S.E.T.I. dialoga sobre a fragilidade das relações humanas em “Supersimetria”
A forma com que um trabalho é pensado define muito a impressão que o público irá responder (e também os algoritmos). Por exemplo, um EP nas ferramentas de streaming perde a força nos destaques das plataformas que a cada dia mais privilegiam singles. Não é a toa que a cada dia que passa vemos álbuns de 7 canções e nos últimos tempos veio a tona a discussão: ainda vale a pena gravar um álbum?
Polêmicas à parte, o modo que consumimos música tem se transformado nos últimos anos e pelo bem, ou pelo mal, isso faz parte da evolução.
Por outro lado de tempos em tempos as bandas também pensam nas formas. Se vão lançar um box de vinis com os singles, se vai sair também em fitinha K7, se vai sair apenas na versão deluxe aquela bônus track, se terá prensagem colorida limitada….e assim por diante.
Mas quem disse que a forma também não pode fazer parte do conteúdo? Essa é a tônica e o grande destaque do primeiro álbum de estúdio do S.E.T.I. de Campinas (SP).
O duo que tem influências de conjuntos como Phantogram, Depeche Mode, A-ha, Massive Attack, Portishead, Garbage, Radiohead e Nine Inch Nails já é um velho conhecido dos leitores do Hits Perdidos. Inclusive eles fizeram uma ótima versão para o Tributo aos Titãs que ganhou elogios do próprio compositor da canção, Sérgio Britto.
O duo composto por Roberta Artiolli (voz e sintetizadores) e Bruno Romani (baixo, guitarra, programação) já vinha trabalhando na complexidade do que viria a se solidificar como Supersimetria a um bom tempo. A pesquisa por aparatos tecnológicos é uma obsessão da banda e neste disco isso fica ainda mais evidente que no EP anterior.
O nome do registro vem justamente da Supersimetria, teoria da física de partículas que sempre associa um bóson a um férmion.
“No álbum, transportamos a ideia de pares subatômicos para o cotidiano humano, e observamos como atitudes, por menores que pareçam, produzem resultados em algum ponto da existência – o que mantém o tecido do universo estranhamente simétrico.”, conta a banda
Transportando o conceito para o formato eles decidiram que cada uma das 10 canções se complementa com a sua oposta. Por exemplo a 1 dialogo com a 10, a 2 com a 9 e assim por diante. Seja na sua temática como nos seus timbres e melodias.
Nerd Rock Espacial? Algo por aí mas isso não deixa de ser interessante.
Algo que já pôde ser visto nos últimos lançamentos do duo é justamente a preocupação com temas menos subjetivos e mais conectados com o universo ao seu entorno. Esse é o mote do álbum que passa por temas como a repressão, o machismo, a violência e o consumismo.
Era definitivamente a hora do S.E.T.I. colocar em pauta para onde está caminhando a humanidade em uma era onde conexões são tão frágeis e o conservadorismo ganha terreno.
Roberta Artiolli: “Não somos uma banda que aborda sempre questões sociais. Em geral, a gente versa sobre sentimentos. Então, se a gente resolve falar sobre alguma questão social, é porque o tal assunto está incomodando bastante.
Eu sou mulher e, como todas as outras, passo por diversas situações irritantes e constrangedoras todos os dias. No entanto, não tenho um relacionamento abusivo, na qual o machismo vem da pessoa que dispõe de maior intimidade comigo.
Mas vejo muito isso acontecer ao meu redor e noto que quem recebe às vezes não percebe. Resolvi externar nessa letra a falsa preocupação que muitos caras demonstram ter com suas parceiras, parecendo sempre que eles estão as protegendo e “falando para o bem”, mas na verdade tentam incutir nelas que elas não podem, que elas não deveriam, que elas não são. Errado, amigo.”, contou a artista durante entrevista para o Hits Perdidos sobre o single “O Ilusionista” lançado em junho do ano passado.
S.E.T.I. – Supersimetria (Agosto / 2018)
O disco foi gravado entre o segundo semestre de 2017 e o início de 2018 em Campinas (SP) junto com o produtor Felippe Pompeo. Já a masterização ficou por conta de Luiz Café (Emicida, Rashid, Rodrigo Ogi).
O álbum conta com 49 minutos de duração e como as canções dialogam com as suas opostas nada mais justo do que fazer o faixa a faixa se adaptando ao disco. Ou seja, uma audição fora de ordem e procurando dissecar a linguagem escolhida pelo disco.
Com batuques, sintetizadores à la Depeche Mode e guitarras leves “Desencanto” chega cortando feito uma navalha com seus versos aparentemente “inocentes” mas cheios de ironia. O egoísmo, vazio e consumismo são dizimados a cada frase de Roberta.
Por outro lado a experimentação é a tônica da canção que mesmo tendo momentos mais dançantes é contemplativa feito um post-rock. Os loops e aparatos eletrônicos ganham mais espaço conforme a canção vai chegando a seu fim.
Já na décima canção “Fúteis Imorais” a batida te leva direto para uma batcave dos anos 80 mas a temática da futilidade e hipocrisia são combatidas sempre na primeira pessoa.
Um destaque fica para as sobreposições de vocais muito bem usadas que dão a sensação de estarmos presos em um ciclo sem fim. O interessante é ver como por várias vezes a canção flerta com o industrial e outros estilos ainda não experimentados até então pelo duo.
A segunda canção do disco, não se perca não estamos indo na ordem natural do disco e sim por seus extremos, “Popfobia” faz um pop esquizofrênico. Pois é pop sim mas pop como se um fã de Kraftwerk tentasse partir para esse caminho. Ou seja, algo que mesmo sendo açucarado ainda é experimental. Tem aquele tom de deboche que nos acostumamos a curtir nos discos do CSS.
“O Quarto”, a nona, dialoga no quesito pop. Até brinca com o estereótipo do pop do anos 80 onde duetos vocálicos eram muito comuns. Tudo isso sem esquecer a veia futurista, e moderna, do som dos paulistas.
Já a terceira canção, “O Ilusionista”, foi o primeiro single a ser divulgado e fala claramente sobre o machismo velado das pequenas atitudes cotidianas. É synthpop, é dançante mas contesta com samples e beats energéticos.
“Um Não Viver”, a oitava do disco (não perca a conta!), fala sobre os medos, estigmas e receios que a sociedade joga nas costas. A busca incessante por querer seu lugar, e esperança para seguir em frente, mas se sentir bloqueado por diversos fatores externos. Seu instrumental é o mais matemático do disco e faz uma panela interessante entre synthpop, new wave e o post rock.
A programação dá o tom de “Alma” a mais New Order do disco. Ela te cativa feito uma tormenta de negativismo e reverberação. Mas ao invés de caminhar para algo totalmente contemplativo ela vai na direção de uma rave pop para corações gelados. Por si só sua graça é justamente este antagonismo.
“99 Dias”, a sétima do álbum, também é dançante e experimenta da programação e dos pads. Os conflitos, repressões, dilemas são exaltados em seu discurso. As guitarras ficam mais pesadas feito as canções da Factory e é a cereja do bolo em uma faixa totalmente NIN.
Chegamos ao “miolo” do disco com “Supersimetria Pt. 1” que tem uma atmosfera um tanto como Angels & Airwaves em Love, sequência de discos do conjunto, e relata sobre o tema central do disco: a fragilidade das relações humanas.
A morte, o suicídio (?), a efemeridade, a inconstância e insegurança compartilhada são postos em cheque na canção que traz remorso e pavor em seus versos. As guitarras e programações são um show à parte e deixam a introspecção ainda mais eletrizada. Ao mesmo tempo Roberta canta frases de apoio a quem esteja passando por momentos ruins.
Ainda com tom sério “Supersimetria Pt. 2” fala sobre o temido fim e a saudade. A dor de uma perda. O peito que não aguenta o sofrimento e o soluçar (sem fim) do adeus. Seja ele espiritual como literal. Alma que se vai.
A partida nunca é fácil e por mais que não possamos olhar mais para a pessoa querida todos os dias e nos acostumemos por estar em outro plano: ainda surgem memórias e passagens que gostaríamos de ter compartilhado. Mas como tudo nessa vida nada pode ficar para depois….porque o depois é sempre “duvidoso” e está no plano dos sonhos e quereres. É desta maneira solene que o disco em sua ordem embaralhada se encerra.
O duo de Dream Pop, S.E.T.I., surpreende em seu primeiro álbum por diversos fatores. O primeiro por sair da zona de conforto, o segundo por explorar novas facetas vocálicas e elementos ainda não utilizados.
Ainda por cima a ideia de diálogos entre as faixas deixa a leitura do disco ainda mais instigante para quem gosta de procurar respostas ou é um ouvinte que busca por conselhos. Morte, vida, repressão, machismo, insegurança, egoísmo, banalidades, aspereza e futilidades ganham espaço na obra que tenta extrair talentos ocultados nos EPs anteriores do duo.
Ouça de cabeça aberta e em um dia não muito chuvoso pois algumas canções tem capacidade de te deixar reflexivo por dias. Seja pela mediocridade humana, como pela saudade eminente de uma perda. Afinal de contas: a vida passa voando feito um sopro para nos apegarmos a pequenas implicâncias, preconceitos e desafetos.