O Novo Disco da Cambriana
O ano novo chegou e mesmo que 2020 tenha ficado para trás, viemos falar de um dos muitos ótimos álbuns lançados ano passado.
Mesmo que o clima não tenha sido tão propicio para comemorações, ainda podemos vibrar por estarmos vivos e, é claro, termos artistas tão incríveis que partilham sua arte conosco. Não faz mal algum gozarmos do prazer de sentir a música e toda a sensação de êxtase que ela nos traz mesmo que isso só possa ser feito da sua casa. E além da música, tentar viver o mais próximo de algo confortável que possa nos ajudar mas também nos instigar a buscar novos prazeres e histórias.
Em dezembro, mais precisamente dia 18/12, a banda goiana Cambriana lançou seu terceiro álbum de estúdio Hedonism. Nós conversamos com o Luis Calil sobre o processo de gravação e uma relação de carta aberta com a música.
Hedonismo vem do grego Hedonê — nome de uma guia, uma daemon ou uma deusa, na mitologia grega, que representa o prazer.
Filha de Eros e Psiquê, Hedonê era a representação encarnada de uma vida prazerosa. O hedonismo é uma doutrina, ou filosofia de vida, que defende a busca por prazer como finalidade da vida humana
De acordo com Luis, a ideia temática para o disco, que era algo que o músico e produtor já queria ter feito mesmo antes da pandemia, foi brincar de advogado do diabo e explorar a ideia de viver pelo prazer como um objetivo nobre e válido.
“Acho que o instinto natural é recuar diante dessa ideia, apesar de que colocar o prazer acima de tudo (e tudo inclui também “o próximo”) é algo com o qual todos nós estamos familiarizados, querendo ou não.
Acho que é possível delinear uma visão de mundo supostamente pragmática em que a moralidade pode ser jogada de lado – o solipsismo sombrio que esconde por trás de uma frase como “só se vive uma vez.” Mas é algo geralmente utópico, as consequências são quase sempre inevitáveis.”
Cambriana pode ser considerada umas das bandas mais versáteis do Brasil, vai do sentimental ao intimista, explodindo em diversas camadas do seu ritmo que pode variar do mais calmo ao mais turbulento. Além de Hedonism, a banda goiana já lançou outros dois álbuns e um EP – House of Tolerance (2012), EP Wonker (2013) e Manaus Vidaloka (2018).
Luis Calil que, além de cantor, também é compositor, multi-instrumentista e produtor, divide a maioria das músicas com Pedro Falcão, que é baixista e saxofonista da banda, mas que também faz de tudo um pouco.
A gravação do álbum da Cambriana foi na base de troca de arquivos pela internet, desenvolvendo as ideias um do outro já que Pedro estava morando na Holanda durante a maior parte do processo.
O álbum começou a ser desenvolvido no final de março, não sendo prudente sair de casa o músico achou produtivo aproveitar o tempo extra para compor, mas que logo após decidiu estabelecer uma meta mais ambiciosa. Compor, gravar e lançar um disco do começo ao fim durante o período de pandemia, que o mesmo já imaginava que duraria o ano todo. A agilidade foi uma resposta ao Manaus Vidaloka que demorou 4 anos para ser feito.
A maior parte do disco foi gravada no apartamento de Luis com alguns elementos gravados por Pedro. Ou seja, foi tudo caseiro.
Sobre a capa do disco, Luis conta que gostou da foto porque a cena ensolarada das pessoas curtindo a cachoeira está acontecendo ao redor de uma queda que leva para um buraco escuro.
“É difícil explicar exatamente o que essa imagem significa no contexto do tema, mas parece que ela tá interagindo com as ideias do disco de formas interessantes e quase inconscientes, pelo menos pra mim.”
Destacamos quatro canções do Hedonism e pedimos ao Luis para contar um pouco mais sobre elas.
Induction Bread: “A única música do disco que é abertamente alegre e descontraída. Esse clima me deu a liberdade pra brincar com os ritmos; cada trecho tem referências a batidas de micareta, arrocha, dub, hip-hop. E o nome se refere a um termo que eu li em relação a dieta de Atkins, onde no começo você come algo com poucos carboidratos pra depois cortar de vez.
Essa ideia pra mim funcionava como uma metáfora esquisita pra falar de relacionamentos, e quando você encontra uma metáfora esquisita você tem que aproveitar.”
Huge!: “Vagando pelo YouTube um dia, eu fui parar num vídeo amador da Fiona Apple tocando “The Way Things Are” ao vivo. A música já tem um ritmo meio lento e imponente na versão original, mas nessa gravação de baixa qualidade ela tava soando extremamente pesada e grandiosa.
O vídeo pegou um trecho que incluía um solo de guitarra que pareceu diferente do original, mais malvado. Tentei achar esse vídeo específico pra linkar aqui, mas parece ter sido removido do YouTube – o que é uma pena, pois foi vendo ele que eu pensei, “queria fazer uma música que soa exatamente assim”, e então nasceu “Huge!”.
This Is Water: “Foi inspirada no álbum Glassworks, do Philip Glass. Se eu não me engano, a terceira faixa, “Islands”, é a que tem um arpejo cinematográfico que eu sempre quis usar de inspiração pra uma música. O arpejo de “This Is Water” acabou soando mais íntimo, meio “caixinha de música”, e levou a música pra outra direção, embora ela ainda termine com coros e orquestras e toda aquela grandiosidade de trilha sonora de filme.
O título é uma referência ao famoso discurso do escritor David Foster Wallace, onde ele cita a piada filosófica dos peixes no mar (um pergunta pro outro “como tá a água hoje?” e o outro responde “o que diabos é água?!”).
Rave On: “Meu aspecto favorito dessa é o riff de guitarra que o Pedro Falcão criou, que soa como algo do Ali Farka Touré ou outros guitarristas do deserto africano. Essa influência africana, que vem do nosso álbum anterior, o Manaus Vidaloka, foi misturada nessa música com outros elementos, como a alternância do bumbo e chimbal que você encontra em música eletrônica.
A própria letra faz referência a raves, mixers, e ao produtor Head High, cuja “Rave” é uma das minhas músicas favoritas. Meu método de composição é basicamente isso, pegar coisas diferentes que não parecem se encaixar, colocar junto e ver o que acontece.”
“Acho que eu me sinto sortudo de ter parado de pensar estritamente em fazer a banda “acontecer” e começado a usá-la como um projeto pra botar música pra fora.”, conta Luis.
Para o lançamento de Hedonism Luis explica que, devido a mudança de paradigma das redes sociais e o quanto elas têm impactado e enfraquecido a imprensa brasileira, o mesmo não viu necessidade de utilizar um assessor de imprensa para empurrar o disco como fizeram nos álbuns anteriores.
Ele simplesmente lançou o trabalho para os fãs que a banda acumulou durante os anos e deixou a música se espalhar naturalmente, o quanto ela conseguisse.
“Isso não significa que eu não quero que o alcance da banda cresça, mas eu não sei bem quais são os novos caminhos pra fazer isso acontecer, e não tenho interesse em aprender. Acho que é uma posição libertadora, e com certeza mais satisfatória do que ficar criando expectativas que não tem como você saber se serão cumpridas.”
This post was published on 12 de janeiro de 2021 12:52 pm
Da última vez que pude assistir Lila Ramani (guitarra e vocal), Bri Aronow (sintetizadores, teclados…
The Vaccines é daquelas bandas que dispensa qualquer tipo de apresentação. Mas também daquelas que…
Demorou, é bem verdade mas finalmente o Joyce Manor vem ao Brasil pela primeira vez.…
Programado para o fim de semana dos dia 9 e 10 de novembro, o Balaclava…
Supervão evoca a geração nostalgia para uma pistinha indie 30+ Às vezes a gente esquece…
A artista carioca repaginou "John Riley", canção de amor do século XVII Após lançar seu…
This website uses cookies.
View Comments
Ótima entrevista. Acompanho a banda a bastante tempo e fico muito feliz de ter o prazer de desfrutar de mais uma excelente produção da banda.