Alles Club dá novos ares a clássicos dos Guns N’ Roses, Suzanne Vega e Cocteau Twins no EP “Emballage”
Alles Club lança Emballage, um EP tributo com versões dream pop
Prestar um tributo em um show pode ter um caráter irônico ou homenagear de fato uma referência para artistas. No caso do The Replacements, por exemplo, eles “enchiam a lata” antes dos shows e “perigava” aparecer um cover de Beatles (cacarejado) ou alguma “tiração de onda” com algum comercial que estivesse passando na TV.
Tocar fielmente a original ou adaptar vocais e entradas é uma outra opção viável para uma apresentação ou outra – e pode surgir durante uma temporada de jams sessions em ensaios.
Porém reconstruir uma versão em estúdio é um trabalho redobrado que exige aprender a música, olhar como poder explorar melodias e até mesmo excluir trechos, adicionar samples, traduzir para um estilo (ou uma combinação deles) e algumas até deixam de cantar o refrão e se tornam clássicos; como é o caso do Dinosaur Jr. em sua versão rebelde para “Just Like Heaven” do The Cure.
Esta é a diferença básica entre um cover e uma versão. Alguns casos como “Hurt”, originalmente composta por Trent Reznor (Nine Inch Nails), ao ganhar a voz de artistas como Johnny Cash acabam ficando tão impressionantes que de fato até mesmo o artista tem que admitir que ele apenas compôs mas que o real dono por mérito foi quem realizou a nova versão.
Fato é que muitas vezes esse universo pode ser fascinante feito uma caixinha de chocolates, ou se preferir, mágico feito uma caixinha de música.
Alles Club Emballage
Hoje fazemos a Premiere de Emballage da banda mineira Alles Club que justamente dá a luz versões para clássicos, e outros nem tanto assim, de artistas como Erik Satie, Cocteau Twins, Guns N’ Roses, Suzanne Vega e Beach House. Recriando essas canções originalmente em estilos como a música clássica, dream pop, shoegaze e hard rock a sua maneira.
“Eu acho que tocar covers em shows e gravá-las é um grande exercício musical, porque você entra muito a fundo na mente daquele compositor, você vê todos os detalhes ali presentes”, diz o guitarrista Rodrigo
“Acho bem legal, como um recurso, na verdade. Principalmente quando a banda consegue pegar uma música distante do universo dela e trazer para o seu próprio”, Stephanie complementa
As Versões
Para amantes de versões a de “Rocket Queen” do Guns N’ Roses irá surpreender de uma forma impressionante, por sua capacidade de trazer arranjos delicados, vocais femininos e uma parede de guitarras etéreas.
“Luka” também é um grande destaque devido a sua estética que ao mesmo tempo que é lo-fi traz consigo arranjos desconcertantes e bastante elaborados. Sua intensidade nos vocais em certo momento parece homenagear “My Heart Will Go On” da Celine Dion (sim, o famoso tema de Titanic) e ao mesmo tempo parece fazer referência aos reverbs de grupos como o RIDE de Oxford (UK).
A cota bandas que todos do grupo devem amar fica para a Hors concours “Cherry-Coloured Funk” do Cocteau Twins e o clássico moderno “”Space Song”, do Beach House. A versão para uma música clássica, “Gnossienne No. 1” (Erik Satie)”, é realmente uma surpresa positiva e a história toda você lê com exclusividade neste post.
A ficha técnica do EP: mixagem se dividem entre André Medeiros, responsável por “Gnossienne”, “Cherry-coloured Funk”, “Rocket Queen” e “Space Song”; Bráulio Almeida, que mixou “Luka”. A master geral é de André. Já a capa traz uma fotografia tirada ao acaso por Walner Del Duca (Baco Doente) e trabalho de arte de Rodrigo Baumgratz.
A relação de cada integrante com as versões de Emballage da Alles Club
Para trazer um caráter ainda mais peculiar a um EP de versões tão ousadas e diferentes das versões originais, nada como chamar os integrantes da Alles Club para contar um pouco mais sobre o impacto de cada banda, ou canção, em particular em suas respectivas vidas.
O resultado é bastante interessante e traz consigo uma porção de detalhes e curiosidades. Confira os mistérios e revelações por trás da Emballage.
“Gnossienne No. 1” (Erik Satie), por Pedro Baptista:
“A história da versão de Gnossienne começa comigo querendo fazer um projeto pessoal, um Trabalho de Conclusão de Curso que seria um podcast de ficção com suspense. Então, eu estava pesquisando músicas que poderia usar e, coincidentemente, o Guilherme Vinhas me enviou uma playlist que ele fez que se chama “1ª gnossienne até o cu cair da bunda”.
Nela ele tinha lotado de versões diferentes da música e eu ouvi todas. Pensei “poxa, isso é um bom caminho”, pois é uma música que traz um suspense legal e que, ao mesmo tempo, está em domínio público, não traria problema de direitos autorais.
Por isso, pensei em “adaptar” essa versão, “adaptar” para uma própria versão minha. A princípio nem era para a banda. Comecei a fazer e uma vez que estava muito influenciado pela Alles Club, era também um momento em que estávamos em turnê, logo, decidi mandar para o Rodrigo e perguntei “E se a gente fizesse algo com isso?”.
Acabou que ele super gostou da ideia, que anteriormente havia surgido como trilha musical de um projeto mas que no caminho foi abandonado, resgatando-a e incluindo vários elementos, como o violoncelo e voz da Filipa (sua filha), deu também uma aperfeiçoada nas guitarras etc. Eu já tinha feito algumas guitarras, o baixo, o glockenspiel e a bateria eletrônica – que estava legal mas não sentíamos que era suficiente.
Resolvemos então marcar uma gravação na minha casa, onde disponho de um estúdio, o Mixirica Records, com o baterista Fred Mendes e o André Medeiros, que fez a captação do som. Nesse dia, pudemos testar várias microfonações diferentes, foi bem enriquecedor. Depois disso tudo, passamos para mixagem e masterização com o André e, em seguida, todos os integrantes da banda iam comentando e opinando sobre o processo. Todos estavam bem ativos. Por fim, foi passado para o Inhamis Studio fazer um clipe.”
Cherry-coloured Funk (Cocteau Twins), por Stephanie Fernandes
“Eu não me lembro muito bem quando realmente me liguei nessa música, mas é daquelas coisas que ficam no inconsciente e fazem parte de algumas memórias de infância. Lembro dela de fundo, como uma atmosfera etérea e aquela letra que eu nunca entendi. Acho que sempre foi a minha definição de dream pop.
Eu a incluí na playlist colaborativa que ouvíamos nas viagens com a Papisa e pensei em gravar uma versão dela com o Ruan, como lado B de uma outra música que tinha feito. Aí, em 2019, o Lopes voltou para o Brasil e marcamos uma série de shows.
Sugeri que a tocássemos, mas teria de ser uma versão fiel, pois não teríamos muitos ensaios. Perguntei ao Lopes se ele não toparia gravar uma versão para Alles Club. Talvez aí seja o início da ideia do Emballage, pois ele me respondeu que já tínhamos também outras versões que poderíamos lançar junto.
Então, eu e Ruan fomos até o estúdio do Baptista e ele começou a gravação com uma versão quase down beat e eu já torci o nariz, estava apegada, mas chegamos num consenso e temos a nossa versão mais baladinha.”
Luka (Suzanne Vega), por Nina Hübscher
“Eu cresci com “Luka”, posso falar que essa é uma dessas músicas que chamo de soundtrack of my life. Nunca imaginei que muitos anos depois eu iria tocar ela. Em 2012, eu e o Rodrigo criamos o projeto “Les Ultrasons“. Eu estava grávida nessa época e os ultrassons médicos sempre foram um evento de muita emoção, daí vem o nome. Foi em 2013, com o nosso filho ainda bebê, que o Rodrigo sugeriu fazer uma cover dela. Tínhamos pensado em gravar um disco de canções de ninar, que seriam versões de música que gostávamos. Tinha The Cure, Smashing Pumpkins, The Drugstore, Molly Nilsson.
Ouvir essa música me trouxe muitas lembranças da infância e percebi que na verdade a música é muito triste, nunca reparei quando criança porque não entendia inglês ainda.
A melodia é muito linda e melancólica ao mesmo tempo, fiquei emocionada com as letras, ainda mais como mãe recente. A gravação foi um processo lindo, às vezes muito tarde da noite quando o bebê estava dormindo. O Rodrigo botou muita sensibilidade nessa música e acho a nossa versão bem linda.”
Rocket Queen (Guns N’ Roses), por Fred Mendes e Rodrigo Lopes
Fred: “A versão da música “Rocket Queen” vem do ano de 2017 quando meu amigo Bruno Guga, músico carioca, mandou uma mensagem perguntando se eu gostava de Guns N’ Roses e tal. Na época, ele estava procurando bandas para fazer uma coletânea em homenagem aos 30 anos do disco Appetite for destruction do Guns, e me perguntou se a Alles Club animava fazer uma das versões. Não sei por que fizemos a “Rocket Queen”, acho que foi a que sobrou.
O processo de fazer foi bem tranquilo, estilo Alles: ideias iniciais do Rodrigo e ensaios no Graminha a meia-luz e vinho. Essa coletânea tem bastante banda bacana. Na época, chamei o martiataka para fechar o time.
O interessante também é que Guns e Alles não tem nada a ver musicalmente e acho que nem os meninos tem essa referência. Eu, pelo menos, nunca curti, por isso, foi interessante o processo de criação e afins, algo novo pra banda e pra mim também. Quando surgiu a ideia do disco Emballage ela entrou fácil na tracklist!”
Rodrigo: “Excelente, Frederico! A escolha por ela foi porque era uma das mais melódicas do disco. Tínhamos tentado “Night Train”, mas ela já tinha sido escolhida.”
Space Song (Beach House), por Ruan Lustosa
“Meu primeiro contato com Beach House foi por volta de 2010, quando estava descobrindo as bandas de dream pop da minha geração. Tanto a banda quanto o estilo me influenciaram em criar texturas nos arranjos que faço na Alles Club.
“Space Song” foi um presente do Lopes para a banda. Ele gravou secretamente um esqueleto da música com a Nina e mandou como sugestão para fechar o disco de versões. A banda amou a ideia e fomos para o estúdio do Baapz gravar o restante dos instrumentos.
A demo do Lopes era um pouco mais lenta e substituiu o riff original da guitarra por um cello lindamente gravado pela Nina. Gravei algumas tracks de guitarra, Baapz gravou o baixo e posteriormente o Fred gravou a bateria (o que deu mais trabalho). As nossas meninas, Steph e Nina, fazem um duo vocal lindo nessa música. Acredito que foi a mix mais complicada de fazer por conter muitos elementos nela, mas adoramos o clima de como a música ficou.”