A sinergia dos astros as vezes parece ganhar movimento através das camadas sonoras e de nossa fértil imaginação. Muitas vezes ao ouvir o som de uma banda conseguimos enxergar cores, imagens, imaginar ecos, cenários e captar sensações. Esse fenômeno é também conhecido como sinestesia. Esta bastante explorada durante o período mais fértil da música psicodélica mundial.

Todas essas cores, imagens e sons de certa forma nos ajudam também a tentar dialogar com o rico e vasto universo que nos cerca. É dessa explosão de sentimentos que podemos enxergar da melhor forma os conflitos do dia-a-dia e muitas vezes o processo de fato é dolorido, extenuante, caótico e extremamente reflexivo.

Por isso que o conteúdo das letras dentro da nova geração de música psicodélica – pós revival anos 2000 – é importantíssimo. Ainda mais no contexto e momento sócio-político que estamos vivendo, onde arte é a forma de resistir a este mar de lama.


Tertúlia na Lua após o primeiro EP chegou a tocar no palco de um dos principais festivais do país, o Picnik de Brasília (DF) – Foto Por: Loyane Marques

No ano passado pudemos conhecer o trabalho da banda Tertúlia na Lua. Direto de Gama (DF) e na ativa desde 2014 o trio é formado por Christian Caffi (Guitarra e Vocais), e os irmãos Thierry Sacramento (Baixo) e Jones Sacramento (Bateria).

Naquela época eles tinham acabado de lançar o EP Eu Além de Mim este que contava com três músicas e um swing que flertava com mangue beat, stoner rock, tropicalismo, psicodelia e muito groove. Efeitos naturais e conversas de fundo também tinham espaço deixando tudo muito orgânico, livre e solto.

Este lado orgânico e ao vivo do primeiro EP foi algo que a banda fez questão de manter eu seu segundo lançamento.

Outro fator que faz parte do segundo EP que está sendo lançado hoje com PREMIERE no Hits Perdidos é a continuação da parceria com Gustavo Halfeld (captação, mixagem e masterização) e a escolha por gravar o registro na sala Fumarte.

Quem assina a engenharia de som é Bilís Negra. Já a arte de Pensamentos Instantâneos, foi feita por Deliriumboy e Loyane Marques.

A Sala Fumarte tem tido importância dentro do segmento independente local tendo também sido o local escolhido pelos grupos Almirante Shiva, Supervibe, Vintage Vantage, Rios Voadores e Joe Silhueta para gravar seus discos.

O disco está sendo lançado pelo selo NHL (Salvador / BA) e também em vinil pelo selo Lombra Records (DF). A temática do trabalho passeia por temas como a alienação, a força de vontade para continuar a luta do dia-a-dia e o movimento cíclico que rege nossas vidas.

Tertúlia na LuaPensamentos Instantâneos (27/10/2017)

O lançamento conta com 6 faixas e 30 minutos de som. Diferentemente do EP anterior a narrativa conta uma história através de suas faixas. Cada uma tentando explorar um sentimento e fervor diferente. Tem começo, meio e fim (ou melhor dizendo: recomeço).

Algo a se observar também é a maior preocupação na construção das faixas. Tem mais elementos e viradas do que antes. O que é um fator positivo dentro do universo de possibilidades. Dentro do campo das influências, o campo criativo é o mesmo. Se você gostou do primeiro registro provavelmente irá receber o segundo já estando familiarizado com o que está por vir.

A temática niilista e o descompasso de nossos tempos dão o punch que mostra uma maior preocupação em estar conectado com sua geração. Os pedais novamente tem protagonismo e as ondas do psych stoner parecem ganhar ainda mais território.



O EP se inicia com “Ofício” uma introdução um tanto quanto catártica que expurga os demônios da nossa rotina diária.

Não é a toa que a canção seguinte é a faixa “Rotina” esta que segundo a própria a banda fala sobre o ciclo do dia-a-dia. A faixa já chega carregada de distorção e mostrando o conflito do quão robotizada – e não natural – é nossa rotina. A crítica também cabe aos moldes do capitalismo e alienação que todo esse processo envolve.

Em sua parte instrumental creio que ela vai agradar de fãs de Pink Floyd a Black Sabbath, tendo até intervenções “lunáticas”, cheias de ecos e delays. A seguinte “Céu de Cor” é sobre resistir e é nela que podemos ver como o stoner ganha peso desde sua introdução. Tudo isso mesclado a guitarras mais soltas – e psicodélicas. Essa fusão mostra o artifício que a banda já explorou no primeiro EP: a busca por referências distintas para compor seu som.

A natureza do ecoar do nascer de um novo dia ganha espaço na longa introdução de “Miragem” que se aventura por tempos quebrados e bem setentistas. No meio de solos de guitarra quem ganha espaço é a linha de baixo que parece estar bastante a vontade dentro do espírito de jam da faixa.

No último minuto a música ganha vocais, ela de certa forma protesta contra a passividade e o momento “torto” político que estamos vivendo. Tudo isso – como já citado anteriormente – por meio de uma visão niilista. Como se a real mudança ainda estivesse longe de acontecer.

“Em Outros Olhos” parece até ser uma continuação de “Miragem” e se aventura novamente com o delay e o volume das guitarras. A alienação e a manipulação midiática que vem das telas dos televisores são seus alvos.

A faixa também é uma das mais experimentais do EP e os pedais por sua vez ganham protagonismo. A sensação é de como seu cérebro estivesse sendo “lavado” e a beira de um colapso. A crítica é firme e o dedo é apontado para o cidadão comum.



Estando a beira deste precipício sem fim chegamos a última canção – e mais longa do EP – “Apartamento 101”. Esta que ao longo de seus quase nove minutos trabalha entre o groove do blues e a psicodelia.

O sol que em outrora é visto como motivação para seguir vivendo dá lugar as nuvens negras do fim de mais um dia. A impotência por não conseguir de fato mudar sua realidade e ir atrás dos seus sonhos é refletida no fim deste ciclo de desesperança.

Conforme a canção vai progredindo o stoner rock volta a guiar a canção e os solos de guitarra e baixo voltam a ecoar no horizonte. Na metade da canção os portões do inferno parecem se abrir e a chuva de lava dá lugar a escuridão. Seu trecho final soa como se fosse uma fita VHS sendo rebobinada e assim: voltamos ao começo de mais um dia.



A energia do segundo EP da Tertúlia na Lua é intensa, corrosiva, pessimista, pesada mas não menos viajante que o registro anterior. O amadurecimento e o entrosamento do trio brasiliense trouxe neste novo capitulo uma nova gama de vibrações. Esta que ainda mantém os pés na psicodelia mas que agora conta – ainda mais – com a chama do stoner rock.

Os anos 70 são a base do som e referências como Pink Floyd, Black Sabbath, do rock progressivo e até mesmo do blues são notáveis. Já em sua parte lírica temas como alienação, esperança, desafios, niilismo e conflitos são retratados em uma história linear. A banda joga seguro em suas referências e aposta no fator orgânico – e experimental – de seu som repleto de solos de guitarra, baixo “frito” e bateria consistente.

This post was published on 27 de outubro de 2017 9:30 am

Rafael Chioccarello

Editor-Chefe e Fundador do Hits Perdidos.

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