Lembro bem quando conheci o Gilber. Foi meio por acidente, na verdade, estava a pouquíssimo tempo de entregar o tributo ao Pato Fu, O Mundo Ainda Não Está Pronto, o Pedro Serra da Estranhos Românticos disse que tinha comentado com alguns amigos sobre o projeto e que eles tinham se animado com a possibilidade de participar.
Entre algumas destas bandas estava o Gilber T com sua banda de apoio, os Latinos Dançantes. Não sabia muito o que esperar, só de sua afinidade com a soul music e sua experimentação como produtor. Vi ele falar da oportunidade com tanto gosto que acabei topando a participação sem pensar muito.
A versão de “Isopor” surpreende desde o começo pelo uso das colagens e recortes. A voz de um depoimento da Fernanda Takai logo no começo vira “recurso” como instrumento já na introdução. Essa mistura entre o velho, samples, mixagem e experimentalismo de fato mostra ao que a banda veio.
Toda essa “insanidade” começa a fazer um pouco mais de sentido quando vamos atrás do background dos músicos que compõe os Latinos Dançantes. Eles já produzem material para bandas que trabalham com colagens e a soma de guitarras a tecnologia velha. Vintage é cool como já vemos como tendência no exterior – e por aqui não seria diferente.
Colares por exemplo produz sound design em 8bits para jogos de computador, Augusto toca com a cantora Daira Saboia e Gilber produz em diversos campos como o do rap/hip hop, projetos experimentais, soul e funk, como fica explícito no projeto Gilber T.
Para entender como é cabeçuda a ideia Gilber até cita o Wu-Tan Clan como referência no processo criativo:
“Mas é isso, na banda a gente fala muito do velho Wu-Tan Clan, porque parece a primeira empresa só de hip hop. Eles mesmos gravavam, produziam seus sons, vídeos e agenciavam suas coisas.
Nas devidas proporções é isso, a gente cria, grava, mixa e masteriza. Na ponta cuidamos da parte visual e de conteúdo… ainda bem que não tem a ditadura das gravadoras, a ideia é liberdade total… salve o Mac Demarco também, né? (risos)”, explica Gilber
Sendo assim a proposta da banda formada por Amin El-khouri (bateria), Arre Colares (voz ,SP synth, trompete, baixo), Augusto Feres (voz, guitarra, synth bass, baixo) e Gilber T (voz, guitarra, baixo, SP) é produzir tudo da maneira mais orgânica possível, englobando o eletrônico, a experimentação e a falta de limites na hora de criar.
O que a princípio era uma banda de apoio para o disco Contradições, acabou se transformando em um projeto maior.
Nesta sexta-feira com direito a PREMIERE no Hits Perdidos a banda lança seu primeiro single autoral, “Bere t Gueder”. A faixa que foi escolhida por unanimidade pelo grupo como single de trabalho faz uma pequeno trocadilho em seu nome e separa “Better Toghetter”.
A proposta é ser experimental até a última ponta como diria o Planet Hemp. Inclusive, eles fazem questão de descentralizar quem fica à frente dos vocais. Nesta canção por exemplo Augusto assume os vocais mas isto provavelmente não será regra nas próximas.
Segundo os músicos, a canção foi criada tendo em mente uma festa imaginária em que estão reunidos amigos e eles celebram este momento de confraternização com música e luzes hipnagógicas. Quando o assunto são inspirações eles citam o gosto pela discografia do Tim Maia, o misto da nova e da velha tecnologia e o pop experimental.
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A faixa já nos seus primeiros segundos faz um mix entre o velho e o novo dos recursos tecnológicos. Resgata o soul mas abraça a eletrônica e parece até tirar onda com Daft Punk da fase do Homework (1997).
Aliás queria saber o que Giorgio Moroder diria sobre todas essas colagens e experimentações. Um clipe com muitas cores e que brincasse com a epilepsia com certeza combinaria com a faixa que agradará fãs de mashups e neo-soul. Fato é que ela gruda feito chiclete na sua cabeça e poderia ter até mais de 3 minutos de duração. Quem sabe em um futuro remix.
[Hits Perdidos] Antes de mais nada gostaria que contassem como se conheceram, antes mesmo de ser banda de apoio e que também explicassem como foi o desenvolvimento até chegar no atual formato da banda.
Augusto: “Quando conheci Gilber, ele tocava na banda Laura Palmer e eu na Motherfunk. O Amin era baterista no Caras de Vidro e já era nosso amigo, e eu e o Arre fizemos faculdade juntos. Comecei a tocar com Gilber quando ele estava gravando o álbum Dia Incrível (2013), já segunda parceria com o Bruno Marcus da Tomba Records, com quem Gilber tocava desde a Laura Palmer.
Foi nessa época que eu e Amin entramos para banda. Ao longo do tempo tocando as músicas do disco, foi se solidificando um núcleo, mas ainda não éramos uma banda em si. Quando lançamos o álbum Contradições (2016) nós chamamos o Arre, que tinha acabado de voltar de SP, para assumir os synths e trompete.
Nesse ponto ainda não tínhamos um nome. Foi numa sessão de gravação que contou com todos nós, o João Pinaud que tocava com o Gilber T desde a Laura Palmer, Filipe Monteparnasse, e o Victor Cumplido do FELLAPI que o nome Latinos Dançantes surgiu.
O nome foi dado por Amin, numa variação de um disco de Wayne Shorter com Milton Nascimento de 1974, chamado Native Dancer, e ele fez uma confusão achando que o disco se chamava Latin Dancer. Daí a tradução para Latinos Dançantes.”
[Hits Perdidos] Funkadelic, Tim Maia, soul, experimental, eletrônico…o que cabe mais na panela de vocês? e como veio a ideia de descentralizar o papel de vocalista?
Gilber: “Cada um nos Latinos Dançantes traz algo que não propriamente música para o núcleo, que logo contagia os outros. O soul está em nosso DNA, mas lembro que entramos numa fase de fissura por imagens e sons hipnagógicos ao mesmo tempo que Connan Mockasin e Ariel Pink entraram na roda.
Nesse período coincidiu estarmos gravando material do Gilber T com o produtor Tomás Magno no lendário estúdio Toca do Bandido, que os dias de registro e a atmosfera do lugar nos trouxe novas experiências que foram aplicadas nos Latinos, além de reforçar nossa relação de amigos, antes de banda.
Fomos a fundo nas audições de coisas da Motown, Stax e Daptone Records, que já
curtíamos, mas como o Tomás visava registros ao vivo, ouvimos de forma mais atenta para captarmos um pouco da essência, mantendo os pés em nosso tempo e respeitando nossas próprias limitações.
Aproveitamos essa experiência inserindo também a já velha tecnologia dos samplers Roland SP404, portáteis, não dependem de computadores e achamos apontar o que seria o coração da banda em virtude de reproduzir em 16 bits.
Some isso aos toys synths e o Yamaha DX7, que transporta a mente para um cenário de Strange Things (risos). Mesmo com um formato típico de banda de rock, o uso dessas máquinas tornou mais frequente ouvirmos e absorvermos como influência coisas do Girl Talk, Animal Colective, JDilla, four tet, Homeshake, Beastie Boys e MDSGN entre outros.
Descentralizar os vocais surgiu não para igualar lideranças, mas porque da mesma forma que buscamos texturas diferentes através dos instrumentos, achamos que a mesma lógica poderia ser aplicada com o uso dos diferentes timbres vocais de cada integrante.”
[Hits Perdidos] Reconstruir em uma versão uma canção de um artista conhecido é sempre um desafio a parte. Como foi o processo de gravação para o tributo ao Pato Fu?
Algumas bandas falam que este tipo de “desafio” acaba ajudando em futuras composições e até mesmo a explorar novos caminhos para o autoral, foi o caso de vocês?
Tinha uma relação de músicas para escolhermos e como só entramos no meio do processo, naturalmente as canções muito conhecidas já haviam sido escolhidas, mas sabíamos que essas não seriam as que teriam a ver com os Latinos, daí, incrivelmente nos deparamos com “Isopor” do disco homônimo deles de 1999, e de forma unanime achamos se tratar da matéria prima perfeita para absorvemos e criarmos nossa versão.
Sampleamos e manipulamos uma entrevista da Fernanda Takai até transformar em notas musicais, disso fizemos o riff principal e de acordo com a visão de cada um, o caminho da levada, linha de baixo, synths e guitarra foram construídos. Tudo valeu muito a pena, ali de certa forma foi o laboratório ideal para usarmos todos os elementos que compõe nossa personalidade sonora e o que produzimos depois disso foi potencializado devido a essa experiência.
Eu cantei nessa versão, na música original a Fernanda canta com seu jeito doce, mas optei por algo mais afetado, aliando dramaticidade ao uso de efeitos na voz. Quem estava acostumado com a minha forma mais linear e polida de cantar, provavelmente através do Tributo conheceu meu outro lado (risos).”
[Hits Perdidos] “Bere t Gueder ” é um marco como estreia no quesito canção 100% autoral. Como foi o processo e o que foram resgatar para chegar no resultado final
Colares: “‘Bere t Gueder’ é a versão dos Latinos de um beat que fiz, chamado ‘sqnvv’ em que sampleei um trecho da música “Sei que não vais voltar” da cantora Tânia Aura, que Gilber arranjou e co-produziu.
Um pouco complicado, né? Mas se você ouvir as 3 músicas garanto que vai entender.
Os latinos foram muito influenciados pelo hip hop e música eletrônica e abraçam a tradição dos samplers como forma de criação e ao mesmo tempo referência direta a artistas e gêneros que amam.
“Bere t Gueder” surgiu da colagem do que já era uma colagem e a cada sessão de produção, novas ideias eram coladas por cima das anteriores, sempre acrescentando novos sentidos, como por exemplo a própria letra enquanto corruptela da expressão ‘better together’, trazendo a imagem de que é melhor estar junto do que separado.”
[Hits Perdidos] Quais os planos para o futuro do projeto? Teremos em breve mais material a vista?
Amin: “Os planos futuros incluem dois EPs (Um como Gilber T e outro como Latinos Dançantes), uma nova formatação de show com a inserção de novos elementos na execução ao vivo e muito em breve, outro single que já está em fase de finalização.
Na entressafra dessa produção muita pesquisa e novas composições e experimentos irão surgir pelo caminho. A ideia é uma produção de forma contínua e sempre em busca de novas linguagens. Resumidamente produzir e tocar ao máximo quanto pudermos.”
This post was published on 22 de junho de 2018 11:58 am
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