodias cativantes e piano que preenche o vazio de todo sentimento amargo evocado na letra.

“O que eu fiz pra te merecer?
Parece que estou sendo testado
Pra ver o quão gentil eu sou
O limite se aumentava dia sim dia não”, trecho de “Reclama”

Lançado como single, o material ganhou sob as mãos do diretor André Dip um videoclipe com concepção e direção criativa por Santiago Obejero Paz. Em seu plot o vídeo traz uma pequena amostra da rotina do dia a dia dos integrantes, seguido por um documentário observacional em que o trio se reúne para uma releitura das músicas gravadas em estúdio, fazendo novos arranjos e alternando instrumentos entre si. Em uma atmosfera leve e intimista, direto de um sítio na Serra da Mantiqueira, para mostrar para os fãs os seus processos.



Mais cadenciada e com harmonias interessantes desde seu inicio, “Mudança”, é a que mais se aproxima da referência dos Beach Boys pelos backin vocals sussurrados. Apesar das melodias agridoces, a letra vai em busca de memórias de uma história que teve um fim, entre a melancolia e a saudade.

“Jogo (O Ano)” parece dançar sozinha entre guitarras e refúgios, o silêncio ganha o protagonismo e a vontade de dar a volta para cima ganha novos contextos. Tudo isso, entre conflitos e desejos de mudança. A atmosfera, inclusive, para alguns vai remeter as composições dos Los Hermanos.

Com delicadeza e um tom mais sereno, “Pintar” traz consigo um lado intenso e apaixonado de quem consegue mover montanhas somente por estar ao lado de quem tanto ama. “Insolação” tem seu lado jazzy e a referência de Clube da Esquina ganha asas, entre delírios e apagões, desses que a vida nos prega. Alternando consigo momentos bons e outros de resguardo. Evidenciando assim os choques do amadurecer.

Em “Pode Ir”, o tempo e os fenômenos da natureza servem como metáforas para falar sobre o emaranhado de sentimentos e transformações que se equalizam quando estamos imersos em meio dilemas complexos.

Quem fecha mesmo é “Clima”. Ela funciona feito uma jornada em busca do retorno para casa com direito a curvas sinuosas como tempero; entre afastamentos, lamentos e vontade de valorizar as pequenas coisas da vida. Um lugar onde fins e recomeços se colidem. Sintetizando e fechando o disco de maneira cíclica e condizente com a sua proposta.


error: O conteúdo está protegido!!