[Premiere] Bernardo Bauer se desconecta do sufoco da cidade grande no single “Calçada”
Podemos considerar Bernardo Bauer um multiartista pois além do Moons, e Pequeno Céu, o músico ainda conta com uma carreira solo de destaque. Em 2017, o mineiro lançou seu trabalho de estreia, Pelomenosum, e teve uma ótima repercussão por parte da crítica especializada. O trabalho segundo o artista foi solitário e imersivo.
Neste ano ele lançará seu segundo álbum e desta vez optou por realizar toda sua concepção de maneira colaborativa. Ao todo Pássaro-Cão reúne mais de 10 artistas que Bernardo foi conhecendo ao longo da estrada, alguns deles destaques da nova cena musical mineira. Desta forma enaltecendo o que de melhor tem surgido na região.
O mistério e a vida simples do campo trilham os caminhos do novo álbum que carrega referências e atmosfera do folk. A inspiração para o primeiro single – e disco – vem do interior de Minas, especificamente da região da Serra do Cipó e a história vale a pena conferir.
Calçada é um lugarejo situado na região e se localiza entre Lapinha da Serra e Tabuleiro. Seu principal acesso é restrito e só é possível através de uma caminhada de 15km partindo de Lapinha da Serra. É necessário levar tudo o que for comer e utilizar na mochila durante mais de quatro horas de caminhada. Definitivamente um exercício de conexão com a natureza.
“Eu tive meu primeiro contato com o lugar quando fui acompanhar a Lau, minha companheira, a levar as cinzas do avô dela para serem jogadas na nascente do Rio de Pedras, que nasce ali no pé da casinha.
Seu Cardoso construiu aquela casa nos anos oitenta, e não pude deixar de imaginar como foi difícil levantar uma casa ali num tempo onde o acesso até lá era ainda mais difícil. E também me intrigava com as razões que o levaram a fazê-la. Só pude concluir que ele percebia o quanto a cidade o sufocava e o quanto essa corrida pelo sucesso no mundo civilizado fazia mal pra cabeça dele, e que viu ali uma chance de se isolar de tudo e reconectar à terra, à simplicidade…”, relembra Bauer
O álbum terá a produção e mixagem realizadas por Leonardo Marques, produtor mineiro que assina de bandas como Maglore, Moons, Iconili, dentre outros. Já a identidade visual, assim como no primeiro lançamento, foi novamente elaborada por Laura Moretzsohn.
Dentro do campo de referências o músico natural de Belo Horizonte cita artistas como Almir Sater, Gilberto Gil, Belchior, Bon Iver, Fleet Floxes, tUnE yArDs e Radiohead. Estabelecendo em suas composições um elo entre o folk, a MPB e o alternativo.
O registro sairá ainda no primeiro semestre através do Selo Under Discos que também trabalha com os artistas Luan Nobat, Felipe de Oliveira, Leo Moraes, Congadar, A Outra Banda da Lua e Mariana Cavanellas.
Bernardo Bauer “Calçada” (28/03/2019)
Na faixa “Calçada” que está sendo lançada hoje em Premiere no Hits Perdidos o músico contou com a participação na percussão e efeitos de Paulo Santos, do grupo Uakiti, Rodrigo Garcia no violoncelo, Felipe D’Angelo no piano, Augusto Brant (Guto) na bateria. Já Bauer assume os vocais, o baixo e o violão. Como podem observar o resultado final parte de um processo bastante colaborativo.
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Desde seus primeiros segundos o single te conecta com a natureza e a espiritualidade através de seus acordes no violão que se chocam com a densidade do violoncelo.
A libertação, e desprendimento da vida agitada do cotidiano de uma grande metrópole, acabam transparecendo em seu espírito libertino.
Elementos que simulam o riacho e a voz de Bernardo emanando o som dos animais, acabam servindo como ambiência para a transcendência e conexão com as divindades da natureza. O escapismo para o campo acaba servindo como reconforto para os dramas e conflitos do dia-a-dia.
A balada acaba por sua vez passando um sentimento tranquilidade e refúgio. Suas camadas e produção merecem ser observadas com atenção, é dos detalhes e imersão que a canção capta o ouvinte e faz com que fique difícil ouvir apenas uma vez.
Entrevista
Para entender mais sobre este momento vivido por Bernardo Bauer conversamos com o músico mineiro sobre este novo momento em sua carreira.
[Hits Perdidos] Queria que contasse um pouco sobre a mística de “Calçada”, da Serra do Cipó, e todo esse ar espiritual que a canção abraça. Ainda no campo da temática, qual o universo que o disco terá?
Bernardo Bauer: “A Calçada é esse lugar no meio do nada, uma casinha simples isolada na serra, é difícil chegar lá, a caminhada é longa. Do lado da casinha tem um riacho, lá dentro tem um fogão de lenha com serpentina pra aquecer a água do banho.
A gente não precisa de muito mais que isso pra viver bem – e a prova disso é que quando a gente chega lá nunca mais quer ir embora. Eu atribuo esse lado aparentemente místico da música a esse conforto que eu encontro na ancestralidade que a inspirou. É uma ode à simplicidade, ao que existe aqui na Terra há muito mais tempo que nossas cidades e computadores, era só com isso que a humanidade prosperou a maior parte do tempo da nossa existência como espécie.
O homem que construiu a casinha é o seu Cardoso, avô da minha companheira, e isso aconteceu lá nos anos oitenta, outra coisa que me intriga muito é como que naquele tempo ele já buscou esse refúgio – tão necessário pra mim, nos dias de hoje. Pra mim ele foi uma espécie de visionário dessa loucura que se anuncia há tanto tempo. Então eu acho que a frase que fecha a música “celebro hoje o bicho que sou” sintetiza bem a idéia do lugar. Lá as nossas percepções se aguçam, a gente percebe a chuva chegando muito antes da primeira gota. A gente ouve a orquestra dos bichos no início da noite e observa o céu com prazer. Qualquer explicação com palavras que eu tentar dar soará raso, o sentimento da Calçada mora em todos os seres humanos, eu tenho certeza, mas só estando lá mesmo pra saber do que eu estou falando – e tentei trazer tudo isso pra essa música.
Quanto ao universo temático do disco, eu percebo que é essa dualidade entre roça e cidade – que eu já trabalhava no pelomenosum (2017), mas dessa vez acho que as contradições estão mais à flor da pele. Eu vivo num lugar que é muito perto da cidade mas ao mesmo tempo é muito perto da natureza – tem uma cachoeira há 20 minutos da minha casa.
Eu sempre frequentei o mato e vi nesse contato a minha paz, eu costumo dizer que o mato é o meu psicólogo, o meu refúgio de tudo o que me incomoda no dia a dia urbano. Apesar desse contato com o mato, minha vida social acontece em Belo Horizonte. Eu estudei lá, trabalho lá, meus amigos são de lá e eu amo essa cidade e as pessoas que vivem lá, mas eu ando ficando louco com essa vida digital, com o trânsito caótico. É muito medo o tempo inteiro, o homem é o bicho mais perigoso do planeta. Eu sinto que o disco trata desse contato com o melhor de mim – a coragem e plenitude que sinto ao estar no mato – em contraponto com o medo de ter que seguir essa saga que é buscar o sucesso entre os humanos.”
[Hits Perdidos] É o primeiro single de Pássaro-Cão e tem produção de Leonardo Marques. Como foi este período de imersão tanto no momento de compor como o processo de gravação?
Bernardo Bauer: “A Ilha do Corvo – estúdio onde o Leo trabalha – é um lugar fantástico. O Leo é um produtor fora de série, que deixa as ideias fluírem sem ficar te dirigindo muito, os toques dele são sutis mas fazem toda a diferença. E eu, como admirador do trabalho dele que sou, sempre entrava lá aberto às opiniões dele.
A maioria das músicas eu levei pra lá só uma guia de violão e voz, com alguma ideia de instrumentação na cabeça mas totalmente aberto. E a gente ia gravando e conversando, “essa aqui podia ter um violoncelo, vai ficar bonito”, “acho que nessa cabe uma onda mais eletrônica”, e à medida que as ideias iam surgindo a gente ia convidando os músicos.
E quando eles chegavam lá a gente dava um direcionamento mas deixava eles com carta branca pra imprimir as ideias que tinham. Foi um processo muito leve e sem nenhum stress. O Leo é um cara da paz, um agregador, conciliador, as coisas sempre tendem a dar certo perto dele.”
[Hits Perdidos] Como foi o trabalho do arranjo da canção e como pensou no encaixe dos instrumentos e ambientação (sons de animais)?
Bernardo Bauer: “O arranjo da canção aconteceu sempre seguindo o violão e a voz. Antes de qualquer coisa eu gravei a base e a voz da música, que já tinha uma estrutura, com pontos de dinâmica muito bem definidos. A gente foi só pincelando essas intenções com o arranjo. Gravamos a bateria e o baixo e já estava soando legal. Depois disso convidamos o Rodrigo Garcia para gravar o cello, e ele compôs todo o arranjo na hora, buscando esse ar meio glorioso e classudo que a música inspira.
O Felipe D’Angelo ainda gravou os pianos, minimalistas, sutis, colorindo os espaços vazios que ainda haviam. A cereja do bolo foi quando o Paulinho (Paulo Santos) foi lá. Já estava tudo pronto, mas eu e o Leo queríamos alguma textura que diferenciasse a música do formato tradicional “acústico MTV” (que diga-se de passagem, eu amo).
Então ele levou umas sementes maravilhosas que ele tem pro estúdio que fazem um som de água – aquilo ali era Calçada pura e simples, foi emocionante ver o cara em ação, a sensibilidade de ouvir a música (sem saber nada da história dela) e conseguir trazer o lugar que a inspirou lá pra dentro.
Já aqueles sons de bicho, é uma brincadeira que eu já tenho feito nos shows, sempre convoco as pessoas pra celebrarem o bicho que são uivando, cacarejando ou emitindo qualquer som que eles sentirem. Na gravação eu mesmo fiz a maior parte dos uivos e gritos, mas também gravei a minha cachorrinha, Natasha, uivando. Ela faz isso desde pequena, sempre que eu canto ela começa a emitir uns sons também, é meio louco, ela responde na hora – quem conhece sabe como é. Então eu aticei ela um dia e deixei o gravador rolando – depois levei pro Leo e ele encaixou lá.”
[Hits Perdidos] O sucessor de pelomenosum contará com uma série de músicos mineiros que vem se destacando dentro do cenário independente. Como surgiram os convites? Chegaram a compor juntos? E o que mais admira no trabalho de cada um?
Bernardo Bauer: “Nossa, são muitos os músicos que participaram do disco, e eu sou fã e parceiro de todos eles. Fica até difícil citar um por um porque além dos que cantaram, a maioria dos instrumentistas são compositores que eu admiro muito.
Os dois bateristas que gravaram são incríveis, um é o Guto (Augusto Brant), que tem um trabalho solo, de canções, maravilhoso, do qual eu sou baixista também. O outro é o Pedro Hamdan – que toca comigo no Moons.
Os pianos, teclados e sintetizadores foi o Felipe D’Angelo quem gravou, ele também é meu parceiro no Moons e é um super cantor também. Tem o Paulo Santos na percussão, que é um verdadeiro dinossauro da música mineira, o convite pra ele aconteceu através do Leo, ele estava gravando com o Iconili na mesma época, o Leo mostrou as músicas pra ele e ele topou.
O Rodrigo Garcia, que gravou os violoncelos, é um maestro conhecido na cidade pelo seu trabalho como guitarrista do Cartoon e à frente do Rock’n’strings, mas eu também o conheci através do Moons, ele gravou com a gente e participou de alguns shows. Ainda tem o Henrique Cunha que é meu parceiro musical mais antigo, ele gravou algumas guitarras no disco. Eu tô cercado de gente talentosa e sou muito grato por isso.
Aí fui buscando os vocalistas porque eu queria que esse disco fosse o oposto do que foi o pelomenosum – o disco anterior eu gravei de forma totalmente solitária, era só eu, meu violão e o computador. Esse eu queria que fosse totalmente coletivo, com muita gente participando.
O primeiro a gravar arranjos de voz foi o Lucca Noacco (Invisível), é um cara que eu conheço desde que ele era muito novinho e eu sempre sonhei em cantar com ele – ele fez os arranjos de vozes pra duas das músicas do disco. Uma delas eu mandei pra ele por email a guia de violão e ele gravou na casa dele todo o arranjo numa madrugada e me mandou de volta pronto (eu nem me dei o trabalho de regravar no estúdio porque já estava lindo e pronto – esse menino tem uma voz absurda).
Depois vieram o Nobat e a Mariana Cavanellas: a gente fez um show juntos no ano passado, quando nos tornamos grandes amigos, e no processo de construção desse show eu levei uma música que era muito recente pra eles cantarem comigo, fizemos boa parte do arranjo juntos e quando eu decidi gravar a música já sabia que tinha que ser com eles.
O Luan é um grande artista, articulador, produtor, é um cara de muitas qualidades, eu admiro demais tudo o que ele põe a mão e a gente é super parceiro hoje em dia. A Mari é uma cantora sem igual, tem uma voz gigantesca, arrasa quarteirão e é super focada na missão, eu admiro ela demais. Uma coisa legal que rolou depois desse show é que ela adotou uma música minha pro repertório do show dela – a música é “Calçada”, esse single que eu estou lançando agora ela vai lançar a versão dela em muito breve também. Eu sempre me surpreendo com uns vídeos na internet dela cantando essa música e a galera se emocionando, e fico orgulhoso que só.
Depois disso chamei a Marina Sena, a gente se conheceu pela internet, ela curte pra caramba o pelomenosum e me falou algumas vezes disso, eu admiro demais o trabalho dela também, e sempre falava “vamos fazer algo juntos, canta comigo no meu disco” e ela dizia “lógico, bora”.
Então um dia encontramos numa residência que ela fez com o Rosa Neon perto da minha casa, e disse “eu fiz uma música que fala de saudades da Bahia e quero te chamar pra cantar”, ela tinha acabado de voltar de Cumuruxatiba e topou na hora. Eu já marquei o estúdio pro dia seguinte.
Marina é muito mais que uma intérprete foda, ela é artista mesmo, tem coração de artista, faz umas músicas bonitas, tem uma versatilidade única, hora ela faz hit pop que gruda na cabeça na primeira audição com o Rosa Neon, hora faz umas ondas mais groove/brasuca/rock’n’roll com A Outra Banda da Lua. Outro dia ainda tive o prazer de ouvir umas novidades dela, em violão e voz, umas músicas de emocionar numa onda que flerta com a MPB. Ela é foda.
A Sara Não Tem Nome foi a última a gravar – eu sou muito fã dela, fico admirado como tudo que ela faz, é uma mulher que não tem medo de arriscar, uma multi-artista corajosa e coerente, que gosta de botar o dedo na ferida pra ver o circo pegar fogo. Eu piro em como toda a estética das coisas que ela participa está sempre amarradinha, da imagem à música, audiovisual, tudo.
Ela tem uma banda (Tarda) com a Julia Baumfeld, que é minha amiga, e um dia desses a gente se topou na casa da Ju e compôs umas músicas juntos – nesse dia eu pensei “pô, eu tenho uma música que eu acho a cara da Sara”, é uma canção que fala de forma irônica dos medos que a gente sente na cidade. Chamei ela pra gravar e ela topou na hora, fiquei felizão e se tudo correr bem a gente ainda vai gravar outras coisas num futuro próximo.”
[Hits Perdidos] Como é conciliar a carreira solo ao Pequeno Céu e a agenda do Moons?
Bernardo Bauer: “Na verdade são muitas coisas pra conciliar. Se fossem só esses três estava tranquilo. Mas a gente ama demais o que faz, e vai morrer fazendo, pode ter certeza. Então eu acho que é tudo questão de prioridade – eu não sei viver sem música, se eu não tocar eu fico deprimido, me sinto calado, sufocado, então eu abro espaço na minha agenda pra isso. Tem vez que parece que não vai dar pra fazer tudo, e a gente acaba errando alguns prazos, mas como é isso que me move a seguir vivo, eu sempre vou dar um jeito de conseguir tocar.”
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[…] e trocas de afeto se destacam no horizonte. Todo esse sentimento permeia o clipe para “Calçada” do Bernardo […]