Um universo psicodélico e mil deixas para refletir sobre as experiências espirituais que temos ao longo da vida. De encontros na estrada, debates acalorados na rua a trocas de cinco minutos. Entre xamãs e mantras, o segundo álbum do capixaba André Prando, Voador, foi um dos grandes destaques do ano passado.
Lançado no dia 23/11 ele faz uma boa viagem que passa pelo magia da psicodelia brasileira dos anos 70, que tanto inspira bandas como Bike, Boogarins e My Magical Glowing Lens, e os portais de referências que Beatles, Pink Floyd, The 13th Floor Elevators e The Doors trataram de abrir para o mundo.
Conexão espiritual e pensamentos progressistas tratando de nos forçar a pensar de maneira crítica e contextualizada. Voador provoca, instiga e tem um ar de empoeirado. Muito disso porque André foi atrás das referências deste tempo e buscou criar parcerias significativas para que a experiência fosse ainda mais imersiva.
O sucessor de Estranho Sutil, 2015, tem produção musical assinada por Henrique Paoli e o lendário JR Tostoi. Além disso o álbum que nasceu com a ajuda dos fãs através de um bem sucedido processo de crowdfunding, conta com distribuição da Sony Music Brasil. Com 12 canções, 10 são de sua autoria, e duas de seu amigo Santiago Emanuel.
O disco ainda reúne nomes interessantes do independente brasileiro como do Gabriel Ventura (Ventre), a talentosíssima Duda Brack, o multi-instrumentista Mário Wamser, Luiz Gabriel Lopes (Graveola), Lucas Estrela e o cellista italiano Federico Puppi.
A maioria deles segundo André conhecidos durante suas andanças pelo país, entre turnês e festivais que teve a oportunidade de comparecer após o lançamento de seu primeiro full-length.
Conversamos com o capixaba para saber mais sobre o álbum, seu processo criativo, consumo de música, novos artistas do cenário e até mesmo o desafio de lançar um disco em uma major.
[Hits Perdidos] Queria que contasse como foi toda a imersão no universo que viria a se tornar o “Voador” e como encarou o desafio de lançar o material por uma major?
Aliás você ainda trabalhou com o renomado Tolstoi que produziu ao longo da carreira inúmeros álbuns renomados tanto mercadologicamente como no underground. Conte mais sobre este misto de emoções e bastidores.
André Prando: “Enquanto circulamos com o disco Estranho Sutil por esses 3 anos (esse álbum foi lançado em 2015 e mantivemos a agenda frenética, sem intervalos até o lançamento do Voador) a ideia do Voador foi sendo criada. Não tive tempo de parar tudo para criar esse universo, nada de passar 1 mês num sítio viajando nas ideias, etc… as contas não esperam essas coisas (risos).
Foi um processo natural e lento que, aos poucos, fui entendendo como amadurecimento, que é o que melhor define o disco pra mim. Um disco sobre amadurecimento, sobre cura, sobre olhar as coisas de uma perspectiva mais distante, observar, abduzir. Além de falar muito claramente sobre o tempo em que vivemos.
Quando me dei conta, tinha composto “Em chamas no chão”, que foi a primeira música do repertório Voador a ser inserida nos shows (a gente já toca ela desde 2016, quando apresentamos ela no Sofar Sounds) e que me deu a ideia pro conceito do disco e sonoridade mais experimental.
Nessa época toda, tive contato com muitxs artistas, produtorxs, festivais e fui observando a movimentação das bandas, cada vez mais, de se juntarem à selos para lançamentos, para agenciamento de turnês, etc.
Até antes do Voador eu sempre fiz tudo sozinho, venda de shows, produção, a porra toda (maluquice). Foi quando me dei conta de que essa seria uma meta para um próximo trabalho. Lançar com algum selo, buscar parcerias que permitissem um vôo mais ousado. Um disco cheio de participações de artistas que conheci e me envolvi na estra. Um disco com energia de muita gente. Merda, com que dinheiro eu vou gravar essa maluquice? Ah, sim. Assim, se tornou um disco gravado através de um financiamento coletivo! Mais energia envolvida impossível!
O lance com a Sony foi inesperado! Aconteceu a partir do convite do Marcelo Monteiro, jornalista que já tinha escrito sobre meu disco anterior em 2015, mantivemos um contato e ficamos sempre antenados um no outro.
Ele tem um selo chamado Novíssima Música Brasileira, que é uma parceria com a Sony. No começo de 2017 ele me convidou a lançar alguma coisa com ele e com o passar do tempo e na hora certa, cheguei com o Voador. Meu contrato com a Sony é apenas de distribuição digital, é bem simples, mas tá sendo uma experiência foda. Ainda é muito cedo pra dizer qualquer impressão, pois o lançamento ainda tá fresquinho, mas é uma puta força de impulsionamento e sinto que todo mundo que acompanha a gente vibrou muito com a notícia, por mais que ninguém entenda muito bem o que significa (risos).
Cara…Tostoi é um amor. Desde a primeira vez que conversamos por telefone ele me passou a impressão de ser muito respeitoso, humilde e cheio de lições simples e complexas pra passar, despretensiosamente. Coisa de mestre Yoda ou Senhor Miyagi mesmo.
Lembro que foi emocionante receber o feedback inicial dele de que os arranjos que Henrique Paoli e eu preparamos na pre-produção estavam impecáveis aos ouvidos dele. Quando começamos a nos encontrar em estúdio, rapidamente nos tornamos grandes amigos, todos nós. Misto de emoções define! Foi o produtor perfeito pra fazer o elo entre o experimental/psicodélico e o pop/canção de meu repertório.”
[Hits Perdidos] Você fala sobre “abrir alas para aprender a voar” logo na segunda faixa e acredito que é um bom aquecimento para que você subisse à bordo do tapete voador para criar a narrativa do disco.
Aliás gostaria que contasse sobre este fato que raramente vejo sendo falado em entrevista, como foi escolher a ordem das faixas, foi algo que foi acontecendo durante o momento das composições ou depois de pronto fecharam uma ordem que fizesse mais sentido? Como você vê álbuns conceituais, é algo que acredita já ter feito ou tem a intenção de fazer no futuro?
André Prando: “É como comentei antes, essa citação é de “Em chamas no chão”, a primeira música que eu identifiquei como o marco para um novo trabalho, ela trouxe a temática do vôo como liberdade/fuga/utopia e me ajudou a organizar as ideias pro que veio a seguir: novas composições, arranjos mais livres, acidez.
O fato dessa música ter uma forma meio maluca me inspirou a pensar o disco com essa estrutura complexa também, sem um gênero único, sem uma onda uniforme. Além dos arranjos, individualmente, fugirem do óbvio. Eu quis construir o disco todo com uma narrativa de diferentes nuances.
Os diferentes universos de cada música contribuem para climas diferentes de uma jornada que é a escuta do disco inteiro. É uma viagem memo. Uma viagem maneira não pode ser uniforme, ela tem que te dar êxtase, reflexão, transe, paz, caos. As músicas funcionam de forma independente, mas foram pensadas pra ouvir na ordem.
Eu amo álbuns. Cresci ouvindo muito Beatles e sempre me deu tesão ouvir Sgt Peppers, Abbey Road, Magical Mistery Tour, por inteiro. Ou The Empirean do John Frusciante. Ou Clube da Esquina. Ou Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10. A gente vive a era dos singles, acho massa, mas sou apegado ao conceito de álbuns ou à álbuns com conceito (risos). Esses que eu citei foram forte inspiração pro Voador. É algo que exercito em meus trabalhos, os anteriores também carregam essa paixão pela narrativa.”
[Hits Perdidos] Pude ver que foi atrás de nomes interessantes do independente brasileiro como do Gabriel Ventura (Ventre), a talentosíssima Duda Brack, o multi-instrumentista Mário Wamser, Luiz Gabriel Lopes (Graveola), Lucas Estrela e o cellista italiano Federico Puppi. Como foi a experiência de reunir e colaborar com eles? Compuseram juntou ou foram participações? Como vê o trabalho de cada um em seus projetos autorais?
André Prando: ” nossa que experi m como artista n banda eu me sinto muito livre pra experimentar e gravar qualquer coisa com diferentes pessoas ondas.>O disco expressa essa vontade e as participações ilustram bem isso. Cada feat. foi escolhido com muito carinho e a partir de uma química real entre eu e cada um delxs.São artistas incríveis que conheci enquanto circulava com o Estranho Sutil em diferentes estados do Brasil, tocando juntxs em festivais, em casas de shows, trombando nos rolês, trocando mensagens pelas redes, saindo juntxs em listas, etc. Felizmente posso dizer que são todxs amigxs queridxs.
Todos foram participações, as composições são inteiramente minhas (com exceção de “Eu vi num transe” e “Salve seu broder”, que são composições do amigo Santiago Emanuel). Mas tenho vontade de compor com cada um deles ainda! (risos).
Como xs vejo? Eu sou um puta fã de cada um! Sou suspeito. Duda Brack é visceral! Adoro a suavidade da voz dela e de repente GRRRRRAAAAAAAA, ninguém segura! Puta intérprete, além de seu álbum “É”, gravou o disco tributo à Secos e Molhados “Primavera nos dentes” que, se vc não conhece, deveria dar uma ouvida. Time da pesada!
Gabriel Ventura é um dos guitarristas mais brilhantes do país em minha humilde opinião. Ventre era uma das melhores bandas do país, uma pena terem entrado em hiato… mas a guitarra de Gabriel brilha em qualquer participação que ele faça, tem personalidade REAL! Isso em instrumento é fodasso.
Lucas Estrela fez eu me apaixonar pela música do Pará! Me apresentou a guitarrada futurista em seu discasso “Farol”. Tive a ideia de chamá-lo pra misturar seu swing guitarrístico em “Eu vi num transe” – que nos ajudou a fugir da obviedade do afrobeat da composição. Frases brilhantes! Timbres lindos!
Mário Wamser é aquele multinstrumentista que dá gosto de ver tocar de perto. Ele é meio gênio em todos os instrumentos, negócio de loko. Ver ele gravar foi impressionante hahaha Como um bom mineiro e amante da música mineira, formado na Escola Bituca, ele veio trazer o clima Clube da Esquina pra música que eu queria essa onda: Musa dos cetáceos. Missão cumprida com excelência!
Conheci o Puppi através do Mário, são muito amigos, trabalham juntos em estúdio. Puppi é meio gênio no cello também, sem exagero. Usa o instrumento de forma totalmente não convencional e isso você saca bem no seu disco “Marinheiro de terra firme”. Ele cria muitas camadas de cello que dão impressão de uma orquestra toda… envenenada por pedais! Coisa linda.
Luiz Gabriel Lopes é um irmãozão. Das pessoas mais iluminadas que eu conheço musicalmente e como pessoa também. Me inspira muito e me identifico muito com o corre de artista e do papel dele como compositor, cantautor, trovador. Me lembra a importância de figuras como Gil, Caetano, Sr Brasil, Xangai, Geraldo Azevedo, Elomar, etc.
Privilégio ter sua voz no Voador. Além do seu trabalho solo e do Graveola, que marcam seu trabalho como cantautor, está com o novo trabalho pop fodão, banda Rosa Neon! Só hit. Exercício de saber compor mesmo, ele e mais uma turma de mais 3 formam o grupo. Versatilidade, felizmente.”
[Hits Perdidos] Vejo também que no álbum tem Novos Baianos, tem psicodelia dos anos 70, mas você bebe do folk, baião, música asiática, cigana e também de bandas mais modernas que fazem de certa forma um tributo aquela explosão da psicodelia.
Tudo com muita qualidade e lembrando os vinis que encontramos em sebos, por muitas horas. Aliás, você gosta de pesquisar por raridades? Como é o processo por busca de timbres e melodias?
André Prando: “Amo a pesquisa sonora! Parte essencial do meu fazer artístico é ouvir muita música. A alusão aos LPs fazem total sentido pra mim, pois sou colecionador de vinil. Adoro garimpar em sebos, fico umas horas olhando LP por LP feliz da vida. Minha paixão maior é música brasileira 70. Tenho umas boas raridades em LP aqui.
Considero meu processo pouco sistemático, apenas me permito ouvir de tudo. Gosto de pesquisar a história de quem eu curto muito, geralmente isso me leva à outros relacionados que passo a gostar muito. Assim eu cheguei em Ave Sangria, a partir de Alceu Valença, por exemplo. Ou, cheguei em Sérgio Sampaio através de Raul Seixas.
Adoro fazer indicação do que me toca profundamente e adoro que me apliquem som também. Não sou muito fã de ouvir Spotify aleatoriamente não, apesar de rolar, não é meu tipo de escuta preferida.”
[Hits Perdidos] Não pude deixar de reparar que a ambiência e as sensações são algo muito importante dentro do universo do disco. Quais elementos, beats e instrumentos foi atrás para criar suas melodias? Aliás também tem músicas de outros compositores no álbum, certo? Conte mais sobre isso.
André Prando: ““Tenho ouvido muitos discos, conversado com pessoas, caminhado meu caminho, papo, som dentro da noite…” – além da referência em si, que é Belchior, esse verso diz muito pra mim. Me permito ouvir de tudo, velho, novo. Tudo é sol.
Mas minha forma de compor é muito crua, componho quase sempre a partir da voz e violão, nasce tudo de forma bem trovadora. Tenho facilidade pra compor melodias e gosto de compor letra e música já juntos. Pode parecer maluquice, mas gosto de viajar que tenho uma bagagem musical grande por conta do tanto de videogame que eu jogo desde muito criança, sempre assoviando as trilhas sonoras de horas e mais horas de RPGs como Final Fantasy, Zelda, Chrono Trigger, etc… como não tenho um histórico de muita música na família, costumo aceitar essa bagagem como responsável pela boa afinação e facilidade pra criar (risos).
Papo sério, Super Nintendo tem trilhas maravilhosas. É realmente difícil dizer de onde tiro minhas ideias para compor. Mas acho sempre importante citar algumas das fontes mais inspiradoras para minhas letras: Alejandro Jodorowsky, Carlos Castaneda, William Blake.
Voador tem 12 músicas, 10 são composições minhas e 2 são composições do querido amigo Santiago Emanuel, também capixaba. “Salve seu broder” e “Eu vi num transe” são dele, você encontra as versões dele no YouTube! Sempre amei ver os shows do San e a galera do Expurgação (um coletivo artístico). Suas músicas tem uma tendência mística que me chamam atenção e trazem temas que gosto, como ufologia, civilização suméria, meditação, elementos orientais, etc.”
[Hits Perdidos] Como você observa essa renovação que a música produzida no Espírito Santo tem passado nos últimos anos e o que recomendaria de novo que ainda acha que precisa de mais atenção?
André Prando: “Acho que de uns 4 anos pra cá o Espírito Santo tem apresentado produções fodassas com potencial de circulação no país todo, não a toa, somos uma geração que tem se jogado no rolê e tocado em festivais, dialogado com outros artistas e talz. Alguns artistas/bandas fodas daqui que já tem certa repercussão fora e merecem sua atenção: Silva, Fabriccio, Ana Muller, GAVI, Fepaschoal, My Magical Glowing Lens, Gabriela Brown, Solveris; galera nova né? Sem falar no patrimônio Laja Records (risos).”
[Hits Perdidos] Podemos ver “Moro no Interior do Mundo” de certa forma como um desabafo sobre o momento “pesado” que estamos passando politicamente ao longo dos últimos tempos?
Como você vê a necessidade em abrir a cabeça para novas experimentações e vivências… e como conhecer muitas pessoas e sair de casa para tocar te transformou internamente?
André Prando: “Pode ter certeza! Uma de minhas principais preocupações na composição são as letras e eu me importo muito se minha música vai estimular o pensamento crítico do ouvinte, se vai gerar uma reflexão, se vai emocionar, etc. Voador traz músicas que refletem nosso tempo, discute o passado e pensa o futuro. É sobre o momento sócio-político bizarro que estamos passando, ou nos faz pensar na vida de uma forma geral e seus paradoxos, utopias, distopias.
Eu acho importante o papel da arte como crítica, como exercício do pensar. Acho que a arte apenas como entretenimento tem seu lugar também, mas tenho medo do quanto as pessoas podem ficar preguiçosas de pensar.
Acho que o momento é de discutir coisas profundamente, entender o sentimento das pessoas, se envolver profundamente, destruir pra reconstruir. Permitir o novo como novas formas de liberdade, novas formas de expressão, novas teorias, desconstrução de conceitos velhos… o novo como reorganização antiga e conservadora não me diz novidade nenhuma.”
[Hits Perdidos] No disco também, assim como em bandas como Ave Sangria e Mutantes, vemos diversos Mantras e inspirações na música indiana. É a sua forma de procurar por sua libertação e se “desconectar” deste mundo extremamente conectado mas com pouco afeto (e feito de breves diálogos pormenores)?
André Prando: “Ave Sangria, Mutantes, Alceu Valença, Lula Côrtes, Walter Franco, são referências fodas do uso de elementos orientais nos anos 70. O Udigrudi, de uma forma geral, sempre me trouxe essa inspiração, assim como os Beatles.
Tem a ver com a mistura do rock com o movimento hippie, que adotava práticas orientais de meditação e de estudo como um todo. Isso tudo sempre me interessou. Não sou praticante de religião nenhuma, ou yoga, ou meditação, gosto das práticas, mas sou muito indisciplinado pra essas coisas.
Mas são práticas que nos ligam profundamente com nós mesmos e com o planeta. Poesias e músicas que nos levam pra esse universo – além de eu gostar como soa – carrega uma mensagem importante. É preciso estar atento às sutilezas do mundo. Ô, se é!”
This post was published on 11 de fevereiro de 2019 9:10 am
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