Lucas Gonçalves (Maglore, Vitreaux) descreve em paisagens o debut “Se Chover”

O álbum de estreia do mineiro Lucas Gonçalves, integrante da Maglore e Vitreaux, Se Chover, que está sendo lançado nesta quarta-feira (07/10) pelo selo Pequeno Imprevisto passeia por diversas memórias. Entre viagens, cidades, imprevisibilidades, sentimentos e passagens.

Muitas figuras de linguagem acabam adentrando o debut que usa bem das suas metáforas e que foi construído ao longo dos anos sem pressa para ser finalizado. Canções que foram se moldando com o tempo e que trazem à tona momentos de toda uma vida mas também reflexões sobre temas presentes na vida de todos nós como a doçura do amor e o amargo da morte.

Os começos, meios e fins sob uma perspectiva singular e intensa. Ele olha para trás para seguir em frente rumo aos sonhos sem deixar de esquecer origens e a jornada até aqui.

A maioria das músicas foram criadas no interior. Mesmo as ideias que nasceram em São Paulo, cidade onde vive há oito anos, Lucas levou para terminá-las em Passa Quatro (MG).

“O disco tem um outro tempo, é um respiro. Uma coisa, realmente, de poder parar, olhar e sentir. Não tem nenhum hit dançante. É um disco de imagem, de paisagem, de contemplação. No interior é isso, não passa nem avião, você fica olhando o céu, as montanhas, os pássaros, e não passa quase ninguém na rua. Tem vida acontecendo nas praças e nas casas, mas também um silêncio no meio da tarde, um silêncio absurdo”, conta Lucas Gonçalves sobre as composições presentes em Se Chover

Show de Lançamento

Embora o disco esteja sendo lançado hoje ele irá realizar o show de lançamento online no dia 18/10, às 17 horas, e você já pode adquirir os ingressos, de R$10 a R$15, pelo Sympla. O show será realizado em seu canal de Youtube diretamente do estúdio Submarino Fantástico, onde gravou o disco.


Lucas GonçalvesFoto Por: Azevedo Lobo

A partir daqui quem assume e escreve uma espécie de Diário de Bordo descrevendo as cenas por trás de cada faixa é o próprio Lucas Gonçalves com exclusividade para o Hits Perdidos. Confira!

Cenas descritas para cada faixa, por Lucas Gonçalves

1 – SE CHOVER

TARDE, NUBLADO, SÃO PAULO, 2015:

Caminho na R. Teodoro Sampaio em direção ao Largo da Batata.

As pessoas abrem seus guarda-chuvas, mas ainda não chove.

Passo por um casal jovem, sorridente e acho graça no riso leve dos dois que estão indecisos quanto a tomar um banho de chuva ou proteger as sacolas de compra.

Entro no próximo bar que encontro aberto e peço no balcão uma garrafa de cerveja de 600ml – a mais barata.

O garçom traz a cerveja e um rascunho de papel em que está anotado, não só o pedido, mas também um número embaralhado que passa a fazer sentido quando o papel é virado de cabeça pra baixo.

Penso no par lá fora, no ato clichê do cinema em pleno gozo da vida real.

Começa a chover e me lanço aos pingos até o telefone público, na frente do botequim.

A chuva não para enquanto a ligação continua.

(sem)FIM.

2 – NA BAGAGEM

MANHÃ, SOl, PASSA QUATRO, 2011:

Passa a Maria Fumaça apitando enquanto passo o café na cafeteira italiana.

Penso nela, que só tem me feito bem e, que de alguma forma, parece muito apaixonada por nós.

Às vezes acho que ela precisa estar mais atenta aos seus próprios sonhos do que os meus delírios.

Penso, agora, nas minhas incursões oníricas. Não me recordo se eu vejo as cores ou não. Foi algo que li em um livro do Oliver Sacks sobre um sujeito que parou de enxergar as cores após um acidente de carro, quando ele bateu a sua cabeça no volante.

Volta a Maria a Fumaça, apitando novamente, e agora eu tenho na minha cachola: trilho, trem, sonho, ela e o som do lá maior que minha mão arranca desse violão. Este instrumento que seria a minha bagagem certeira por entre as viagens que eu farei um dia.

3 – PRECISA ALGO ACONTECER

MADRUGADA, SEM LUA, SÃO PAULO, 2019:

Conversa entre eu e um amigo na varanda do Departamento de Cordas.

Eu: – Precisamos fazer alguma coisa em relação à isso tudo! Não dá para calar os olhos agora. É sério! Manter a boca fechada e mastigar essa isca é impensável. E não tá bom! Não dá para ser assim! Tudo ruindo…

Ele: – Sim, precisa alguma coisa acontecer, de dimensão universal, seja para o bem ou para o mal.

Eu: – Exatamente.

Fico rodando com essa música pra lá e pra cá, até que a finalizo em Juiz de Fora/MG.

4 – SOL E CHUVA

MANHÃ, SOL, PASSA QUATRO, 2017:

Você pode se molhar, não é feito de açúcar.

Ele dizia: – UPA, coração de açúcar!

Minhas canções de amor, hoje, são mais cotidianas e com pitadas fartas da vida rotineira. E a vida, essa caixinhas de surpresas, ora venta e muda tudo de lugar, ora chove e revira, atrapalhando nossos piqueniques.

Quando encontrei Carime, acreditei mais no amor, nesse que se constrói diariamente, um amor que atravessa os obstáculos e que se mantém firme independente dos tormentos.

TARDE, NUBLADO (previsão de chuva), SÃO PAULO, 2020.

Agora moramos juntos e o amor corre livre e solto pelos cômodos da casa.

Temos planos de gravar um vídeo na chuva, se chover mesmo.

Eu estou na rede, lendo um livro que pode molhar, porque depois vai secar & acho que ainda vai dar pra ler.

Mas antes vou recolher os panos de chão, que lavei mais cedo e que já estão secos no varal.

5 – BASTA

TARDE, CHUVA DE VERÃO, PASSA QUATRO, 2018

Revirado ainda com a prisão do ex presidente Lula, me perguntei: – Será que não estão vendo que tudo faz parte de uma grande farsa? Esse grande jogo político para frear sua disputa nas eleições…

Pairava em mim a icônica imagem do mesmo nas mãos dos operários e presentes naquele seu último discurso em liberdade, em frente à sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.

Contrariando as minhas esperanças, começo a escrever sobre a realidade imaginando um desfecho melhor para isso tudo.

Lá se vai a chuva que levou boa parte da tarde de domingo. O sentimento é de que já passamos dos limites e que precisamos virar o jogo pra valer.

6 – TEMOS NÓS

NOITE, GAROA, SÃO PAULO, 2016.

Enfrento o frio, adentro e afora das estações do metrô, para encontrar uma amiga, que outrora fora um ideal romântico, lírico, literato. Só não literal porque não saímos do papel.

Dias depois, de cara com o mesmo clima, me junto a alguns amigos para dar uma passada na ocupação da Funarte.

Assistimos a um show da Ju Perdigão e os Kurva, encontramos outros amigos depois da apresentação e, enquanto voltamos para casa, me sinto realizado com tantos artistas dando asas às suas criações! E, também, dividindo aquele espaço com carinho uns pelos outros e pela arte em si.

Em casa, respiro e começo a pintar a cena daqueles dois encontros: um que representava uma parte do passado, com alguns nós, e o outro, o vislumbre do que eu idealizava a partir dali, artisticamente.

7 – PRECE

TARDE, SOL FRACO, SÃO PAULO, 2019:

O sino da igreja, a novena, os velórios com mesa farta e o açúcar com café na casa dos parentes mais queridos ou, até então, desconhecidos.

O sol só é percebido no fim da tarde e há um estranho silêncio do tamanho do céu. O vento está ali, balançando as árvores, mas o chiado agudo é quase mudo.

Este é um flerte com o cinema nacional assombrado pela melancolia católica e culpada do interior de Minas.

Imaginando o dia da minha própria morte, comecei a escrever com o propósito de afastar aqueles pensamentos ruins.

8 – BAIXA A POEIRA

TARDE, CHUVA, PASSA QUATRO, 199X:

Minha mãe, bonita, sorri e se lança na chuva para recolher as roupas secas no varal.

O cheiro da poeira molhada vai ficando mais forte.

NOITE, PASSA QUATRO, 199X:

Uma festa em casa, com moda de viola, dança, carne, crianças correndo.

Presto atenção nos adultos, mas não entendo nada do que é dito.

Quando lembro do meu pai, vem uma enxurrada de memórias. São tantas e tão variadas, que chego a pensar que imaginei algumas delas, porque meu pai já apareceu mais moço do que sempre foi e se equilibrando em duas rodas, subindo e descendo a serra da Mantiqueira. Tem muita fotografia assim em casa. Talvez eu entre nessas cenas de cabeça.

Mas lembro de cada passeio pela cidade de mãos dadas e dos seus trocadilhos, que mesmo repetidos, nunca perderam a graça.

MANHÃ, SOL, PASSA QUATRO, 2017:

Um abraço que chega logo cedo, de viagem, de fora. O abrigo que eu jamais imaginara, ali, na minha frente, sorrindo bonita.

É ela, que não dá conta de me ver no aperto e vem me segurar, no momento em que não seguro o choro.

Chove, para abaixar a poeira.

9 – SE CHOVER II

TARDE, SOL, PASSA QUATRO, 2018:

Fim de ano, entre natal e ano novo.

Me encontro na melancolia, de mais um ano sem a possibilidade de reunir a família inteira novamente.

Fico em suspenso, olhando as montanhas, esperando anoitecer. Entre uma ligação ou outra sou pessimista. Acho que não vou passar de ano, acho que vou ficar por ali, enterrado, uma sensação estranha.

Escrevo uma carta de despedida em formato canção, novamente com os pensamentos na linha de chegada.

Mas e as flores que são deixadas para morrer sob o cimento dos túmulos?

Elas vão sobreviver mais alguns dias, se chover. Só se chover.

10 – O SOL VAI NASCER OUTRA VEZ

MADRUGADA, SOL, PASSA QUATRO, 2011:

Me deito com a calma de quem encontra alguém para dividir os prazeres da vida. É paixão, antes de mais nada.

Mas devo deixar aparecer quem eu sou, além do riso de paixão e muito além da boa previsão do tempo. Devo falar das tempestades que tomei até ali, e ter certeza que mais à frente me afogarei novamente.

Fora isso, me deito com a segurança de quem sabe que nada dura por muito tempo.

Uma hora isso, ou aquilo, ou sei lá…mas tudo vai passar.

E o maior presente é poder celebrar cada início ou fim de ciclo, sem medo.

Ficha Técnica: Lucas Gonçalves Se Chover

Lucas Gonçalves: Produção, arranjos, voz, vocais, violão, bandolim, guitarra e baixo

Luciano Tucunduva: Produção, mixagem e percussão

Otavio Carvalho: Masterização
Pedro Lacerda: Bateria e percussão

Diogo Valentino: Baixo elétrico

Mali Sampaio: Baixo acústico
Filipe Castro: Percussão (conga, castanhola e meia lua)

Bruno Bruni: Piano acústico e elétrico
Michele Mello: Viola de arco
Paulo Costa: Violino
Raphael Evangelista: Violoncello
Beto Mejia: Flauta
Fabricio Gambogi: Arranjos em “Se Chover II”
Roger Turra: Arranjos em “Precisa Algo Acontecer”
Renato Medeiros: Produção e Mellotron em “Prece”
Kezo Nogueira: FlugelHorn 

Ilustrações e projeto gráfico: Carolina Reis
Bordado: Tainá Denardi

Lucas Gonçalves Se Chover


This post was published on 7 de outubro de 2020 11:17 am

Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

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