Ah as guitar bands dos anos 80/90! Second Come, Pin Ups, The Telescopes, Sonic Youth, Fellini, Pelvs, Valv, Lemonheads, Television Personalities, Slowdive, Dinosaur Jr., RIDE, Superchunk, Teenage Fanclub, The Pastels, My Bloody Valentine e tantas outras que muitas vezes tiveram “aquele verão de existência” e seu fim derradeiro.
Aquele chiado, som de fita cassete rebobinando, gritos mais crus e sonorização de garagem. Tudo tem seu charme, seu timbre, seu compasso e seu jeito próprio de dançar. Você consegue até voltar pros anos 90 e se deparar na garagem com fãs enlouquecidos pelo novo do Pixies, a demo do Pavement e quão genial era o penúltimo do Sonic Youth.
Pude conhecer o trabalho da Lava Divers em 2015 e a surpresa na época foi ótima. Com o EP Lava Divers (Ouça no Spotify) – lançado em Outibro de 2014 – eles me pegaram de surpresa pela qualidade e sensação nostálgica que o material apresentado conseguia me passar.
O melhor é ver toda essa nostalgia voltando com lançamentos do Fones, Justine Never Knew The Rules, Loomer, The Cigarretes, Miêta, The Pessimists, The Alchemists, Acruz Sesper Trio, The Sorry Shop, Ema Stoned, Missing Takes, Emerald Hill entre outras ótimas bandas que adoramos saber da existência todos os dias.
Tudo é cíclico e isso que faz com que aqueles acordes garageiros e tão soturnos nos tragam não só lembranças, como nos façam falar de temas mais maduros. Foi essa sensação que tive ao ouvir o primeiro single do disco de estreia da Lava Divers, “Tearsfall”.
“O clipe do single é um vídeo-arte feito pelo guitarrista Eddie Shumway, que tem formação acadêmica em cinema e costuma filmar, dirigir e montar a maioria dos nossos clipes” – contou a baterista Ana Zumpano para o Trabalho Sujo no lançamento do clipe
A letra de “Tearsfall”, primeiro single de Plush tem um tom de nó na garganta. Daqueles que te tiram literalmente o sono. Que refletem a realidade de milhares que sofrem com a ansiedade e a pressão que é viver, querer crescer e se sentir incapaz. Traduz tanto a ânsia e realidade dos 20/30 e tantos anos que chega até a doer.
“I’m in a lack of joy
And there is nothing I can do
I’m trading days for nights
And I can feel my tears fall
Fall
I can’t go ahead
I can’t get away
I just wanna stay here right now”– letra de “Tearsfall, single do disco de estreia da Lava Divers, Plush
Nos últimos dias até vimos pessoas nas redes sociais não tendo empatia com pessoas que sofrem desse mal silencioso que é a depressão e ansiedade. Suicídio então? Ainda é tabu nos dias de hoje, infelizmente. Empatia? Algo cada dia mais raro.
Confesso que até me desconectei da internet e fui ouvir meus discos favoritos. Não é nem por não ter a capacidade de dialogar com as pessoas nem nada, mas pelo mal que estava me fazendo ver toda a falta de compaixão que rolava na timeline. Ainda temos muito que evoluir e são músicas como esta que fazem acreditar que não estamos sozinhos.
Com a aspereza do lo-fi e com guitarradas estelares não é difícil sentir toda pressão nos ombros que esta canção trata de jogar para o universo. É um pedido de ajuda, e cada dia ele é mais compartilhado. Por outro lado gostei muito das linhas de guitarra que me lembram as horas que passei ouvindo bandas como Garage Fuzz, Street Bulldogs, The Muffs e Dinosaur Jr.
Ao mesmo tempo que todo esse papo soa meio bad vibes, para mim ele soa tão como um abraço. E acredito sinceramente que cairá como um abraço e um “cara vai ficar tudo bem” para quem for ouvir.
Com três anos de estrada a Lava Divers surgiu em Araguari (MG) e conta em sua formação com João Paulo Porto (Voz/Guitarra), Ana Zumpano (Bateria/Voz), Glauco Ribeiro (Baixo/Voz) e Eddie Shumway (Guitarra). Em 2014 como dito anteriormente veio o primeiro EP com quatro faixas, este que foi produzido por Gustavo Vazquez (Violins, Macaco Bong, MQN, Black Drawing Chalks), do Rocklab Produções Fonográficas.
Este ano tem sido realmente mágico para eles. Além do disco estar saindo do forno, eles participaram de dois festivais importantíssimos do circuito independente nos últimos meses, o Bananada (Goiânia – GO) e o Circadélica (Sorocaba – SP) que aconteceu no último final de semana.
Uma pré-tour de lançamento do álbum que muita banda gostaria de fazer, e o lançamento vem em ótima hora. Plush está saindo pelo selo Midsummer Madness e com certeza será lembrado nas principais listas de fim de ano.
Sobre a gravação do disco a Lava Divers comenta:
“Queríamos ter gravado o disco bem antes de quando realmente rolou. É que foram surgindo tantos convites legais pra tocar que fomos protelando a entrada no estúdio. Acabou rolando em outubro do ano passado. Fomos pra Goiânia onde gravamos as bases principais no estúdio Rocklab, pelas mãos do mestre Gustavo Vazquez, que também produziu nosso primeiro EP.
Dessa vez, nos fechamos no estúdio por uma semana. No começo desse ano gravamos em Araguari e Uberlândia os overdubs, umas guitarras e algumas vozes. Depois mandamos tudo pro Vazquez que também mixou e masterizou o álbum.”
Lava Divers – Plush (2017)
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O álbum se inicia com a potente e ótima para fãs de Husker Dü, Superchunk e Sugar, “I Feel You”. Eu diria até que seria o encontro do college rock com geração punk rock do começo dos anos 90, aquela transição que embalou muitas baladas entre 91 e 95 e talvez isso que faça ela genial. Ao mesmo tempo que catchy, ela fala sobre tirar sua vida. É uma dualidade entre a leveza e o peso.
Na sequência vem “Tearsfall” que o tema sobre desespero já tocamos mais cedo na resenha. Nesta faixa Ana Zumpano além de tocar bateria, canta na primeira voz e é acompanhada pelos vocais dos companheiros de banda. Curiosamente eu estava ouvindo um álbum clássico da Dominatrix Girl Gathering (1997) estes dias e ouvir este single na sequência fez todo sentido para mim. Fica a dica para quem nunca ouviu este clássico conhecer.
Feito o anoitecer chega a calma “Love Is”, uma balada de amor como o nome mesmo diz. Com uma construção interessante e riffs que equalizam muito bem, é açucarada ao mesmo tempo que fala sobre se distanciar e tentar retomar aquela velha chama. Poderia até ter sido composta pelos Descendents pelo tom jovem de abrir seu coração e deixar ele sangrar. Let It Bleed, Let It Be! Ops, disco dos Replacements que com certeza estão na gama de influências do quarteto.
Quando ouvi os primeiros segundos de “Inside His Eyes” eu dei um berro dizendo em alto e bom som: Pixies. Muito pela linha de baixo consistente e aquele ar surfista post-punk psicótico que o som da banda de Boston consegue imprimir em clássicos como Surfer Rosa (1988). Falando nisso que pena a Kim Deal ter saído da banda, sempre foi a minha preferida, talvez por isso Breeders ainda é uma das minhas bandas favoritas.
Mas voltando a faixa, ela é matadora. E o melhor é que tem o potencial de ser atemporal. Tem aquele quê de Robert Smith, ao mesmo tempo que dialoga com o clássico disco do Superchunk, Foolish (1994), e lembra a tristeza de Too (2015) do FIDLAR. A letra da canção é um convite ao isolamento. Quem sabe se este álbum tivesse saído na Inglaterra nos tempos áureos da shoegaze, teria se tornado um hino.
Na sequência vem “My Boy” que tem o poder imersivo de grupos como Mazzy Star. O feeling mais contemplativo e as camadas sonoras conseguem te jogar na fossa. O sofrimento é compartilhado através do espírito guitar band. Consigo até imaginar um videoclipe nublado e uma luz reluzindo no fim do túnel.
“Eddie Shumway Is Dead” já começa em seu título já matando o guitarrista da banda e é com certeza uma das faixas mais divertidas de Plush. Se essa canção não te levar para o inverno, não terá outra. Ela tem aquele espírito rebelde do The Fall indo de encontro com o brit pop. É mágica e pode até cativar fãs de hardcore/emo com o ótimo trabalho de backin vocals.
Chegamos a canção sobre a famosa verdinha, “Hash and Weed”. Esta que vai fazer pirar toda aquela geração pós Blur/Libertines/Stone Roses que se viu orfã vendo seus ídolos envelhecerem. Um destaque fica pelo solo de guitarra ciberespacial que nos leva para os ótimos – e avassaladores – tempos de Creation Records.
Depois de canções mais descontraídas o tom volta a ficar mais sério em “Natural Born Liar” esta em que o baixo e os vocais de Zumpano voltam a serem os grandes destaques. O mais legal de observar é o contraste das guitarras que tem o poder de nos levar para os cenários do filme Natural Born Killers (Assassinos Por Natureza – 1994) e deixar toda letra cold blood (sangue frio) ainda mais envolvente.
“Gasoline (Time Is Not On My Side)” já começa com guitarras oitentistas e vocais soturnos do post-punk. Se você for fã de Sonic Youth, é nesse som que você tem que se atentar por toda a pira guitarrística e a ótima combinação entre vocal e backin vocals.
A penúltima faixa do disco é “Great Mistake” que mostra mais uma vez que solos de guitarra tem espaço sim na panela da Lava Divers. Ideal para fãs de Lemonheads e Teenage Fanclub. Uma canção que fala sobre aquelas malditas vozes em nossa cabeça que nos tiram do sério. Seria alguém que sofre da síndrome de Borderline? Ainda fala sobre ter uma arma na mão e dá a entender sobre uma tentativa ou um suicídio prestes a ser consumado.
O fim do disco se dá em em “Forbidden Steps” que já no título deixa entender da possibilidade iminente do fim. As batidas da bateria dão sensação de passos e o tom me lembrou um tanto o som da Yo La Tengo. O desfecho da história fica a critério de vocês mas para mim os segundos finais deixam claro que a personagem do disco chegou ao fundo do poço.
O álbum de estreia da Lava Divers conta com esta simpática capa de bichinhos de pelúcia e carrega o mesmo sentimento de nostalgia daquelas maléficas máquinas de pegar bichinho – que eram praticamente “invencíveis”. Um bom paralelo com o disco que por mais que a personagem central tente fugir do abismo da ansiedade/depressão, se vê sugada pelo fim iminente. Com temas delicados, confusões mentais, amores perdidos, suicídio e conflitos o álbum consegue te fazer entrar de cabeça em toda a paranoia e descontrole.
Um dos grandes pilares e êxitos de um disco que vai agradar fãs de shoegaze, guitar bands, grunge, punk rock, brit pop e post-punk. Já que apesar das letras tristes, o tom do instrumental se contrapõe e consegue manter o equilíbrio. Acredito que estará tranquilamente na lista de melhores de 2017. O momento é tão bom que ainda teremos Dive da Miêta para embarcar junto nestas listas. Que momento que o cenário independente tem vivido, amigos!
A arte da capa
“A ideia da capa foi nossa mesmo. Queríamos uma capa alegre e divertida. Acho que consiguimos né? As fotos, tanto da capa como as de divulgação do disco, ficaram a cargo das meninas do Moviola, Ana Carolina Moraes e Olívia Franco, e talvez seja por isso que o resultado ficou tão legal. A direção de arte é do João Paulo Pesce.
Além dos bichos de pelúcia, que acabam dando nome ao disco, a Lolla (cachorrinha do Glauco) estrela a capa. Já os outros detalhes a gente prefere deixar em off. Até pra não estragar a brincadeira. Mas quem procura, acha!” comentam os integrantes da Lava Divers
This post was published on 27 de julho de 2017 10:22 am
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