Em entrevista exclusiva para o Hits Perdidos Mauricio Pereira revela nuances de Micro
“Um trabalho de dois artesãos”: é assim que Mauricio Pereira define o seu novo disco, Micro, o oitavo de sua carreira solo, lançado no dia 12 de julho. Dessa vez, o artista paulistano chamou seu parceiro de longa data Tonho Penhasco para fazer releituras de suas músicas em formato acústico, com apenas voz e guitarra. Com um instrumento confeccionado pelo próprio Tonho, que ele apelidou de Semi, por ser uma guitarra semi acústica, os dois reinterpretaram tanto canções mais conhecidas de Mauricio, como “Um Dia Útil” e “Pra Onde que Eu Tava Indo”, quanto músicas lado B, como “Fugitivos”, “Não me Incommodity” e “Um Teco-Teco Amarelo em Chamas”, esse último lançado previamente em single, assim como “Pan Y Leche”. Produzido por Gustavo Ruiz, Micro ganhará uma versão em vinil no segundo semestre de 2022.
A ideia álbum surgiu durante uma turnê enxuta do Outono no Sudeste (2018), último trabalho de inéditas do artista, mas nos dias de hoje, ele representa mais que um espetáculo portátil: agora, Micro também se tornou um espaço onde as mensagens estão mais diretas, às claras, sem maquiagem, “um diamante bruto”, como diz o próprio Mauricio no release de divulgação. Assim, os arranjos minimalistas e as interpretações limpas buscaram – e com sucesso – potencializar ainda mais a essência das canções.
Na entrevista abaixo, Mauricio Pereira contou como a fase mais crítica da pandemia interferiu no seu ofício de artista, opinou sobre o funcionamento do ecossistema da cultura no Brasil, fez uma espécie de raio X do álbum novo e refletiu sobre o prazer de retratar, em suas músicas, as dores e as delícias da vida do cidadão comum. Confira!
Mauricio Pereira: “O último show que eu fiz foi dia 14 de março, aí fecharam tudo. Dia 16 de março chegaram 500 discos na minha casa, me ferrei. Fiquei com tudo encalhado, sem show, né. Aí eu vendi muita coisa pelo e-commerce. Então a primeira coisa que aconteceu na pandemia, eu tinha bastante show marcado e não tive mais. Principalmente tinha alguns shows com a banda do Outono… pra lançar o vinil, e tinha vários com o Tonho, que era o show menorzinho onde não dava para levar a banda. Aí em 2020 eu fiquei muito quieto.
Eu fiz biscate, eu fiz locução, eu fiz um monte de coisa. Não me mexi como músico, não me mexi. Só fiz as lives que eu era convidado, e entrevistas, e foram bastante, foi bastante live me chamaram para muita coisa, eu ia e fazia, mas eu não propus nada. Eu fiquei meio jururu. Eu não tinha um trabalho novo, não tinha uma ideia, não tinha repertório, a minha cabeça era toda para eu ir pra estrada fazer o Outono… e fazer o Micro, que ainda não chamava Micro. Então me pegou completamente de calça curta. Mas eu e o Tonho, a gente passou o ano inteiro se ligando, se conversando, e o tempo também de uma murchada, porque o Tonho ia muito pra estrada comigo. E eu acho que, de tanto a gente conversar entre a gente, esse disco Micro, a ideia de registrar esse trabalho foi surgindo.”
Mauricio Pereira: “Esse Micro é isso que eu falei, eu saía com ele para ficar mais barato. Só que, pombas, eu e o Tonho a gente se conhece, nós dois temos muita pilha na cabeça, muito café no bule. O som foi ficando legal, ficando especial. Tonho inventou mil arranjos diferentes, timbrava bem a guitarra, eu fui aprendendo a cantar as coisas de novo. E aí foi vindo a ideia da gente registrar esse trabalho, porque eu acho que se não tivesse pandemia talvez eu não fosse registrar isso, né. Talvez ele continuasse a ser o show pequenininho para fazer nas emergências. Aí a gente passou 2021 confabulando por telefone, pensava: “Pô, de repente a gente pode gravar isso. Que músicas, quais músicas?”, e a gente inclusive tocava pelo telefone: ele tocava um negócio lá, eu ouvia e falava: “Isso tá legal”, aí eu cantava, “Cê acha que se eu cantar isso em cima do que você tocou?” Porque as ligações têm atraso, né.
O fato é que quando chegou no fim de 2020, a gente tinha o conceito do disco – porque não é só que a gente tava tocando, mas era entender essa coisa micro, como é que respira. Um disco de dois cê tem muito tempo para cantar a canção, você tem muita liberdade. Então a gente resolveu botar uns parâmetros. É quase como se fosse um disco escrito, como se fosse uma peça de câmara, do Bach ou do Beethoven, sabe. Sem tocar junto, a gente foi escrevendo o disco: “Olha, aqui vai ser assim”, “Toca essa mais lenta”, “Vamo aumentar esse silêncio, pra a gente aumentar a pausa dramática”. Então a gente confabulou muito, se deu referência: “Pô, aqui tem a ver com Led Zeppelin, embora não tenha, e aqui tem a ver com Beethoven”, e foi misturando tudo. A gente teve umas conversas de lunático, tá.
Aí em 2021, que ameaçou dar uma briga, no começo a gente ensaiou na garagem de casa, no aberto. Então a gente foi ensaiando já pensando no disco, e fechando o repertório. Eu acabei gravando o disco no segundo semestre de 2021, gravamos lá com o Gustavo Ruiz. Então 2021 foi um ano mais já de colocar mãos à obra. Então cê me perguntou o que eu fiz na pandemia: fiquei muito parado, fiz os biscates pra sobreviver, escrevi muito e quando eu fui jogar fora, resolvi dar uma lida e vi que eu tinha um material inédito, que eu não vou fazer agora, e produzi o Micro junto com o Tonho — que não é pouca coisa —-, e toquei muito pouco. Eu fiz um show que foi do Micro, no fim de 2021 na Casa de Francisca.
Depois teve a Ômicron e fechou tudo de novo. Então faz dois anos que eu tenho tocado muito pouco. Ensaiado bastante com o Tonho e tal, gravei disco. Mas eu sou um cara de estrada, não sou cara de estúdio. Então eu tô muito pilhado, tô muito sentindo a falta de estrada. Então é isso, resumindo: a pandemia para mim foi: escrever — escrevi um tanto de coisa —, conversei muito com o Tonho, gravei o Micro, fiz biscate pra sobreviver e fiz um show em dois anos.”
Mauricio Pereira: “Olha, sempre desde que eu saí d’Os Mulheres Negras em 1991, que eu casei e comecei a ter filho (tenho três filhos), nunca consegui sustentar a família com a música. Em alguns momentos sim. Minha mulher também sempre ralou feito uma cã. Eu trabalhei na TV Cultura, foi cantor no Marcelo Rubens Paiva (no programa Fanzine (1992-1994)) e ali eu ganhei dinheiro, aí eu fiz muito freela como repórter, apresentador, Mestre de Cerimônia… Toquei em casamento, toquei em convenção… Dei aula, dei oficina, fiz locução. Então a vida inteira tive que me virar para sobreviver, para chegar no fim do mês. Na pandemia não foi diferente. Ali ainda tinha bastante locução rolando para mim, então eu fiz bastante locução, isso me segurou.
Eu até acho que pra cultura o que mudou não foi a pandemia, é o governo brasileiro atual que desestimula a cultura. Mas eu sempre achei que… Já faz 40 anos que eu sou um músico independente, e o que me sempre me chamou atenção é, tá, lei de incentivo é super importante, o Sesc, o CCBB, a Funarte, tudo é lindo, é importante. A economia da música é importante, ela gera emprego, ela multiplica, multiplica o espírito e tudo o mais. Mas se a gente não tiver um país com uma classe média muito grande – O Brasil tem 220 milhões de habitantes, por aí. A classe média aqui não deve ser mais que 10 milhões de pessoas. O que sustenta o showbiz? O mercado consumidor.
Então a Anitta sobrevive, a Maiara e Maraísa sobrevive, mas 99% dos artistas não sobrevivem. A gente ou tá dependendo de lei de incentivo ou a gente trabalha para públicos muito pequenos. Então na minha cabeça, o showbiz só é viável se o país tiver igualdade de grana, essas pessoas ganharem dinheiro, se o público ganhar dinheiro, e se tiver um sistema educacional muito forte. Porque não é que uma pessoa analfabeta tem menos cultura que uma pessoa com acesso à educação. Mas, enquanto consumidor de cultura, uma pessoa bem alfabetizada aumenta o leque.
Então em termos da indústria, da gente que é da indústria da cultura, quanto mais público alfabetizado, curioso, que lê novos autores, ouve outros discos, vê coisa alternativa, cinema, teatro… Quanto mais gente em condições financeiras e educacionais pra empurrar o mercado consumidor de cultura, é melhor. Só que não tem no Brasil, desde 1500 nunca teve!
Por isso que a gente sobrevive – eu mesmo fiz pouco, mas a cultura é muito dependente da verba pública, claro. A verba pública vem suprir a ausência de mercado e de público. Repito: não é pra Anitta, é pro o grosso dos artistas. A gente tem aí 1% dos artistas que sobrevive muito bem. Não tem a ver com caridade. Acho que tanto a Anitta quanto a Ana Frango Elétrico são artistas maravilhosas. Eu não faço distinção. Artista é artista, cada um tá fazendo sua função. Mas essa ausência de mercado é muito difícil. Então eu acho que não foi a pandemia.
A pandemia só deu o tiro de misericórdia num mercado que já quase não existia e que era muito dependente da verba pública. E essa verba pública o governo Bolsonaro já começou a cortar, né. Porque governos anteriores, em especial quando Gilberto Gil foi ministro da Cultura, eu acho que não tinha apenas um orgulho da arte e da cultura que se produz no Brasil, mas tinha o entendimento que a periferia tinha, produzia muita coisa, que precisava ter acesso, então se financiou isso. O que estava fora do eixo Rio-São Paulo, é importante, se financiou isso, e eles tinham também a sacada que cultura é um mercado.
Então você vende o Brasil lá fora, traz dinheiro, gira pessoas aqui quando você faz um festival… Goiânia, com o Bananada, um festival gigante dos últimos 20 anos, você tá formando mão-de-obra, gerando público fazendo intercâmbio de artistas, trazendo mais público pro mundo independente e isso pode, eventualmente, gerar mercado, né. Então a gestão do Gil, que tinha o Juca Ferreira, o Hermano Vianna, tinha gente muito interessante ao lado dele. Ela teve essa visão, é a visão. Por um lado é uma visão cultural e por outro uma visão financeira, mesmo.
Mas é isso, acho que um país desigual é muito difícil ter um showbiz em que todo mundo paga o aluguel e faz supermercado no fim do mês sem fazer biscate. Tô eu aqui para te provar isso.”
Mauricio Pereira: “Teve um pouco. Algumas coisas eu achava que eu tinha que gravar de novo. Então, por exemplo, “Andas Seca”, ou “Não Adianta Tentar Segurar o Choro”… “Andas Seca” eu queria gravar de novo porque o jeito que o Tonho tocava na estrada eu acho que me dava, eu conseguia cantar muito devagar e cantar profundamente o texto, sabe.
Então pensei: “Quero fazer de novo”, eu acho uma música interessante e muito interna, muito do mundo interno. “Não Adianta Tentar Segurar o Choro”, eu fui aprender a cantar essa música na estrada. Eu fazia pouco com a banda, eu gravei no disco Pra onde que eu tava indo (2014), gravei com Lincoln Antonio, que é meu parceiro, foi uma participação especial mas eu nunca tinha ensaiado, tocado ela. E o Tonho achou uma maneira muito bonita de me acompanhar.
É praticamente onde eu tô cantando ele tá atrás e me puxa pra frente, é quase um balé que a gente faz. Então tinha músicas que eu queria gravar de novo, porque eu tava aprendendo elas. Outras coisas, eu pensei: “Ah, se eu vou fazer um disco de releitura, é legal ter uns lado A né, para chamar a galera para perto, coisas conhecidas. Então “Pan y Leche”, “Um Dia Útil”, “Imbarueri”… No caso de “Um Dia Útil” e de “Imbarueri” o Tonho fez levadas muito simples, só deu uma envenenadinha, em especial em “Um Dia Útil”, que ele chama de violão de fogueira, violão que você fica em volta da fogueira tocando.”
Mauricio Pereira: “Eu acho que o que ela tem de diferente da anterior é que a levada é mais contínua. Por isso que o Tonho falou de violão de fogueira, é uma levada mesmo. A anterior era diferente, o (Daniel) Szafran (pianista que toca na primeira versão) é mais rock’n’ roll, talvez essa música seja meio folk, sei lá. E o Tonho colocou umas tensões harmônicas que me ajudaram a cantar. E eu acho que hoje eu canto com mais entendimento da letra do que lá em 98, quando eu gravei a primeira vez. Então eu divido as palavras, as sílabas, eu canto com mais folga, acho que deve ser mais fácil entender a letra hoje.
Aí outra coisa que me fez querer gravar algumas músicas, eu queria gravar também umas coisas lado B, coisas que estavam no meu trabalho que acho que eram canções interessantes que meio que passaram batido quando eu gravei os discos. É o caso de “Um Teco-teco Amarelo em Chamas”, parceria com Arthur de Faria, e “Não me Incommodity”, parceria com Edson Natale.
Porque todo mundo fica muito ligado no meu lado cronista, ou no meu lado “Trovoa”, e eu acho que tem canções, pô, o “Teco-teco” é rock ‘n’ roll, ela é agressiva, é uma música em que o meu espírito poético não tá doce, ele não tá delicado ou introvertido como tá em “Trovoa” ou em “Pra Marte”, ele não tá doce assim. É uma música de revolta, só que a minha revolta saiu através da poesia, do texto, das figuras, de imagem.
Então eu queria cantar de novo o “Teco-teco”, eu achava que eu também podia cantar melhor do que eu gravei lá em 2007 no Pra Marte. E o “Não me Incommodity” eu também achava que eu precisava dizer melhor essa letra, e o Tonho achou uma levada muito legal, ela sugere um swing, e eu também cantei com mais swing, com mais entendimento.
Outra coisa que me levou a puxar algumas músicas foi elas estarem de acordo com a época. Então, “Não me Incommodity”, “Teco-teco”, “Pan y Leche”, com esse Brasil e o mundo conflituosos, eu acho que elas ganham força, sabe, elas ganham um significado. “Pan y Leche” são reivindicações, é um cidadão comum dizendo: “Eu quero comer, ser feliz e ter acesso às coisas”, é isso que é. É que ela não é a típica canção de protesto, mas ela é claramente uma declaração de princípios, né.
O “Teco-teco” tem essa coisa agressiva, que eu acho que ela dialoga com o tempo, o “Não me Incommodity” pra mim tem muito a ver com esse excesso de informação, esse bombardeio que a gente toma – a música foi feita há uns 20 anos, ela é contemporânea da época que começou a ter banda larga, e foi a época que começou a explodir a informação na cabeça das pessoas que deu para baixar discografia, que entrou vídeo, ainda não tinha os streamings, então fiz nessa época pensando nisso. Cara, a arte tá virando uma commodity, que nem um grão de arroz. Qual é o significado que um grão de arroz vai ter para mim? Ele vai ter espírito, vai ter invenção, vai expressar a angústia, a alma das pessoas? Então teve isso.
“Deixa Eu Te Dizer” é uma parceria com o Tonho, eu queria muito gravar uma parceria dele comigo, e gravar de um jeito que eu falei: “Tonhão, desenha, faz uma pequena peça, como se fosse um uma peça de música erudita. Faz no começo, repete ela no fim, pensa aí.” É isso, aí tem músicas bem simples, como “Fugitivos” ou “Pra Onde que Eu Tava Indo”, que são músicas que você canta fácil, bate palma, sabe.
Então é um mix de coisas esse disco. No quê que ele é esquisito? É que ele é um disco de guitarra e voz. Se ele fosse um disco de banda e de inéditas, ele seria um disco bem variado de repertório. Mas eu acho que o que é diferente é ele ser de guitarra e voz, mas é um disco de dois artesãos. O Tonho artesanato na guitarra e eu artesanato na voz. Então é um o tipo de disco que dificilmente eu vou fazer de novo. Ele é quase um laboratório que virou um disco.”
Mauricio Pereira: “Do mesmo jeito que o Tonho é um inventor de arranjos – que eu acho que ele sacou arranjos que tem uma sonoridade x, tem muitas funções musicais dentro do arranjo do Tonho, e há vários anos ele anda construindo guitarras. As guitarras dele são quase umas esculturas. Ele fez quatro guitarras e um baixo: uma é um pedaço de pau, soa muito bem; outra é quadrada, feita com uma tábua. Essa daqui, ele fez uma semi-acústica, ela é oca por dentro. Então ele vai buscando coisas de sonoridade: no braço, na ressonância, no timbre. Ele que sabe te explicar melhor, ele me disse que ele trabalha numa guitarra até ele chegar numa certa sonoridade, aí ele larga ela, ele para de mexer. Esteticamente, a cara da guitarra é a cara da guitarra no momento em que ele achou que ela tá soando bem. Então ele para de trabalhar. Então elas parecem umas esculturas naïfs de madeira.
Eu acho que o fato dele fazer guitarras, e ele mexe na eletrônica, nos amplificadores… Ele tinha um disco, o primeiro disco solo do Tonho, chamava Traquitana (1997), o que o Tonho sempre mexeu muito na guitarra, no som, no captador. Mesmo as guitarras de loja ele mexia na ponte, no braço, no equipamento, mexia no amplificador, no pré. Por quê? Porque o Tonho é um cara inquieto. Sempre foi um cara bom de timbre. O Tonho timbra excepcionalmente. Os meninos aqui em casa, o Tim e o Chico, eles amam o Tonho, porque Tonho é espetacular, mesmo.
Olha, mais de 30 anos que eu toco com o Tonho, nunca vi uma guitarra dele soar mal, porque ele persegue muito o timbre. Então isso é uma coisa do caráter de músico dele. É um cara inventivo, um cara sensível, é um cara que tem muito conhecimento técnico, de harmonia, tecnicamente ele é um guitarrista muito bom, ele consegue tocar coisas que você fala: “Não, o cara não vai conseguir”, e ele toca. Então o Tonho é um todo musical.
E eu acho que esse trabalho dele com as guitarras, na minha cabeça, é um pouco inquietude pura, é a vontade de fazer essas esculturas malucas, mas muito eu acho que é a busca do timbre perfeito. E o Tonho está sempre, se não é perfeito, tá em volta. Isso que o Gustavo Ruiz soube trazer no disco, essa característica do Tonho que é ter instrumentos simples, o amplificador mais comum, que é o Fender Twin valvulado que todo mundo usa, e o Tonho tira timbre disso aí. Ele tem um timbre pessoal, uma coisa muito intuitiva dele. Então imagino que seja busca do timbre e inquietude. É muito bonito esse trabalho dele.”
Mauricio Pereira: “Olha, isso eu acho que é uma coisa que vem do fato de eu ter crescido numa família de classe média, bem comum de São Paulo. Cresci ouvindo Jovem Guarda e rádio. Então a minha formação cultural musical é da música pop, de rádio, a música que fala pro cidadão comum. No ponto de ônibus, no balcão do bar. Dane-se que eu estudei na USP depois e que eu sou cheio de metafísica na cabeça, sabe. Mas esse sonho de escrever fácil eu sempre tive. E por ser um cara criado na rua, brincado na calçada, ando muito pela cidade…
Às vezes eu tenho uma opção: eu posso entrar no cinema e ver um filme ou eu posso passar duas horas andando pela cidade. Eu acho que se eu andar duas horas pela cidade, eu faço o meu filme. Eu entro num boteco, eu vejo um casal se beijando, eu vejo um motoboy deixando cair uma entrega, pessoas conversando… Eu ando como se eu fosse um drone invisível, sabe. E eu acho que me fascina. Eu gosto de andar a pé, eu fico olhando pra todo lado. Então, por um lado, eu acho que os dramas da vida tão nas pessoas comuns. Todos, todos. A vida, a morte, o desejo, a sede de justiça, a maldade. Tá tudo no cidadão comum.
E muitos artistas que eu gosto muito conseguiram falar dessas coisas de um jeito simples. O Erasmo Carlos, o Dorival Caymmi, os caras do rap, o Jackson do Pandeiro, os Beatles… Enfim, é uma infinidade de gente. E foi nos últimos anos, por causa da psicanálise, que eu me permiti, que eu me dei a liberdade de ser mais complicado sem culpa. Porque eu ficava meio perturbado. Falava: “Cara, eu preciso sempre ser simples.” Mas eu não tenho um público simples. Eu não tenho um grande público. Eu tenho um público semelhante ao que eu sou. Então eu posso me dar o direito. E comecei a me dar o direito das coisas que eu li, dos pensamentos mais malucos que eu tenho, o meu texto, o meu vocabulário… Deixa eu pôr isso pra dentro. “Andas Seca” fala disso, “Não Adianta Tentar Segurar o Choro” fala disso, “Pra Marte” tem um pouco disso. Mas eu tenho, sim, uma admiração enorme pelo cidadão comum. A pessoa que anda de ônibus tem um mundo dentro dela, mesmo que nem sempre eu esteja perto desse mundo.
O que eu quero agora é cair na estrada, ver qual é a carreira desse disco, que é sempre a dúvida que a gente tem quando lança um disco. Porque as coisas mudaram, é a primeira vez que eu lanço um disco sem ter um CD. Então isso mexe com a estrada, né. Primeira vez que eu lanço só na plataforma. Vai ter um vinil, mas um vinil é mais caro. Ficou bonito o vinil
Coisa importante de eu falar: Gustavo Ruiz, produtor maravilhoso, segundo disco que eu faço com ele, mudou a minha vida completamente. Minha voz soa de outro jeito, eu tô muito mais tranquilo com os discos que eu produzo. Antigamente eu que produzia e eu acho que os discos não soavam bem como soam esses discos que têm a mão do Gustavo, que entende muito o meu pensamento e traduz isso em bons discos.
Do mesmo jeito que o Tonho entende muito o meu pensamento e traduz isso em sons de guitarra. Então, o Tonho e o Gustavo são dois companheiros que me dá muita felicidade tar com eles. Ser entendido é muito bom, né. E são caras de muito talento. Da maneira deles cada um tem uma intuição e técnica e conseguem traduzir a minha onda, materializar ela. Então acho que esses dois são caras importantes.”
This post was published on 25 de julho de 2022 11:00 am
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