Alguns discos você sente que merecem uma atenção especial. Que não adianta ouvir a meia-noite quando este fica disponível nos streamings para tentar dar seu parecer sobre. Por mais treinados que nossos ouvidos vão ficando, o ato de ouvir por dias – e até semanas – que leva a um entendimento mais sóbrio sobre um trabalho artístico.

E mesmo assim erramos, erramos tentando acertar. Mas a arte da vida é essa, não é mesmo? Acho que todo esse sentimento de emoções e conflitos internos que acaba dando a tônica explosiva de um disco bem acabado.

Quantas vezes ouvimos que um artista estava sonhando com as gravações, sabia cada passo a ser tomado e quando entrou no estúdio detalhes importantes foram mudados. A mágica está nisto e normalmente é para melhor. Seja por algum efeito da sala, arranjo debatido por horas com o produtor ou até mesmo o acaso.

Só posso falar que MA, sucessor de Ace (2014), foi crescendo a cada audição. O Huey parece solto e a vontade de misturar uma bagagem musical extensa para oxigenar estilos como o Doom e o Stoner é evidente. Mistura tantas referências que faz de seu rock cabeçudo algo instigante e voraz. Não é a toa que temos um Tigre na capa.


Em 2018 o Huey completa 8 anos e está lançando seu segundo álbum. – Foto Por: Estevam Romera

Em sua formação eles contam com Vina, Dane e Minoru nas guitarras, Vellozo no baixo e Rato na bateria. Até então o Huey lançou o disco de estreia, Ace (2014), o EP ¡Qué no me chingues wey! (2010), e os singles “Por Detrás de Los Ojos (2012), “Valsa de Dois Toques” (2014), “Adeus Flor Morta” (2016) e “Pei” (2017). Este último já servindo de aquecendo para o próximo disco.

O show deles é bastante explosivo. No ano passado tive a oportunidade de assistir durante o Sinewave Festival que aconteceu no Palco Z (Z Carniceria). Catártico e explosivo ele foi logo para a lista de melhores shows do ano.

Huey – MA (06/03/2018)

O segundo álbum de estúdio do Huey, Ma, saiu através do selo paulistano Sinewave Label no dia 06/03. Sendo lançado oficialmente no dia 16/03 no palco da Estrella Galicia Estação Rio Verde.

“MA” é a palavra japonesa usada para identificar um espaço ou pausa entre duas partes. Sugere intervalo, une uma coisa a outra. A distância entre os lançamentos para muitos pode soar como um grande vácuo no tempo – e espaço – mas eu acredito que na verdade é algo que contribui para um melhor entrosamento, identidade e maturidade.

Algo que normalmente muitos artistas demoram para perceber. Muitos me procuram falando: “tenho material para quatro discos mais vou segurar”.

De fato nunca sabemos quando virá aquele momento criativo de novo mas muitas vezes por melhor que seja aquele material bruto, ele necessita ser polido, lapidado e criticado. É um processo de construção e só o tempo dirá se realmente aquela sequência de acordes era realmente marcante.

O registro chega com 8 faixas e 45 minutos de duração. A produção é assinada pelo  norte-americano Steve Evetts (The Dillinger Escape Plan, Sepultura, The Cure), e teve a masterização, a cargo de Alan Douches (Baroness, Year of No Light, Earth). MA foi gravado no Family Mob (São Paulo / SP).

O processo de transformação, ousadia, detalhes e preocupação em trazer o peso das guitarras para o centro da panela que faz com que o disco não se prenda a fórmulas – e por consequência saia do ponto comum. MA é tudo menos um disco seguro – ou na temida zona conforto – ele vem para trazer sim muitas narrativas e enlaces mas não para fechar portas.

A linguagem da música instrumental ecoa diversas emoções ao longo da obra e podemos ver um pouco de tudo: do blues rasgado, passando pelo peso do doom, a “lombra” do stoner, a matemática do post-rock e progressivo, a fúria do noise e a mescla do alternativo. Tudo isso com o ouvido aberto para ecoar outras influências.



“Inverno Inverso” é a faixa responsável por abrir o álbum. Com o pé na porta ela já chega com o peso e com linhas criativas de guitarra que permitem várias narrativas, quebras e desconstruções.

Tem aquele pé no sludge ao mesmo tempo que cadencia com a calmaria do post-rock e experimental. Por horas sentimos o peso, em outras lembramos dos projetos de Mike Patton e Chino Moreno mas sempre com uma narrativa que mostra toda a riqueza dos detalhes.

Em 5 minutos de duração, ela tem transições que em um disco normal virariam riffs suficientes para três faixas. Seu final “derrapante” até soa como o desligar da engrenagem de um motor frenético em combustão.

Dias antes do lançamento do disco eles disponibilizaram, “Wine Again”, e até tocou no programa do Hits Perdidos na Mutante Radio. Gosto como o baixo ganha o protagonismo nesta faixa mais intimista. Mas se engana que ela fica na mais completa calmaria, sorrateria ela ganha corpo e te convida para uma valsa às avessas.

O progressivo transparece e mostra todo o arsenal matemático do quinteto. Fãs do metal com certeza simpatizarão com a faixa que passa por vários segmentos do gênero num piscar de olhos.

Em dezembro a banda lançou o videoclipe para “Pei”, faixa que foi também o primeiro single a ser lançado do registro. Se você cresceu nos anos 90 e pôde jogar Tony Hawk Pro Skater talvez entenda a referência que vou citar.

A canção casaria tranquilamente com as fases mais fabris do game, visto que não é muito difícil entre um ruído mais ríspido e outro sentir uma energia do movimentar das válvulas e engrenagens. Talvez numa playlist ao lado de “Wish” do Alien Ant Farm, “Committed” do Unsane, “Evil Eye” do Fu Manchu e “Police Truck” do Dead Kennedys.



A produção do videoclipe foi dirigida por BendLeve Filmes, conta com cenas da banda tocando e takes externos numa floresta com performance da atriz Beatriz Martinhão. A montagem ficou por conta de Bruno Henrique e a direção de fotografia e câmera são assinados por Luiz Maximiano.

Por aqui o videoclipe chamou bastante a atenção e acabou sendo eleito como um dos melhores do ano passado. Mais precisamente como o melhor de Dezembro na lista de Melhores Clipes de 2017 do Hits Perdidos.

Na sequência temos “Mother’s Prayer” que começa leve com um dedilhado delicado que desemboca em uma progressão de acordes que funde post-rock ao swing e contrapeso do metal. As paradinhas parecem até fazer reverência a clássicas bandas do gênero.

Uma outra versão para “Adeus Flor Morta” já tinha sido lançada em 2016 como single solto. Para o álbum a faixa ficou ainda mais rápida, os 4:34 da primeira se tornaram 4:31 no disco. Sua intensidade – e vibração – se manteve em uma faixa que flutua pelo duelo de guitarras entre a explosão e a calmaria. A intenção é essa mesmo, sentir as guitarras derreterem lentamente.

“Mar Estar” abre a tríade que fecha o registro com peso e transgressão. Ela agride o ouvinte com sua falsa sensação de monotonia e por isso o nome cai feito uma luva. Como uma fênix ela tem seus ápices e sua estrutura dividida em três partes – feito uma história com começo, meio e fim. A que mais me agrada é a sua parte final que se inicia no quarto minuto da canção com arranjos rebuscados e uma aceleração corrosiva que flerta com o hardcore e o noise rock.

Já “Fogo Nosso” é uma faixa que irá agradar quem pirar no rock setentista, do stoner passando pelo blues com pitadas do hard rock. Ela tem uma densidade diferente das outras faixas e revela uma profundidade ainda não explorada dentro do disco. Seu minuto final com certeza irá agradar a quem viajar pelas ondas do rock chapado.

“O+” é uma obra prima por si só e a escolha por fechar o disco é acertadíssima. Não apenas pela sua extensão mas pela densidade e energia que ela consegue captar. Ela é pulsante, canaliza a essência de MA e feito um jaguar percorre as camadas do disco feito uma epopeia.

O trabalho de percussão me agrada bastante e creio que nos shows ele ganhará ainda mais destaque. Alguns riffs dentro da canção tem a sujeira do Dead Kennedys, o peso do Kyuss, a malemolência do Unsane e a falsa calmaria do Mogwai.

Sei que a ideia passa longe de soar como um opera rock ou de sonhar em emular a complexidade do Rush, mas toda essa experimentação faz com que reflitamos: como é bom ver uma banda capaz de fazer isso em 2018.

Como é bom ver eles dando a cara a tapa em tempos onde o menos é mais. As vezes algumas bandas fogem das correntes para tentar ser “diferentonas” mas não é o caso deste registro que olha mais para frente e não apenas para o agora. Talvez este seja o verdadeiro “vácuo” do espaço de tempo de MA.



Quatro anos após o Huey lançar seu primeiro registro MA chega ao mundo. Um disco que prova que o tempo para maturar as composições, arranjos e fusões fez bem. A banda paulistana ousa em fundir estilos como blues, stoner, doom, post-rock, noise rock a música experimental.

Faz um passeio sem ter medo de ser julgado, por horas progressivo, por outras calmo, em outras agitado e angustiante. Ele não é um álbum fácil mas pensando bem nem Marquee Moon é, talvez seja por isso que nos instigue e provoque com que ouçamos não apenas uma vez mas como várias para captar toda sua transgressão – e energia dissipada.

Agora é se preparar para assistí-los neste domingo na Associação Cultural Cecília durante o RockALT Fest que além deles recebe o Lava DiversMolho NegroMuff Burn Grace e Dum Brothers.


Huey é um dos Headliners do RockALT Fest



RockALT Fest: Lava Divers, Huey, Molho NegroMuff Burn Grace e Dum Brothers
Data: 08/04/2018
Horário: Das 15h às 22h
Local: Associação Cultural Cecília
Endereço: Rua Vitorino Carmilo, 449 – Santa Cecília (Metrô Marechal Deodoro)
Entrada: R$ 15,00 (aceitamos cartão de débito)
Crianças são bem vindas

This post was published on 5 de abril de 2018 11:17 am

Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

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