O fim muitas vezes não é algo definitivo. Não é algo que vem de um dia. E muito menos é algo fácil de digerir mas muitas vezes é inevitável. Não que isso não envolva emoções, momentos, boas lembranças e conquistas pelo caminho. Até por isso ele muitas vezes pode ser agridoce. Em outras apenas um até logo. A Bordines de Porto Alegre (RS) decidiu coroar este momento com o lançamento de um álbum cheio que demorou cerca de 3 anos para sair do estúdio e eles fizeram por valer.
O disco é dançante, pulsante e traz aqueles traços de Manchester, de Brit Pop e rock gaúcho que adoramos conhecer ao longo desta jornada. E nada como ao invés de jogar palavras ao vento abrir o espaço para eles contarem um pouco mais sobre as entranhas que compõe o Outro Plano (Ouça).
Até cogitei escrever algumas palavras sobre o disco mas senti que neste momento por mais positiva que seja a opinião, seria algo pequeno dentro do que a banda significa para eles. Poder abrir esse púlpito para eles comentarem um pouco mais sobre tudo que aconteceu ao longo dos anos me pareceu como mostrar a humanidade e as pequenas coisas que realmente importam dentro de uma banda.
Por isso traremos uma auto-entrevista onde todos puderam mostrar as facetas…além de um texto sincero assinado por todos que foi publicado no Facebook oficial da Bordines no dia do lançamento. Mostrando porque a música e os sonhos importam. Mostrando porque a amizade é o elo – e o centro – de tudo.
“Outro Plano, como todo disco, nasceu antes do registro. No final de 2016 começamos a levantar nomes para a produção do disco e dentre eles, estava Leandro Sá, o preferido. Por sorte (ou não), Sá gostou de nós e dos nossos sons já gravados. Fomos num ensaio e mostramos as 15 músicas que tínhamos como opção pro disco, das quais ficaram 10 no registro oficial. Ao longo do processo, além de mestre-maior, Leandro Sá também virou um importantíssimo amigo.
Esse disco é a fotografia de um sonho jovem prematuramente finado. Resume os 6 anos de pura energia e devoção ao rock, das madrugadas viradas assistindo shows dos nossos ídolos, aprendendo sobre as composições que amávamos (muitas ainda amamos), se aventurando a fazer as primeiras músicas (sempre em português), querer cantar sobre a própria geração, encontrar lugares que aceitassem uma banda de garotos pra tocar, arrastar todos os amigos possíveis e fazer cada show uma experiência importante para quem assistia. Mostrar que músicas boas e tocantes poderiam ser feitas por alguém qualquer, como nós.”
“Aos 20 anos, tocamos num dos palcos sagrados do Rio Grande do Sul, o Bar Opinião, abrindo o show da banda Cartolas (nosso muito obrigado novamente). Porém já havíamos tocado em vários outros palcos importantes da cidade, em outras cidades e com públicos de tamanho e engajamentos inimagináveis para uma banda com quase três anos de idade.
Nos anos seguintes faríamos shows importantíssimos na cena de Porto Alegre, reanimando uma cidade viúva das bandas do início dos anos 2000. Tocamos com bandas irmãs, trouxemos bandas de outros estados, lotamos casas, fomos o principal evento alternativo da cidade. Tudo isso com 22 anos de idade.”
“O processo de produção do disco começa com a seleção das músicas, no início de 2017. Logo em seguida, levamos todo o equipamento que tínhamos para o estúdio Ville Neuve, do Leandro Sá. Lá passamos 11 dias pré-produzindo as músicas, numa imersão nunca antes vivenciada por nós: 10 a 14h seguidas de dedicação para cada música. Chegávamos por volta das 16h e saíamos quase na hora de ir pro trabalho novamente. Cada detalhe era ouvido e questionado sobre como poderia chegar no lugar que queríamos. Nos guiando com mãos de ferro e amor fraterno, Leandro Sá tirou tudo que podia dos quatro garotos ainda muito inexperientes porém completamente fascinados por música.
Cerca de meio ano ensaiando as músicas conforme a pré-produção, entramos em estúdio para gravá-las. Tínhamos três dias para gravar todas as canções AO VIVO, pois esse fora o método que consideramos captar melhor nossa maneira de viver as músicas. Foram mais três dias de 12 horas de estúdio, gravávamos as bases e depois eram feitos alguns overdubs, tudo sendo captado pelo nosso amigo e grande parceiro de outras gravações, João Augusto, o Jojô. No alto da madrugada, em pleno frio de julho, alguns de nós dormiam atirados pelo estúdio e outros comiam pastelina (janta), enquanto alguém estava gravando algum take de guitarra ou percussão.
Terminamos o disco no estúdio Mubemol, juntamente do Gilberto Júnior, o Juninho, gravando vozes, a participação da Nina Rouge, sintetizadores, piano, e mais algumas guitarras. Depois, o disco foi para o processo de mixagem com Tiago Abrahão, onde também acrescentamos as participações do Ronaldo Pereira, tocando Sax. E ao final retornou tudo para as mãos do Juninho, para masterizar o disco.”
“Como tudo não são flores, o processo de gravação e finalização do disco tomou muito da gente. A gente se doou mesmo pelo lance. Acontece que com a extensa necessidade de decisões e caminhos a serem tomados, e todos os envolvidos querendo o que achavam melhor para o disco/banda, ou às vezes apenas lidando com a ansiedade, receios e expectativas de lançar nosso filho pro mundo, alguns sabidos desentendimentos rolaram, como ocorre com toda família.
Tentamos resolver pelos caminhos A, B, C e todo o alfabeto, mas o mundo sabe o que faz e acabamos deixando a banda esfriar pelo bem da nossa saúde. Mas obviamente não teria como deixar de tocar, é nossa medicina, é nossa essência. Assim seguimos com nossos respectivos projetos. João formou a Shaun, que conta com a participação do Dudu nos últimos lançamentos; Yan criou a Hibizco, juntamente do Boll, que também faz parte da Cardamomo.
“O tempo passou e cá estamos. Novamente tínhamos algo em comum que nos unia, a vontade de lançar o Outro Plano. Nos juntamos novamente àquelas que confiamos para nos ajudar a fazer acontecer, e evitar novos estresses, Carina Goettems e Marta Karrer, que juntas formam a ALMU, agenciamento criativo, e a Júlia Accorsi, que é a responsável por essa bela capa e nosso atual logo. E depois de tudo o que vivemos, Outro Plano está no mundo, marcando tudo o que foi a Bordines, tudo que nós fomos enquanto membros da Bordines, e esperamos que vocês gostem o tanto quanto a gente (esse disco é pra vocês).”
Confira a auto-entrevista dos Bordines no melhor esquema: De Frente com os Bordines. O resultado deixa claro como as boas memórias são mais fortes do que tudo e que a amizade vai continuar. Quem sabe um dia eles se reúnam para a alegria de tantos amigos feitos ao longo da sua jornada.
“Sonoramente, sem dúvida as partes finais de “Outro Plano” e “Me Faz Perceber”, onde a percussão rola solta, festerê, bagunça. Pra mim ali é o momento que mais me alegra, as outras partes são demais também, mas daí muitas vezes carregadas por outros vários sentimentos. Essa parte instrumental rola se soltar pra curtir. E sem ser musicalmente falando, o momento preferido foi a pré produção, que continuarei falando na próxima pergunta (risos).”
“Meu momento preferido do disco são as vocalizações de “A Vida Corre Comigo”, o sax de “Só Nos Resta Lembrar” e o piano de “Ajuda”. São momentos que me impactam muito quando ouço o disco, mas todas as músicas tem pelo menos um momento que me pega muito forte. Com relação a produção do disco, meus momentos preferidos foram na pré-produção, tanto a parte de imersão nas canções quanto as voltas pra casa de madrugada, podres de cansados mas com o sonho mais vivo do que nunca, chega em casa e não conseguia dormir de tanta adrenalina.
“Eu acho que o disco todo, por si só, já é um momento. E isso é o que me agrada. existe uma consistência, um fio condutor que permeia a audição…que dá um início, um meio e um fim pra um disco. E acho que, coincidentemente, isso tá totalmente ligado a nossa história. É tipo um momento permanente….
Mas, como tem que escolher um momento mesmo, fico com a ‘’parte B’’ de Ajuda… o pianinho, a batera com reverb na caixa… tudo muito fina, frágil e delicadamente calculado, acho que rola um clima muito Beatles nessa parte (que pretensão falar isso!) – o Dudu é muito bom.”
“Acho que o disco brilha ainda mais nos momentos mais dançantes das músicas, como em “Dança”, “Me Faz Perceber” e o final de “Outro Plano”. Foi um estilo que a gente sempre buscou mas nem sempre rolava. Com a ajuda do Sá e as horas de produção conseguimos fazer com que isso saísse de forma natural. Foi bem agradável perceber o resultado.”
“Pra mim, uma “história” que não vou esquecer foi a pré produção do disco. Eu tava estagiando, João também tava trabalhando eu acho. Os guris tinham seus respectivos compromissos. e por sei lá, dez dias, eu saia do estágio pelas 18h e íamos de carro até o extremo zona sul, às vezes uma hora de carro, pra chegar no estúdio VilleNeuve, do Leandro Sá.
A gente discutia cada segundo da música pra chegarmos no que nos era mais interessante, e ia até cansar. Chegava em casa, dormia umas 4h e ia pro trabalho de novo. E assim foram diversos dias seguidos. Foi uma experiência doida. E a gravação foi na mesma pegada, mas em um período menos de tempo, passando quase 24h nos estúdio. Enquanto um gravava seu overdub, o outro dormia, e alguém jantava alguma bolacha dormida (risos).
“Uma das minhas histórias preferidas foi quando co-organizamos um show e festa com os amigos da Alpargatos e do Akeem Music na saudosa Casa Frasca. O tema era HUMANZ porque o álbum do Gorillaz tinha acabado de ser lançado. A casa lotou, tinha muita gente do lado de fora, fila a noite toda. Um dos shows mais energizados que fizemos, a galera cantando tudo que sabia, dançando em todas as músicas e curtindo muito com a gente. Inesquecível.”
“Acho que um momento especial foi a ida para o Morrostock, quando tocamos lá, em 2017. Fomos todos juntos, de van… só falando bobagem o tempo inteiro.”
Qualquer trecho retirado das nossas jornadas já gera uma linda história, principalmente no anos de 2016 e 2017. Tocamos em lugares e festivais que a gente sempre sonhou, cercados de pessoas especiais que sempre admiramos e que nos deram a maior força.
Mas, creio que as histórias da produção e gravação do disco foram momentos mais mágicos. Foi um sonho mesmo, com todas as peculiaridades que imaginávamos ser a experiência de gravar um álbum, como o estresse e as noites sem sono. Mas, nada importava, era o sonho sendo vivido mesmo, com muito amor e esforço de todos.”
“Bah, Complexo. A Bordines significa muito do que foi nossa juventude. Todo período pós-colégio, até pouco tempo atrás, é um grupo de amigos, que tocavam com outras bandas amigas, pra um público que ou era formado por amigos ou que se tornavam nossos amigos. É parte do que foi uma “cena” em POA entre 2014 e 2018, que eu me orgulho muito de ter participado.
“A Bordines significa a realização de um sonho compartilhado entre quatro amigos que sempre souberam que não eram músicos extraordinários, mas sempre foram completamente apaixonados por músicas e pelos nossos heróis.
Eu queria sentir aquilo que via nos vídeos do Oasis tocando em locais pequenos e lotados em 1994, antes da banda virar o fenômeno que foi. Vivi esse sonho e ainda vivi outros, como a gravação de um disco e ser reconhecido pelos meus heróis aqui do Brasil. Vivi vários do momentos mais felizes da minha vida com meus amigos da Bordines.”
“Significa uma parte importante da minha vida. Foi o meio que eu encontrei pra poder falar sobre sentimentos e contar algumas bobagens que penso. Acho que a Bordines conseguiu criar um conceito um pouco diferente do que as demais bandas da nossa época cria(ra)m. (Não que sejamos únicos ou ímpares a ponto de ficarmos famosos hahahahahah – muito pelo contrário.
Infelizmente, nosso reconhecimento é especificamente local e direcionado a um ‘’seleto grupo de pessoas’’.) Mas acho que conseguimos descolar a ideia que as pessoas tinham em relação ao rock… o jeito de vestir, o jeito de tocar… acredito que muita gente não tenha entendido o que é a Bordines.
Acho que, por trás de tudo, existe um conceito artístico e uma boa quantidade de um ‘’lirismo energético’’, de quem é muito jovem, mas que carrega uma boa porção de referências – e até mesmo um pouco de poesia…. isso, de certa maneira, deixou a Bordines sem uma direção, pois, afinal de contas, não éramos os ‘’roqueiros’’ que só usavam roupa preta e spike, mas também não éramos os bons menininhos seguindo ‘’o passo certo’’.
No fim das contas, eram só quatro magrão a fim de acreditar que dava pra mudar o mundo falando de coisas que achamos que as pessoas também sentem – e olha que acho que essa identificação (das pessoas ‘’se reconhecerem’’ na gente) acabou rolando – ainda que, infelizmente, numa escala muito pequena.”
“Significa a realização de um sonho. Foi uma alegria enorme encontrar pessoas tão legais e com os mesmos sentimentos e objetivos, o que tornou o sonho em coletivo. Foi um momento muito feliz da minha vida, que sempre vou olhar com muito carinho. Tenho muito orgulho do nosso progresso e do que conquistamos. Acho que o disco fica como nosso legado, com seus momentos peculiares, que se conversam e representam nossas emoções.Tudo isso gerou um sentimento único e maravilhoso que representa a alegria que foi viver a Bordines.”
“A Bordines agradece àquelas pessoas que acreditam na nossa música, nos incentivam e se divertem nos nossos shows. Vocês dão sentido ao trabalho que realizamos. Aos nossos amigos, que tornam nossas noites e dias mais divertidos, com quem vivemos situações que inspiraram alguns trechos deste disco.
Também agradecemos aos nossos pais e mães, por tornarem possível a experiência da música em nossas vidas. Agradecemos pela situação constrangedora de conservadorismo e medo no país por nos obrigar a fazer um disco de rock com urgências políticas e de mudanças de atitude.
À Júlia Accorsi, responsável por toda arte e conceito gráfico deste disco, nosso mais sincero obrigado. Por fim, agradecemos em especial à Marta Karrer, Carina Goettems e Leandro Sá, por terem acreditado na nossa arte e permitirem que os quatro integrantes da banda se percebessem como músicos.
Registramos nossa gratidão, também, para as famílias Carvalho Carneiro, Cavalheiro Boll, Maia Woehlert, Bruschi Comerlato e a Lucas Juswiak, Leonardo Braga, Bruno dos Anjos, Guilherme Schwertner e Estúdio Legato, Gilberto Ribeiro Jr. e Estúdio MuBemol, João Augusto “Jojô”, Lee Martinez, Tiago Abrahão, Autoramas, família Camara e Sá e Estúdio Villeneuve, Amanda Magnone, Nina Rouge, Ronaldo Pereira, Vivi Peçaibes e Júlia Machado.”
This post was published on 28 de abril de 2020 11:49 am
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