Ultramen critica a alienação no potente e multicultural “Tente Enxergar”
Feito uma simbiose entre estilos o som dos gaúchos do Ultramen sempre teve uma proposta bastante aberta. A ideia original em 1991, quando o grupo foi criado, era de misturar som pesado (Sepultura, Slayer, Anthrax) com balanço black (James Brown, Sly and the Family Stone) e vocais rap (Public Enemy, Beastie Boys), algo que claro foi sendo evoluído ao longo do tempo. Após ter encerrado suas atividades em 2008, os porto alegrenses voltaram a ativa em 2013.
A expectativa pelo quinto disco de estúdio se eleva a partir do momento que descobrimos que é o primeiro disco de inéditas da banda em 12 anos. O sucessor de Capa Preta (2006), Tente Enxergar, foi produzido por Glauco Minossi e passeia por ritmos como rock, reggamuffin, funk, dub, dancehall. soul e hip hop. Eclético e aberto para novas referências, marcas de uma trajetória importante dentro da música brasileira.
Assim como o álbum ao vivo Máquina do Tempo (Gravado em 2008), lançado em 2016, a banda gaúcha lançou o disco nas plataformas digitais através do selo paulista Hearts Bleed Blue na última sexta-feira (31). O lançamento também já está disponível para venda em K7 e CD.
O lado político e a preocupação social também transparece dentro da narrativa do álbum e o vocalista Tonho Crocco deixa isso claro em reportagem publicada no jornal porto alegrense Zero Hora.
“Sempre tivemos participação nas causas da cidade, da cultura, da arte. Por ser uma banda de rua, de boteco, nascida na Osvaldo Aranha, acabamos botando boa parte dessas causas nas letras: lanceiros, o movimento do Tutti, as minas, as monas, os manos, está tudo representado nas novas letras. Esse é o jornalismo da nossa geração – orgulha-se o vocalista Tonho Crocco, citando as letras de faixas como Fala Por Ti e Tente Enxergar, que exaltam movimentações sociais, da Ocupação Lanceiros Negros à interdição do bar Tutti Giorni“
Ultramen – Tente Enxergar (31/08/2018)
Os singles “Pineal”, “Robot Baby” e por último “Tive Tudo” que inclusive ganhou clipe, já eram conhecidos do público. E na última sexta-feira foi lançado oficialmente o álbum completo. O registro conta com 12 faixas, 41 minutos de duração e muita energia cósmica.
O sexteto composto por Tonho Crocco (vocal), Pedro Porto (baixo), Malásia (percussão), Leonardo Boff (teclado), DJ Anderson (scratches) e Zé Darcy (bateria) neste novo álbum deixa um pouco de lado as influências de samba rock e abraça com mais força os ritmos jamaicanos como dub, raggamuffin, reggae e dancehall.
O acesso a informação mas a preguiça por pesquisar sua veracidade, e a burrice das redes sociais, são criticados de maneira bastante sagaz em “Pineal” que faz uma esperta analogia com a glândula pineal.
Ritmos como o reggae, hip hop e dub transparecem logo de cara com direito a intervenções do DJ nas pick-ups. Os sintetizadores e o recurso do talk box deixam a canção ainda mais espacial assim como o Sublime sabiamente fazia nos anos 90.
Que presente é ouvir “Tente Enxergar”, faixa título, com esse reggamuffin / dancehall que agradará facilmente a fãs de Buju Banton, com direito a samples e uma diversidade de efeitos. Assim como os mestres jamaicanos, a manipulação e as amarras do sistema são severamente criticadas.
O Brooklyn vai de encontro com Kingston na politizada, bem humorada e engajada “Fala Por Ti” que como citada no começo do texto fala sobre a resistência do Bar Tutti e sobre o caso dos lanceiros africanos. A miscelânea rítmica que dá todo o groove e mostra a capacidade pop da composição.
Você pediu soul? Aqui ele se encontra em “Felicidade Espacial” que traz o espírito funkeado do Ultramen que certamente puxará para a pista de dança fãs do majestoso Tim Maia. Ao mesmo tempo os delays e elementos deixam ela justamente com esse espírito espacial. Destaque fica também para o belo trabalho de percussão.
A mistura volta a bater forte em “Tive Tudo” que acredito que irá agradar a fãs mais antigos do grupo, já que conta com os elementos que ajudaram a consolidar sua identidade. O clipe por sua vez é divertido e vale a passada de olho.
Mas claro que o rock ia ter seu momento para sobressair e está presente com força em “O Chaveiro” que não perde o groove e conta com uma linha de baixo cheia de classe. Cheia de analogias e trocadilhos bem humorados, a faixa tem o espírito do Ultramen.
Vibração, obscuridade, rap, reggae e uma canção para sentir forte sua levada imersiva e esquizofrênica. Uma das mais experimentais e potentes do disco; e certamente irá agradar a quem curtir um som mais fora da caixinha. Ela até parece ter influência do rap mais combativo, e perigoso, que marcou as origens da sonoridade do sexteto lá em 91.
O hardcore casca grossa, elemento sempre presente dentro da panela dos gaúchos, vem com tudo na combativa “Hedonista Hediondo” que tem aqueles riffs que amamos ver em grupos como Black Flag, S.O.D. e Minor Threat. O prazer em primeiro lugar, e foda-se as consequências, são expostos de maneira cirúrgica – e pontual – na rápida canção que por sua vez da um contraponto interessante na linha reggueira que o álbum vinha caminhando.
Zhammp e a Negra Jaque foram convidadas para gravar esta canção ao lado da banda que mostra como o groove, o Funkadelic e o empoderamento feminino também tem espaço dentro da ideologia da banda. Um grande acerto em deixá-las cantar a canção.
A robotização da sociedade claro que ia ser o tema da grudenta e pop “Robot Baby” que traz elementos da funk music e te convida para entrar na roda. Particularmente me lembrou os discos que consolidaram bandas como Daft Punk mas também trazendo elementos do rock.
O tapete vermelho das pistas de dança é estendido na deliciosa e envolvente “O Futuro é Amanhã” e brinca com o tempo, seja ele o agora ou o amanhã. O swing e o talk box assim como na faixa anterior também se fazem presentes e deixam o clima ainda mais “futurista”.
Apesar de o futuro ter ganho protagonismo na anterior, a canção que encerra o álbum, “A Humanidade”, é justamente a que para mim mostra o futuro do Ultramen. Pois experimenta, e traz referências do hip hop, black e até mesmo do jazz para a panela do grupo – e isso nos mostra novas possibilidades sonoras para serem trabalhadas por eles daqui para frente. Com muito groove, swing, beats e boas vibrações o disco se encerra.
O quinto álbum do Ultramen, Tente Enxergar, é dançante, é hipnótico, tem groove, espírito leve mas sem deixar de ser contestador e de abraçar causas sociais. Em tempos tão urgentes onde todo posicionamento é válido, e 12 anos após ter lançado seu último disco de estúdio, a banda gaúcha mostra que está viva e conectada com os tempos atuais. Em sua parte sonora mistura ritmos como reggae, dub, rap, raggamuffin, hip hop, rock, hardcore, dancehall, jazz, dub, sem perder a compostura e olhando para frente.