Selvagem! O bregawave do novo disco da Luísa e os Alquimistas vai te pegar
Seja bem vindo ao caldeirão selvagem, experimental e energético da Luísa e os Alquimistas. Com potência, misturas, collabs, recorte e malemolência, o bregawave chegou para te pegar pela cintura e te levar direto para a pista de dança.
Uma enxurrada de sentimentos, mudanças, clímax, beats, experimentações e ritmos dão a tônica do terceiro álbum do grupo que hoje se divide entre Natal e São Paulo. O brega, o reggaeton, o francês, o dub, a paixão e até mesmo o horóscopo acabam ganhando o céu estrelado do registro.
A transição de vida marca o trabalho. Luísa veio para São Paulo e mesmo antes de ter seu disco aprovado em 2018, no Natura Musical, já deu início aos trabalho. Se dividindo entre o bairro da Lapa e a capital Potiguar.
#Todas Juntas
Para o disco Luísa Nascim (e os Alquimistas) reuniu um time de minas de responsa para colaborar. Entre elas a MC e repentista, Jessica Caitano (PE), Catarina Dee Jah (PE), Doralyce (PE), Sinta A Liga Crew (PB) e Jamila (PB), Luê (PA) e Izy Mistura (TOGO), na qual já gravou e compôs com Luísa no ano passado durante o projeto Pulso da Red Bull Music.
“Essa presença feminina das convidadas veio do desejo de enfatizar a narrativa da mulher nesses batidões eletrônicos, que ainda são predominantemente ocupados por temas que partem do lugar de fala, não só masculino, mas também machista e objetificador.
As letras do álbum não são monotemáticas e tocam em várias questões, onde até mesmo as músicas de amor tem uma poética que passa mensagens de empoderamento e foge do romantismo sofrência convencional. Memórias da infância perto da praia, paisagens sonoras nostálgicas, o cotidiano opressor da cidade grande, músicas pra fazer o passinho dxs malocas, feminismo, saudade, partida, solidão, amizade, sororidade, redes sociais… tudo isso pode ser encontrado nesse álbum”, reflete a artista.
Identidade Visual
Além da direção artística do projeto, Luísa também assina a identidade visual e traz o artista paraibano Thiago Trapo que também já trabalhou em seu lado na capa do disco anterior (Vekanandra). Ela conta que eles quiseram ressignificar elementos visuais kitsch para esta colagem que deu origem a capa.
“Quando surgiu o nome ‘Jaguatirica Print’, a foto de uma bunda com um short de animal print veio na na minha cabeça na mesma hora. Comecei a pesquisar várias referências e vi capas de coletâneas de música caribeña, disco e boogie, que faziam o uso desse recorte do corpo feminino, mas de uma maneira sexista, machista e objetificadora”, aponta Luísa.
“Além dele, também contamos com a equipe da Mole Enterprise na produção da capa e de alguns vídeos, que junto comigo e com o Trapo assina todo o conceito estético visual do álbum.”, conta Luísa
A Bunda
Gal Costa acabou inspirando Luísa no processo. A capa do disco Índia, na época que foi lançada teve todo um tabu e julgamento da sociedade, acabou encorajando a artista que decidiu fotografar sua própria bunda.
“A capa do disco traz Gal vestindo apenas uma tanga vermelha, colares de contas e uma espécie de saia de palha. Na contracapa, a cantora aparece mostrando os seios.
Na época, a foto causou tanta polêmica que foi proibida pelo órgão censor da Ditadura Militar brasileira. Por conta disso, a gravadora escolheu envolver as cópias do disco em um saco plástico azul para serem comercializadas.” (Trecho extraído de matéria do site Reverb Brasil)
“Por que não? Pensei… Nós mulheres nos privamos de muitas coisas por medo do que os outros vão pensar ou dizer, por medo de sermos assediadas, estupradas, violadas. O short que uso na capa do álbum é lindo, mas eu não ousaria usá-lo nas ruas de São Paulo sozinha, entende? É muito triste essa constatação.
Concebi essa capa na vontade de subverter essa lógica opressora em que nós mulheres vivemos. Através do meu trabalho artístico senti que era possível atravessar essa fronteira em relação ao meu próprio corpo”. A tipografia, referências de fontes e logomarcas foram construídas a partir da pesquisa no universo do vapor wave na estética tropical nordestina.”
As Gravações
Atualmente com a entrada de três novos integrantes a banda se divide em duas cidades. Sendo assim Luísa e os Alquimistas hoje é composto por Luísa Nascim, Gabriel Souto, Pedras, Zé Caxangá, Pedro Regada, Carlos Tupy e Tal Pessoa.
Jaguatirica Print foi produzido e mixado por Gabriel Souto e Pedras, e masterizado por Luiz Café. Além das convidadas já citadas no começo do texto, participam do registro Léo Fazio (em “Descoladinha”) e Rafael Melo (em “Furtacor”). São 11 faixas e o lançamento está sendo lançado via Natura Musical e Rizomarte Records.
O álbum foi gravado nos estúdios Red Bull Station, Cigarra e Suame, e teve como técnicos Alejandra Luciani, Funai Costa e Éric Yoshino.
“Os produtores do álbum vieram pra cá e junto com a formação daqui as gravações rolaram de maneira bem natural. Foi fundamental para o processo ter a oportunidade de estar junto, diariamente, trabalhando nos arranjos e unindo todas essas experiências.
Finalizando esse período, passamos cinco dias no estúdio da Red Bull Station gravando as minhas vozes e também da Doralyce e da Luê. Foi ótimo porque junto a isso veio todo o suporte técnico da equipe de lá – Funai, Alejandra e Eric. E todas as outras participações foram gravadas durante esse período a distância; o material ia chegando e se encaixando ao todo”, lembra Luísa.
As Gamas & Contornos
Ritmos como dub, dancehall, reggaeton, rap, zouk, r&b, se somam a intensidade do batidão eletrônico nordestino e a pulsação dos sentimentos e temáticas variadas. Ao longo do disco retrô e o contemporâneo se misturam em uma salada de fruta ora picante, ora reverberante, ora refrescante. Pimenta para todos os gostos!
A maioria dos beats foram produzidos por Luísa, Pedras e Gabriel.
“No final de 2018, fizemos uma primeira imersão de gravação, onde a formação de Natal passou uma semana numa residência artística na Praia de Cotovelo (RN). Desse processo já resultaram novas músicas que foram trabalhadas posteriormente”, conta Luísa.
O Bote da Jaguatirica
Quem abre o álbum é “Descoladinha” que já chega para colocar fogo no caldeirão. O brega, funk e dancehall ganham a pista e abrem alas. Cheio de fulerage, espírito festeiro e sorriso no rosto. Luísa até define com bom humor a parceria com a repentista.
“São aquelas que se vestem de um jeito diferente, com personalidade e criatividade. Frequentadoras de ‘rolés alternativos’ , eu e Jéssica somos descoladinhas desde pequenas”, brinca Luísa.
O mundo se encontra na envolvente “Tous Les Jours” que conta com a participação de Izy Mistura, do Togo. Além do francês a música tem trechos em espanhol e português. Sensual, forte e para se deixar levar pela energia.
Ah a saudade! Sentimento tão universal mas que só em português ganhou o dicionário. Auto-confessional, a love song “Caderninho”, tem potencial para tocar nas principais frequências das rádios pop. Provocadora, caliente e chamando para jogo.
A música une! A parceria entre Luísa e Doralyce surgiu em um RecBeat e desde então é uma constante na carreira das artistas. A batida do technobrega reverbera e te convoca para a pixtinha com o adendo delicioso das guitarradas sutis da surf music. Pop!
Mas o Hit Perdido do álbum é justamente “Jaguatirica Print”. Que feliz potência este cypher! Uma collab com a assinatura de Luísa, Camila Rocha, Kalyne Lima e Preta Langy, o trio da Sinta A Liga Crew, e também Jessica Caitano e Jamila.
Uma mistura maluca e que cativa o ouvinte com certa facilidade unindo brega funk, reggaeton e a música eletrônica, sem preconceitos.
“Fala de amor entre mulheres, resistência feminista, respeito pelos nossos corpos, tudo de maneira direta, lírica afiada e uma variedade de flows muito rica”, conta Luísa.
Funk e Mapa Astral
Dub, Pop e Funk tudo junto e misturado, porque não? É essa a verve de “Olho de Tocha”. Feita para se levar pelo passinho, Luísa e os Alquimistas nesta faixa explora texturas sem ser medo de ser feliz. Destaque para os beats e os metais.
“Garota Ligeira” conta com a participação de Luê e te leva direto para as dunas. Se desconectando das ondas digitais e entrando no modo offline das coisas boas da vida.
Voltando para um tempo onde a paz vinha acompanhada da natureza e da celebração das amizades. Lembrando até a música jamaicana do fim dos anos 90 que ganhou as rádios e as telinhas, de como diria Caetano, Emê-Tê-Vê!
“Furtacor” foi lançado como single, e até lyric video, ganhou. Nele Luísa foi buscar a sofrência e o arrocha para captar o calor da rua.
É interessante ver esta conexão com o público de massa que diversas vezes o registro faz. A falta de medo de soar pop. Muitas vezes penso que os grupos deveriam fazer mais este tipo de conexão. Claro, sem soar forçado, de maneira natural e se deixando levar pelos beats do coração.
“Aborda um romantismo sem clichês, livre, leve e solto. Traduz a liberdade de viver o amor nas suas diversas formas”, reflete Luísa
Algoritmos & Selfies
A luta por espaço, reconhecimento e transição. São marcas de “Sol em Câncer”, faixa que conta com a participação de Catarina Dee Jah, e mistura xote, dub e música eletrônica experimental. De forma astuta já que fala da correria – e inseguranças de SP – que mistura um pouquinho de cada canto do Brasil, entre um semáforo e outro “job”.
Temática que também ganha a cena em “Algoritmos” num dub reverberante, pulsante e com sotaque carregado. O sobreviver ganha a luz do sol e a correria se torna seu sobrenome em meio as dificuldades. Entre plataformas e cruzamentos, as dores se tornam cicatrizes da resistência.
Mas quem fecha mesmo o álbum é justamente “Like Attack” que critica a ditadura da aparência que as redes sociais provocam. Entre likes do instagram e a loucura do engajamento a todo custo. Mostrando a insegurança traduzida em meio a números e seus algoritmos.
Você já tirou sua selfie hoje? Postou ontem sobre o #ThrowbackThurday? Pare pense e fuja disso tudo. Mas é com bom humor, um rap no melhor estilo Fernanda Abreu, e beats experimentais, que Luísa tira onda com a situação.
Entrevista: Luísa e Os Alquimistas
Conversamos com a Luísa para falar mais sobre as mudanças d’Os Alquimistas, misturas, momento do projeto, edital, parcerias; e claro as expectativas que acercam o lançamento. Confira as respostas em tópicos!
A Mudança
Jaguatirica Print foi concebida em um momento em que várias mudanças importantes estavam acontecendo na minha vida. Decidi sair de Natal pra morar em SP, repetindo um movimento já feito por muitxs outrxs nordestinxs antes de mim.
O Natura Musical
Esse disco foi aprovado em um edital, feito dentro de um planejamento amplo, com uma estrutura profissa, uma equipe grande e todo um friozinho na barriga de quem quer aproveitar a oportunidade da melhor forma possível.
A possibilidade de ter um material foda, gravar nossos primeiros videoclipes, ter uma estética forte… tudo isso nos instigou muito e a responsabilidade aumentou.
A Coletividade
Juntei um bonde pesadão, joguei os versos na mesa, expus os sentimentos e me dediquei exclusivamente a essa obra na vontade de me superar como artista, de fomentar o trabalho coletivo com alquimistas e conceber algo que fosse importante pras nossas trajetórias. Jaguatirica Print é um presente, crescemos muito nesse processo.
Temáticas & Expectativas
Apesar de partir de vivências próprias pra escrever e pensar o conceito do disco, tive muito cuidado pra deixar o recorte das temáticas o mais amplo e diverso possível.
É um disco dançante, tropical, debochado, sensual, que toca em questões como feminismo, redes sociais, as opressões vividas nos grandes centros urbanos, e aborda também um romantismo mais desapegado…enfim, tem muita coisa misturada ai, umas de forma intencional, outras não.
Quando o material completo for lançado e passar pelos ouvidos e corações das pessoas, outras percepções importantes desse trabalho vão surgir. Ansiosa por isso.